UFPA é centro âncora do projeto genomas sus na região norte

Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.

Por André Furtado |Foto: Tara Winstead (Pexels)

Se eu te perguntasse “o que é vida?”, o que me responderias? As respostas podem ser inúmeras e, dependendo do que você faça, o significado varia: um linguista, por exemplo, pode dizer que “vida” é um substantivo feminino; um cristão pode afirmar que é um dom divino; um químico defenderia que é um conjunto de moléculas. São inúmeras as definições que essa única palavra pode possuir, mas aqui adotaremos o significado biológico, ou seja, um conjunto de características que mantém os seres em constante atividade.

Quando se fala de vida, biologia e suas características, esbarramos na genética, importante área das Ciências Biológicas que estuda os genes e a hereditariedade, isto é, como as informações de um organismo são repassadas para os seus descendentes. Esse conjunto de informações genéticas é armazenado de forma sequencial na molécula de DNA e recebe o nome de genoma ou “livro da vida”, como gostam de chamar os especialistas. E é por meio dele que a ciência é capaz de conhecer os processos que ocorrem em determinada espécie, incluindo as doenças que podem acometer em uma população específica.

Dessa forma, visando a caracterização dos aspectos genômicos que impactam o processo  saúde-doença na população brasileira, foi criada pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT), uma rede de instituições públicas para desenvolver um banco de dados para o sequenciamento genético de 21 mil brasileiros, denominado Projeto Genomas SUS. A iniciativa surgiu da necessidade de conhecer as bases genômicas da população brasileira que incidem no diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças. O projeto conta com oito Centros Âncoras (CA) de pesquisa espalhados pelas cinco regiões do país – Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

O Centro Âncora da região Norte está sediado na Universidade Federal do Pará (UFPA), nas dependências do Laboratório de Genética Médica e Humana (LGHM), sob a liderança da pesquisadora Ândrea Kely Campos Ribeiro dos Santos. Com formação em Biomedicina e doutorado em Genética, ela é professora da UFPA e, atualmente, coordena o Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM). “O Genomas SUS é um projeto nacional que visa sequenciar o genoma de várias doenças/fenótipos que estão relacionadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e também de algumas populações que não estão representadas ou estão sub-representadas, do ponto de vista genético, para o entendimento do mecanismo doença-saúde. A genômica é uma chave muito importante no processo de prevenção e melhor tratamento. Atualmente, a área da saúde ainda trabalha com o tratar, quando a doença já está instalada, e a genômica pode nos auxiliar a modificar esse olhar para prevenir o adoecimento”, explica Santos.

Rede acadêmica é formada por instituições públicas

O Genomas SUS é uma rede acadêmica que surge com a iniciativa de professores de universidades públicas que trabalham com genômica de doenças. O projeto  propõe uma colaboração entre instituições brasileiras para reunir dados acerca das enfermidades presentes em populações nas várias regiões brasileiras e compartilhar essas informações genômicas e fenotípicas com o Programa Genomas Brasil. 

“Nós [professores/pesquisadores] nos reunimos e propusemos para o SUS fazer, ao invés de projetos pontuais, uma rede de colaboração entre as instituições públicas para a identificação de marcadores biológicos raros e comuns relacionados a diversos fenótipos e doenças oncológicas, cardiovasculares, neurológicas, infecciosas, autoimunes, endócrino-metabólicas, hematológicas, doenças raras e farmacogenômicas. O conhecimento gerado irá ajudar o SUS na identificação de variantes genéticas para diagnóstico e tratamento, melhorando o cuidado dos pacientes na saúde pública. Para alcançar esses objetivos, nós temos representadas as cinco regiões do Brasil, cada uma com pelo menos um Centro Âncora”, explica a pesquisadora.

O Centro Âncora (CA) é o ambiente equipado e responsável por mapear o genoma de determinada doença ou população presente em um dos espaços geográficos brasileiros, configurando-se como um apoio para o Sistema Único de Saúde na realização de pesquisas e investigações de grupos de doenças. “A ideia, no futuro, é transferir [esses dados] para que o próprio governo consiga transformar as informações em mecanismos de prevenção e de tratamentos efetivos”, ressalta.

