Vacinas contra COVID-19: a desinformação nas redes

Publicado originalmente em Covid-19 DivulgAÇÃO Científica por Catarina Chagas. Para acessar, clique aqui.

Estudo avaliou os cem links sobre vacinas que mais promoveram engajamento nas mídias sociais. Informações verificadas predominaram, mas conteúdos desinformativos tiveram maior potencial de interação e viralização.

“Enfermeira-chefe desmaia ‘ao vivo’ após tomar vacina contra COVID-19”, dizia o título de uma matéria veiculada pelo Extra. O texto, no entanto, esclarecia que o desmaio não havia sido decorrente da vacinação, e sim de uma condição médica que faz a enfermeira desmaiar quando sente dor. O sensacionalismo é uma das faces da desinformação veiculada nas redes sociais em relação às vacinas, segundo estudo do Instituto Nacional de Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) publicado na edição de maio de 2021 da Liinc em Revista.

O trabalho avaliou os cem links brasileiros sobre vacinas que promoveram maior engajamento nas mídias sociais ao longo de 2020. Ao comparar os resultados com aqueles encontrados em um estudo prévio, realizado em 2018 e 2019, os autores Luisa Massarani, Tatiane Leal, Igor Waltz e Amanda Medeiros concluíram que o debate virtual sobre vacinas mantém atualmente algumas características do período anterior, mas apresenta diferenças. Uma das principais é a forma como a desinformação se apresenta no contexto da pandemia de COVID-19.

A circulação, em larga escala e curto período de tempo, de informações sobre a doença, incluindo não apenas o material divulgado por fontes oficiais e veículos de comunicação tradicionais, mas também boatos, informações incorretas e notícias falsas, compartilhados exaustivamente nas redes sociais, compõe o que a Organização Mundial da Saúde chamou de infodemia. O grande volume de informações que circula pode confundir os cidadãos e, consequentemente, impactar sua adesão a medidas preventivas, como a vacinação.

Nos estudos realizados em 2018-2019 e 2020, a equipe do INCT-CPCT analisou os cem links sobre vacina que, em cada período, mais promoveram engajamento, na forma de curtidas, compartilhamentos e comentários, nas redes Facebook, Twitter, Pinterest e Reddit.  Em 2018-2019, a desinformação – informações falsas, distorcidas ou manipuladas, de modo intencional ou não – foi identificada em 13,5% da amostra. Em 2020, o índice foi semelhante, 13,8%.

Mas houve diferenças entre os dois períodos. Por exemplo, os links de 2020 geraram, em média, engajamento 8,6 vezes maior do que os links do período anterior. Esse crescimento foi mais significativo entre os links que continham desinformação: sua média foi de 412.223 engajamentos por link, contra 338.019 dos links de conteúdo verificado.

Desinformação e COVID-19

Como esperado, os imunizantes contra a infecção pelo novo coronavírus foram o tema predominante na amostra de 2020, representando 91,5% dos links – apareceram também textos sobre vacinas contra câncer, Alzheimer e HIV.

A grande maioria (96,8%) dos links apresentava conteúdo pró-vacina, um índice ainda maior do que aquele encontrado no período anterior (86,7%). Nos links da amostra de 2020, foram citadas dez vacinas contra a COVID-19. As que apareceram com maior frequência foram a Oxford/Astrazeneca (20,2%) e a Coronavac (18,1%), ambas atualmente produzidas no Brasil em parceria com instituições nacionais – Fiocruz e Instituto Butantan, respectivamente. Curiosamente, nos links desinformativos, a vacina mais citada foi a Coronavac (23,1%), seguida da russa Sputnik V (15,4%). “Esses dados apontam para  uma  correlação  entre  vieses  políticos  e  a  circulação  de  desinformação  sobre  a COVID-19”, dizem os autores.

O embate polarizado acerca da vacinação já aparecia na amostra de 2018-2019. Porém, na visão dos autores, a pandemia reforçou a associação entre as vacinas e a atuação de agentes políticos. Um caso de destaque foram as matérias com falas do presidente Jair Bolsonaro contra a vacina Coronavac. “Observamos que as dúvidas em relação à segurança e à eficácia desse imunizante não se apoiam em evidências científicas, e sim em questões políticas relacionadas a uma suposta falta de confiança na China”, diz o artigo.

Sensacionalismo e desinformação

Nos dois períodos estudados, predominaram links provenientes de emissores profissionais sobre os não profissionais, o que remete à força e à estrutura consolidada dessas fontes de informação. Em 2020, a amostra incluiu links de 41 veículos de comunicação, sendo 24 veículos profissionais (19 veículos jornalísticos, quatro sites de variedades e um site institucional) e 17 projetos individuais de comunicadores não profissionais. Entre os profissionais, os de maior relevância foram os portais UOL e G1.

Mas, se em 2018-2019, os veículos não profissionais eram os maiores responsáveis pela circulação de desinformação (83,3% dos links com desinformação eram atribuídos a eles), em 2020 o cenário se inverteu: os veículos profissionais tornaram-se os principais responsáveis pela desinformação, com 61,6% dos casos.

Outra mudança importante é que, em 2020, 84,6% dos links com desinformação apresentaram conexões falsas (na definição dos autores, “casos  em  que  títulos trazem  informações diferentes do restante do conteúdo, construídos muitas vezes de maneira sensacionalista”); enquanto 15,4% trouxeram conteúdo fabricado (informações totalmente falsas). No período anterior, os conteúdos fabricados haviam sido mais relevantes, correspondendo a 66,7% da amostra.

Para os autores, a veiculação de desinformação por veículos de comunicação profissionais está diretamente ligada ao funcionamento das mídias sociais: “A lógica econômica das redes, ancorada em métricas de engajamento, atravessa a produção de conteúdos e favorece o aparecimento de manchetes caça-clique”, argumentam, lembrando que, muitas vezes, o link é curtido, comentado e compartilhado apenas com o que se lê no título da matéria, sem que os usuários sequer cheguem a acessar o conteúdo completo.

“Quando a prática de consumo e recirculação das informações se apoia frequentemente em uma leitura   restrita   ao   título,   conteúdos   emitidos   por   veículos   confiáveis   e   bem intencionados  a  veicular  informações  amparadas  em  evidências  científicas  podem, ainda assim, promover a desinformação, seja por manchetes sensacionalistas, seja pela mera veiculação de declarações de agentes políticos que questionem a segurança ou a eficácia das vacinas”, conclui o artigo. 

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