Publicado originalmente em Agência Lupa por Evelyn Fagundes. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes sociais uma mensagem afirmando que o presidente dos Estados Unidos Donald Trump pode conceder ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) imunidade diplomática irrestrita, o título de cidadão americano e ainda nomeá-lo como embaixador no Brasil. É falso.
Por WhatsApp, leitores sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:

Bomba!!!
Loirão vai decretar Jair Messias Bolsonaro cidadão americano e nomear ele embaixador dos Estados Unidos no Brasil, dando imunidade diplomática total, ampla e irrestrita…
– Mensagem que circula nas redes sociais
Falso
Ao contrário do que afirmam as publicações, Donald Trump não tem autoridade para nomear o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como cidadão americano, embaixador dos Estados Unidos no Brasil ou conceder imunidade diplomática “total, ampla e irrestrita”. Cada uma dessas ações depende de processos legais específicos que não estão sob a decisão exclusiva do presidente dos Estados Unidos.
Em entrevista à Lupa, Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Internacional e Empresarial, afirmou que todos os cenários citados no post “enfrentariam barreiras legais significativas e, em muitos casos, são incompatíveis com as leis americanas e os tratados internacionais em vigor”. O mestre em Direito pela Universiteit Leiden e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), acrescentou que “o post citado é equivocado, tanto do ponto de vista jurídico quanto prático”.
Cidadania americana
O processo para se tornar cidadão americano envolve várias etapas e exige o cumprimento de critérios estabelecidos pela legislação dos Estados Unidos. De acordo com a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, “uma pessoa pode se tornar cidadão americano através de diversos meios – nascimento nos Estados Unidos, nascimento no exterior de um pai/mãe cidadão americano ou através do processo de naturalização. Para todos esses processos, uma série específica de requisitos legais deve ser atendida”.
Godke explica que os EUA possuem um processo de concessão de cidadania bem definido.“Ele poderia começar com a obtenção da residência permanente (Green Card). Após cinco anos como residente permanente, o indivíduo pode solicitar a naturalização. Não há previsão legal para a concessão direta de cidadania americana sem passar por essas etapas”, disse.
Em entrevista à Lupa, Acacio Miranda, doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, destacou que, ainda assim, ser cidadão americano é diferente de ter Green Card.
“A obtenção do Green Card é mais fácil. A cidadania é muito mais complexa, depende do preenchimento de uma série de requisitos estabelecidos pela lei. Não é possível ao Trump superar esses critérios porque são requisitos legais e a análise não se dá pelo presidente que não pode simplesmente apontar o dedo para alguém e dizer ‘você será cidadão norte-americano”, disse o mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada.
Godke diz que o presidente poderia emitir uma “ordem executiva” solicitando que Bolsonaro se tornasse cidadão americano. Contudo, segundo o especialista,“ordens executivas são limitadas e podem ser contestadas judicialmente”.
Outra possibilidade seria a alteração das leis de imigração, mas isso exigiria aprovação da Câmara dos Representantes e do Senado. “Um processo demorado e incerto. Além disso, a fila para naturalização nos EUA é longa, e um eventual “furo na fila” para Bolsonaro enfrentaria questionamentos legais e éticos”, conclui o especialista em Direito Internacional e Empresarial.
Nomeação como embaixador
Segundo a legislação dos Estados Unidos, o presidente do país pode indicar quem ocupará o cargo de embaixador para representar seu país. Vale destacar que, conforme afirma o Ministério das Relações Exteriores, o embaixador é o título conferido ao “Chefe de uma Missão Diplomática – Embaixadas e Representações junto a Organismos Internacionais –, pertença ele ou não à carreira diplomática”, afirma o MRE.
Para Marcelo Godke, no entanto, mesmo que o presidente dos EUA tenha a prerrogativa de indicar qualquer pessoa, existem barreiras práticas e legais. Acacio Miranda destaca que existe uma análise rigorosa por parte do senado americano para verificar se a indicação atende aos critérios legais.
“O presidente indica, mas é necessário que isso seja aprovado pelo Senado, que vai determinar se esses requisitos foram preenchidos ou não. Ainda assim, depois de tudo isso, o Brasil ainda poderia vetar determinado embaixador”, diz o especialista Acacio Miranda.
“O governo brasileiro poderia rejeitar sua nomeação com base na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. O país anfitrião tem o direito de recusar qualquer diplomata indicado, independentemente de sua posição ou nacionalidade”, destacou Godke.
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas é um tratado internacional das Nações Unidas que dispõe sobre o estabelecimento de acordos acerca de condições, privilégios e imunidades diplomáticas entre os países. O documento, acordado em 1961 e aprovado no Brasil em 1968, tem o objetivo de desenvolver “relações amistosas entre as nações, independentemente da diversidade dos seus regimes constitucionais e sociais”. O termo tem relação, inclusive, com a impossibilidade de Bolsonaro receber “imunidade diplomática total, ampla e irrestrita” por parte dos EUA.
Imunidade diplomática “total, ampla e irrestrita”
A imunidade diplomática é regulamentada pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Segundo a Convenção, os diplomatas têm a proteção contra a jurisdição dos tribunais do país anfitrião, assegurando que possam exercer suas funções sem a interferência das leis locais. Esse privilégio abrange a isenção de processos civis e criminais, além de garantir sua proteção contra prisão ou detenção. Ou seja, a imunidade diplomática não depende apenas da vontade de um presidente.
No entanto, conforme afirma Godke, essa proteção concedida a embaixadores não é irrestrita, ao contrário do que indica o post desinformativo. “A imunidade diplomática tem limites. Mesmo em cargos diplomáticos, Bolsonaro poderia ser declarado ‘persona non grata’ pelo governo brasileiro, o que obrigaria sua saída do país e anularia os efeitos práticos da imunidade”, pontuou o especialista.
Segundo Miranda, essa imunidade ainda segue a legislação do país. “A imunidade diplomática não permite que alguém saia por aí matando os outros à torto e a direita. Ele vai ser julgado por isso e ele vai ser responsabilizado. Ele vai ser julgado pelo seu país”, disse o especialista.