Três lições dos Jogos Olímpicos para a equidade de gênero no jornalismo

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Luiza Mylena Costa Silva
Doutoranda do PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS

Com o fim dos Jogos Olímpicos Paris 2024, podemos ver alguns resultados das mudanças realizadas para promover a paridade de gênero e refletir sobre como as instituições jornalísticas podem se inspirar nas iniciativas do Comitê Olímpico Internacional (COI) para promover a igualdade em suas próprias estruturas.

O movimento olímpico, com sua visibilidade e compromisso com a equidade, oferece lições que podem ser adaptadas ao contexto do jornalismo. Reuni três aspectos que se destacaram durante as transmissões do evento.

Paridade de participantes

A busca por aumentar a participação feminina está em prática desde a Rio 2016, mas só agora, duas edições depois, é que finalmente há um número igual de atletas homens e mulheres. Esse marco é um reflexo do esforço contínuo do COI para garantir condições equitativas de competição, reconhecendo a importância da representatividade feminina no esporte.

O saldo da presença feminina nos Jogos de Paris refletiu em números expressivos, não só para a campanha brasileira, mas globalmente. Entre os maiores medalhistas da edição, as mulheres se destacaram, com 12 das 15 maiores medalhistas sendo do sexo feminino.

Para o Brasil, os três ouros conquistados por mulheres negras e periféricas trouxeram à tona discussões sobre as possibilidades que as mulheres podem alcançar quando lhes são dadas condições equânimes.

Mais do que simplesmente adotar “cotas”, a promoção da paridade de participantes é um reconhecimento do talento e do esforço das atletas.

Para as instituições jornalísticas, fica o aprendizado de que a paridade de profissionais é um trabalho ostensivo, que começou em 2014, com o lançamento do “Gender Equality Review Project”, agenda em que o COI se comprometia com mudanças orientadas à equidade de gênero.

A exemplo do COI, é necessário que as instituições jornalísticas se alinhem com as demandas da sociedade e com as entidades que as circundam, como faculdades de jornalismo, sindicatos e patrocinadores.

O desequilíbrio entre homens e mulheres no jornalismo foi evidente durante os Jogos, com inúmeros relatos de objetificação das atletas e comentários machistas na cobertura. Embora a paridade de gênero entre jornalistas não garanta a eliminação de tais comportamentos, certamente reduziria a frequência destes incidentes, ao diversificar as vozes que narram os eventos.

Apoio às mães

Outro ato inédito do COI foi a implementação de um programa de apoio às mães atletas. Clarisse Agbegnenou, tornou-se símbolo dessa mudança ao reivindicar o direito de amamentar sua filha durante os Jogos. A medida mostrou-se necessária e eficaz: Agbegnenou conquistou uma medalha de bronze, celebrando o feito com sua filha nos braços.

Além do direito de se alojar com os filhos em um hotel próximo à vila olímpica, as mães também puderam contar com um espaço dedicado às crianças durante os treinos e competições. A inclusão da maternidade como parte intrínseca da vida das atletas foi fundamental para que muitas delas pudessem participar dos Jogos em condições de igualdade.

No jornalismo, a lição é clara: para promover a equidade de gênero, é essencial que as empresas considerem as necessidades específicas das profissionais, como a maternidade. Criar condições que permitam a jornalistas mães conciliar o trabalho com a criação dos filhos não é um favor, mas uma necessidade para garantir que essas mulheres possam se manter e prosperar em suas carreiras.

Visibilidade feminina

Durante 16 dias, os olhos do mundo estavam voltados para as transmissões das competições, e a organização dos Jogos priorizou os horários nobres para as competições femininas. Outro movimento, em curso desde 2016, foi o esforço para promover competições mistas, como no judô, onde homens e mulheres competiram juntos, resultando em uma medalha de bronze para o Brasil.

A promoção da visibilidade feminina não se restringiu às competições. O nome de mulheres foi incluído em instalações esportivas, uma figura feminina foi usada no emblema do evento, e a narrativa dos Jogos foi moldada para destacar a importância da igualdade de gênero, desde a cerimônia de abertura até o encerramento.

A visibilidade, pilar fundamental dos movimentos de minorias, deve ser considerado também pelas instituições jornalísticas, que muitas vezes negligenciam a visibilidade das mulheres nas produções jornalísticas. Seja ancorando um telejornal, liderando um programa jornalístico ou produzindo grandes reportagens, a visibilidade feminina é quase sempre uma exceção e não a regra.

Ponderações necessárias

Apesar do avanço, é importante reconhecer que ainda há desafios a serem superados. O aparato midiático que destacou a equidade de gênero nos Jogos é, em parte, uma resposta à pressão social e ao interesse comercial. A paridade de gênero foi alcançada entre os atletas, mas ainda há uma disparidade significativa entre os treinadores e a comissão técnica, que permanecem majoritariamente masculinos. Além disso, a cobertura jornalística dos Jogos ainda foi marcada por um viés machista.

Para o campo jornalístico, as lições dos Jogos Olímpicos demonstram que mudanças estruturais são realizadas em etapas, exigem planejamento e precisam considerar as particularidades de gênero. Essas mudanças também devem envolver aspectos culturais que desafiem preconceitos arraigados, tanto dentro das organizações quanto na sociedade em geral.

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