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Ricardo Torres
Doutor em Jornalismo e pesquisador do objETHOS.
As ações e condutas distantes das prerrogativas relacionadas à Comunicação Pública tornaram a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), ligada ao Ministério das Comunicações e à Presidência da República, um caso claro de desserviço ao interesse público. Nos últimos anos, convivemos com uma atuação danosa e lamentável da gestão da comunicação, que passou a priorizar o enaltecimento de interesses governamentais em detrimento de informações relevantes para os cidadãos.
De outra forma, as consequências e desdobramentos negativos também nos levam a refletir sobre a importância que a Comunicação Pública tem em relação aos temas abordados e ao debate público que as informações divulgadas pelos canais institucionais desencadeiam.
Períodos de inatividade e ineficiência despertam a necessidade de discussão e respeito ao trabalho sério que é realizado pela maioria dos atores que compõem o cenário da Comunicação Pública realizada no Brasil. Como exemplifica Maria Helena Weber, “em tempos de desqualificação da política e de supremacia das tecnologias de comunicação”, a Comunicação Pública é uma instância de defesa e resistência da democracia, sendo o debate público essencial ao seu processo constitutivo.
Ainda conforme Weber, a Comunicação Pública é um conceito que tem sido aproveitado de acordo com a necessidade de se classificar ações, discursos, produtos e publicidade dos governos e, ao mesmo tempo, defender relações entre a sociedade, organizações midiáticas e o Estado. “Sua apropriação e seus usos, no entanto, privilegiam a comunicação das instituições públicas que, no modo simplificador, são públicas enquanto democráticas. No entanto, as ações estatais, por exemplo, não necessariamente geram produtos comunicacionais dirigidos ao debate público”.
Período de defeso eleitoral
Desde o dia 2 de julho de 2022, quando o período eleitoral no Brasil foi iniciado, os canais de comunicação de todas as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do país estão condicionados a seguir diretrizes balizadas pela Legislação Eleitoral e por uma série de vedações indicadas pela Secom. As medidas relacionadas ao período de defeso eleitoral se estendem até o dia 2 de outubro, podendo chegar até o dia 30 de outubro em caso de segundo turno.
Diante da atuação desacertada da Secom, todo o Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal (Sicom), inclusive as IFES, estão tendo que modular os conteúdos e se adequar a uma situação que trata o conceito de publicidade institucional de maneira difusa e pouco clara. Devido à generalidade da abordagem, praticamente toda a produção de conteúdo desenvolvida pelos integrantes do Sicom tem interface com as vedações. Várias das medidas preventivas indicadas pela Secom são, no mínimo, uma forma de cerceamento e, em alguma medida, modulam a atuação dos profissionais de comunicação dos órgãos que integram o Sistema.
Algumas das recomendações sobre cuidados e medidas preventivas no período de defeso eleitoral estão alinhadas a uma excepcionalidade que se espera em momentos eleitorais (não utilização de marcas de programas específicos, por exemplo). No entanto, medidas como a suspensão de canais digitais e a criação de mídias sociais “temporárias”, bem como a retirada ou ocultação de conteúdos precedentes ao período de defeso eleitoral, causam estranheza e danos claros aos processos de Comunicação Pública.
A orientação para a retirada, em sites institucionais e redes sociais oficiais, de toda e qualquer “publicidade” sujeita ao controle da legislação eleitoral (filmes, vinhetas, vídeos, anúncios, painéis, banners, posts, marcas, slogans e conteúdos de natureza similar) é praticamente inexequível e descolada de um contexto comunicacional que carece de informações fidedignas e confiáveis.
A indicação de que os profissionais poderão sofrer algum tipo de culpabilização pela permanência de qualquer comentário, mesmo que postado por terceiros, em páginas ou perfis com o nome da instituição, é desrespeitosa e beira a um cenário persecutório aos servidores que atuam nessas áreas.
O cerceamento fortalece a desinformação
A falta de responsabilidade em relação aos ambientes públicos de comunicação tem potencial de transformar as ferramentas institucionais em espaços de desinformação. A ausência de comprometimento democrático e engajamento profissional na gestão desses espaços, que são vitais para o accountability, prejudica a prestação de contas e a promoção de debates fundamentais para a construção da cidadania. O controle social e a fiscalização de ações também ficam comprometidos.
O desenvolvimento de conteúdos, como estes produzidos pelas IFES, por exemplo, adiciona ao debate público uma perspectiva de construção e disseminação do conhecimento produzido nas instituições brasileiras de ensino superior. Esses fatores fortalecem a transferência de informações relevantes e fomentam o seu acesso.
A essencialidade do trabalho realizado por jornalistas e profissionais dos espaços de Comunicação Pública precisa ser preservada de qualquer tipo de restrição mais ampla, uma vez que essa atividade já prevê condutas regulares que devem ser norteadoras permanentes na atuação cotidiana nesses espaços institucionais. Nenhuma dimensão administrativa ou jurídica deveria determinar que as atividades relacionadas à Comunicação Pública deixassem de levar ao cidadão uma informação presente, explicativa e relevante. Esse precisa ser o fundamento das atividades comunicacionais realizadas nesses espaços.
O cerceamento de informações e a interferência no trabalho que é realizado por profissionais de diferentes setores não são benéficos para a sociedade em nenhuma medida. O período eleitoral, mais do que qualquer outro, exige o desenvolvimento e a disseminação de informações de qualidade que potencializem o debate público qualificado.
Referências:
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Comunicação pública e política – pesquisa e práticas / Maria Helena Weber, Marja Pfeifer Coelho e Carlos Locatelli (Organização). Florianópolis: Insular, 2017.