Publicado originalmente em *Desinformante por Ana D’ângelo. Para acessar, clique aqui.
As eleições ao Parlamento Europeu, no último final de semana, mostraram conquistas recordes dos partidos de extrema-direita na região. A influência de líderes jovens carismáticos, como o presidente do Reagrupamento Nacional (RN) na França, Jordan Bardella, uso intensivo do TikTok, discurso anti-imigração, muitas vezes regado à desinformação, fermentaram o caldo desta guinada à direita da União Europeia.
“Esta eleição europeia foi a primeira em que a imigração realmente foi um dos principais temas em termos de desinformação. Nós temos comparado este pleito com os anteriores e isso é muito evidente nos dados”, afirma José Moreno, pesquisador do MediaLab ISCTE, laboratório português que analisa conteúdos partilhados nas redes sociais com foco em desinformação.
Anteriormente, segundo Moreno, o tema da corrupção disputava de igual como matéria-prima das estratégias desinformativas nas redes sociais, especialmente em Portugal. Por outro lado, a extrema-direita não estava tão proeminente à época.
O partido português CHEGA e o seu presidente André Ventura foram identificados pela rede EDMO (European Digital Media Observatory) como os principais atores de narrativas desinformativas nestas eleições parlamentares e a pauta da imigração tem sido uma preferência temática.
Ventura e o partido compartilharam em seus perfis, durante a campanha das eleições europeias, um vídeo descontextualizado de um clérigo sírio destruindo uma estátua de Virgem Maria, um conteúdo de 2013, que, quatro dias antes, havia sido partilhado pela página Radio Genova, da Itália e depois pelo influencer extremista brasileiro Allan dos Santos. Uma sincronia considerada significativa para desvendar a articulação da extrema direita global, segundo o pesquisador português.
Noutra ocasião, o partido CHEGA publicou, nas suas vária redes sociais, um cartaz com uma mulher portuguesa ao lado de uma mulher com burca, reclamando da alegada islamização da Europa e de Portugal. O cartaz, curiosamente, foi publicado pelo partido direitista espanhol VOX, no mesmo dia.
E com uma das legislações sobre plataformas digitais mais avançadas do mundo, como a Lei de Serviços Digitais, por que a União Europeia não conseguiu combater a desinformação durante as eleições?
Para o pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Políticas da Sciences Po Paris e pós-doutorando na Universidade do Minho (Portugal), Thomás Zicman de Barros, o Digital Services Act (DSA) não tem sido suficiente, mas há outros fatores que favorecem a disseminação da desinformação no bloco, como a aquisição de grupos de mídia tradicionais pela extrema direita, fortalecendo o ecossistema de comunicação política, além do cenário de insatisfação dos eleitores, criando um terreno fértil para as fake news. “A extrema direita consegue surfar neste terreno de insatisfação, da precarização do trabalho, em que a desinformação passa a ter um apelo. As pessoas não só recebem a desinformação, como aderem a ela”, afirma Barros.
Liderança jovem na França e o uso do TikTok
Alguns elementos explicam a relação bem-sucedida entre extrema direita e jovens na Europa. Na França, a liderança Marine Le Pen colocou como líder do partido Reagrupamento Nacional, Jordan Bardella, um jovem de 28 anos que tem mais seguidores e engajamento no TikTok do que todos os outros chefes de campanha nesta última eleição, segundo Thomás Zicman de Barros.
Com esta capacidade de instrumentalizar as redes sociais, Bardella tem 1,2 milhão de seguidores no TikTok e o apelido de “Senhor Selfie”. Sua plataforma é claramente anti-imigração e pela redução de regras ambientais no bloco europeu. Repete insistentemente frases como “A França está desaparecendo” ou “A nossa civilização morrerá, submersa por migrantes que terão mudado nossos costumes e nossa cultura de forma irreversível.”
“Vivemos uma época em que a característica da transgressão está presente na extrema direita, com forte apelo entre os jovens, que querem uma ruptura, e as mídias sociais digitais são a força de comunicação para este cenário”, analisa Barros.
A plataforma de vídeos chinesa tem cerca de 142 milhões de usuários na UE, predominantemente jovens europeus. E a eleição para o Parlamento este ano teve o contexto da diminuição da idade mínima para votação em países como Alemanha, Malta, Áustria e Bélgica, com a inclusão dos jovens de 16 anos, e Grécia, com a redução da idade para votar aos 17 anos.
Em Portugal o fenômeno TikTok começou a ser relevante nas últimas duas eleições e os partidos de extrema-direita tiveram em geral melhor desempenho digital do que os restantes, segundo o pesquisador José Moreno, porque sabem tirar proveito das potencialidades das redes sociais e .– sobretudo – o seu discurso emocional e vocal cai melhor no modo de funcionamento dos algoritmos.
Numa pesquisa em que o MediaLab ISCTE participou, envolvendo dez países europeus, os políticos e partidos de extrema-direita tiveram melhor desempenho nas redes sociais do que os outros partidos. O pesquisador alerta que nas eleições analisadas pelo laboratório, a desinformação ganha tração nas plataformas quando é publicada em perfis de políticos e partidos.
“Esse fenômeno parece-nos muito importante porque coloca a responsabilidade pelo impacto da desinformação nos agentes políticos que a amplificam, isso foi muito evidente nas eleições para o parlamento em Portugal, em março deste ano”.
Veja os principais marcos da extrema direita na eleição para o Parlamento Europeu
- Na França, a ultradireita saiu vitoriosa com a eleição de 30 nomes do grupo Identidade e Democracia. É a maior bancada conquistada pela coalizão de ultradireita em todos os países cujos resultados preliminares foram divulgados, o que provocou a dissolução da Assembleia Nacional da França pelo presidente Macron.
- Já a Itália viu o partido ultradireitista Irmãos da Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, conquistar a maior bancada com 24 assentos para o Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, o maior número de eleitos para a coalizão em um único país.
- Na Alemanha, a legenda de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AFD) vai ocupar 15 cadeiras no parlamento de forma independente. E a Polônia também consolidou o avanço da direita. ECR e PPE empataram com 20 deputados cada.