Unindo forças para resistir aos ataques à democracia

Por Ana Regina Rêgo.

Artigo também disponível em Portal Acesse Piauí e Jornal O Dia

Que mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação…

Hannah Arendt

Os caminhos percorridos pela história carregam momentos complicados para as sociedades. A história da humanidade é também e talvez, principalmente, uma história de exclusão, de dominação, quando não, de derramamento de sangue, mas o ser humano pouco aprende com o lastro historiográfico. Normalmente tem preponderado uma inconsciência histórica, uma não visualização do outro como igual, e, de fato, a história tem construído personagens monstruosos. Visões de mundo distintas, construções discursivas e narrativas de valores e crenças que fazem com que alguns deuses sejam superiores a outros, ganância desmedida e outros aspectos, carregam a potencialidade do mal, como uma força motriz destruidora. 

Vivemos novos tempos sombrios. Tempos de destruição de direitos. Tempos de negação do outro. Tempos de intolerância política e religiosa. Tempos de violência. Tempos de feminicídios. Tempos de dominação da mente e de controle dos corpos. Tempos de combate à ciência. Tempos contínuos de ataques à democracia. Mas também tempos de resistência.

Pensar a democracia enquanto conceito implica ir além da igualdade perante à lei, da liberdade de imprensa, da justiça e de eleições universais. Uma democracia deve ter um horizonte de expectativas comum a uma sociedade. É necessário, portanto, perceber que a democracia enquanto sistema de governo e do ponto de vista histórico carrega em sua tradição, a inclusão permanente de mais e mais sujeitos, antes à margem da sociedade, no conjunto de direitos sociais, educacionais, culturais etc. A democracia é, portanto, o prenúncio de emancipação e logo, deve ser mais que o anúncio de uma sociedade de iguais, mas deve proporcionar os meios para a liberdade de que nos fala Amartya Sen, quando para além de seu modelo ocidental, a democracia comporta o desenvolvimento humano.

Teoricamente, a democracia liberal deveria congregar a satisfação da vontade popular estruturada pelo Estado de Direito, todavia, muitas vezes, um governo parece ir contra não só a vontade popular, mas contra os direitos individuais e coletivos. Aquilo que deveria ser proteção se transforma em opressão e limitador da vida em sociedade. Quando isso acontece, a democracia, embora mantenha as características macro definidas, não mais atende aos seus propósitos universais.

Como bem nos alerta Sen, características como o voto secreto e universal, embora não sejam as únicas características, também são importantes para a instauração e sucesso de uma democracia, assim como, para expressão pública em um contexto social. Para este pensador indiano e professor de Harvard, o sucesso de uma eleição ( e este é o contexto em que nos encontramos) depende do contexto que a acompanha, como o nível de liberdade de expressão de uma sociedade, o acesso que esta sociedade possui a informação de qualidade e a liberdade de pensamento e discordância.

Entretanto, os problemas não se restringem à pressão política em volta dos eleitores, mas também envolve censura, silenciamento de informações primordiais, manipulação midiática, e na atualidade aquilo que denominamos de mercado da construção intencional da ignorância a partir das informações falsas produzidas e colocadas em circulação com grande velocidade nas redes sociais. Nas palavras de Sen, “na verdade, um grande número de ditadores no mundo tem conseguido gigantescas vitórias eleitorais, mesmo sem coerção evidente sobre o processo de votação, principalmente suprimindo a discussão pública e a liberdade de informação, e gerando um clima de apreensão e ansiedade”. 

Um sistema democrático liberal legítimo deveria estruturar suas instituições e torná-las sólidas com vistas a garantir os direitos do cidadão em todas as esferas, garantindo igualdade de direitos e oportunidades para todos os participantes de uma nação. 

Em última instância, vale lembrar que uma democracia possui uma ampla estruturação institucional que se destina a manutenção e estabilidade do sistema e que circunda a estruturação dos poderes. Desse modo, uma democracia liberal necessita que todas as instituições funcionem muito bem e que os princípios democráticos e liberais estejam afinados entre si.  

Entretanto, embora teoricamente as democracias liberais possuam inúmeros meios e instituições de controle e de manutenção do sistema, os líderes populistas podem se apropriar do próprio aparato democrático para dissolver as bases da democracia, transfigurando o regime político a partir da transformação dos direitos em não direitos, nesse sentido, como bem nos alerta Boaventura de Sousa Santos, as democracias também morrem democraticamente, se não estivermos alertas e resistentes. 

Vale lembrar que segundo o ranking da The Economist Intelligence Unit de 2021, o Brasil hoje se encontra na 49ª posição entre as democracias imperfeitas, bem distante de se tornar uma democracia plena. O ranking tem como base 60 indicadores agrupados em cinco categorias, a saber: liberdades civis; funcionamento do governo; participação política; cultura política e, por fim, processo eleitoral e pluralismo. 

Neste cenário, desde ontem (18), o Supremo Tribunal Federal está realizando  o evento de lançamento do Programa de Combate à Desinformação no âmbito do STF. A iniciativa visa congregar forças democráticas para minimizar os efeitos de uma grande produção de desinformação que ataca os poderes constituídos e com grande ênfase, neste momento pré-eleitoral, o STF e  o TSE, com vistas à dissolução de suas reputações, colocando em risco à nossa democracia imperfeita.

A Rede Nacional de Combate à Desinformação (https://rncd.org/) faz parte da iniciativa e dela participa com mais seis parceiros, a saber: – Instituto Palavra Aberta e Educamídia, Instituto Devir Educom, Lupa Educação, ABPEducom, Instituto Iandé Comunicação e Educação e o Curso VazaFalsiane, todos com o intuito de contribuir com educação e letramento midiático e educação para a comunicação, objetivando plantar sementes neste momento que possam ser contributivas para um presente e um futuro mais conscientes para a nossa sociedade. 

O evento pode ser acompanhado pelo Canal do STF no YouTube: youtube.com/stf

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