Essa é uma maneira de fazer com que os medicamentos disponibilizados pelo programa de saúde do Governo Federal tenham ação efetiva no organismo, visto que alguns são liberados pela legislação sem um estudo prévio na população e, consequentemente, acabam apresentando efeitos inapropriados ao esperado nos indivíduos. “Temos alguns marcadores biológicos dentro do nosso genoma que metabolizam ou não determinadas drogas/medicamentos. Então, não adianta tomar determinado medicamento se seu organismo não metabolizar, ou seja, a medicação ficará parada em determinados órgãos, levando ao acúmulo e a efeitos tóxicos. Por outro lado, alguns [medicamentos] você metaboliza rápido e não fazem efeito algum. A maioria das drogas utilizadas no Brasil foram estudadas na Europa e nos Estados Unidos, mas sem um estudo prévio na população brasileira. Então, com esse projeto, o SUS está priorizando entender quais são os marcadores biológicos das populações que se diferenciam no tratamento conforme a região do Brasil”, completa a professora Ândrea Ribeiro dos Santos.

Previsão é de sequenciamento de 21 mil genomas em 2024

O projeto foi pensado para ter uma duração de três a quatro anos. Os pesquisadores que integram a rede de colaboração pretendem entregar o sequenciamento de 21.000 genomas de brasileiros ainda em 2024. Além das populações, os eixos a serem investigados são: processos de envelhecimento, câncer, doenças neurodegenerativas, doenças cardiovasculares, doenças endócrinas, entre outros. A equipe que integra o projeto na UFPA é formada por profissionais capacitados no ramo da genômica.

“Nós precisamos estudar as populações que miscigenaram para formar a nossa região. Cada população indígena possui um conjunto de marcadores específicos, então, por exemplo, podem existir marcadores biológicos que só tenham ali naquela comunidade e vão estar representados somente na região Norte. Se não identificarmos esse marcador ou marcadores específicos, pode ser que, quando esses indivíduos necessitarem de tratamento para uma dada doença, continuarão a usar o medicamento/remédio que terá o efeito inapropriado para aquela pessoa. Eu não posso usar um estudo realizado fora do país para dizer que um medicamento é efetivo para a região amazônica, por exemplo”, ressalta Ândrea Ribeiro dos Santos.

Para fazer o genoma, será coletado o material biológico (sangue) das pessoas que aceitarem participar e colaborar com o estudo; em seguida, serão feitas a extração e a construção das bibliotecas de DNA de forma automática, em laboratório, para iniciar o processo de sequenciamento; após essas etapas, as informações genômicas obtidas serão reunidas em um banco de dados que, inicialmente, terá caráter regional (com sequenciamento do genoma local) e, posteriormente, com as informações dos outros territórios, passará a ser nacional, formando, assim, o genoma da população brasileira.

Os resultados a serem apresentados pelo projeto auxiliarão diversas áreas do Sistema Único de Saúde, como: identificação e tratamento de doenças raras; prevenção contra enfermidades e formação de recursos humanos. “O Centro Âncora da Amazônia dará suporte e possibilidade de referência para a investigação de casos complexos e facilitará a aplicação dos produtos identificados e desenvolvidos, após validação, no paciente que tá ali no leito. A saúde do futuro é assim: a saúde não é tratar, não é deixar surgir a doença, é prevenir, evitar ou diminuir o impacto de uma doença”, afirma a pesquisadora.

Na região Norte, a estimativa é de que, nesse primeiro ano de execução do estudo, seja coletado o material genético de 5.000 pessoas, visando mapear o genoma de enfermidades como hanseníase, malária, doença de chagas e outras que atingem, sobretudo, a população amazônica. Sediar um projeto dessa magnitude é um grande desafio e uma enorme realização para a professora Ândrea dos Santos, que, por décadas, dedica-se ao estudo da genética humana e médica.

Sobre a pesquisa: O projeto Genomas SUS é uma rede de colaboração acadêmica que integra o Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão (Genomas Brasil). Na Universidade Federal do Pará, ele é liderado pela professora Ândrea Ribeiro dos Santos, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFPA). O projeto é uma iniciativa do Ministério da Saúde por meio do seu Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit)

Beira do Rio edição 171

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