Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Publicidade | Estudo com foco em alunos de Medicina aponta que, ao adotar o termo “valorização da vida” em detrimento da palavra “suicídio”, campanhas silenciam esse fenômeno social
*Foto: No Brasil, o Setembro Amarelo é a maior campanha de prevenção ao suicídio e tem como símbolo o laço amarelo (Crédito: Freepik)
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A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipulou em estudo que cerca de 700 mil pessoas morrem por suicídio por ano em todo o mundo. Entre homens, a taxa de suicídio é o dobro se comparada à de mulheres. Por outro lado, as tentativas de suicídio entre mulheres representam o dobro ou o quádruplo em comparação às de homens. Na publicação Preventing Suicide, a OMS descartou relações entre a presença de distúrbios mentais e a ideação suicida, o que reforça a noção de que esse fenômeno social (e de saúde pública) não se trata de causa e efeito e é mais complexo do que pode parecer. Ainda de acordo com a instituição, diferente do que ocorre no restante do mundo, os índices de suicídio nas Américas só crescem.
Dentre as formas de combater os estigmas sociais em torno do suicídio, no sentido de prevenir a sua incidência, a conscientização, as campanhas de prevenção possuem significativo alcance entre as populações brasileiras. O Setembro Amarelo, por exemplo, cujo início se deu em 2014 por meio de uma parceria entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização da Vida (CVV), é a maior campanha de prevenção ao suicídio do Brasil. A eficácia dessas campanhas em seu propósito de conscientizar e influenciar na mudança de comportamento, no entanto, depende da forma como são conduzidas e se estão se dirigindo com clareza ao público que desejam atingir. Mas esse não é o maior dos desafios: falar sobre suicídio, fazendo uso do termo em si, ainda é um problema para a sociedade brasileira, e é por esse motivo que a expressão “valorização à vida” é mais comumente utilizada nas campanhas.
“A expressão não está errada, mas a gente silencia o que é o suicídio”, diz o jornalista Rômulo Oliveira Tondo, autor da tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFRGS que analisa a recepção de campanhas de prevenção ao suicídio entre jovens universitários do estado, com enfoque em estudantes de Medicina, visando compreender a produção de sentido das campanhas do Setembro Amarelo. A pesquisa mapeou campanhas de prevenção ao suicídio realizadas no mês de setembro de 2020 e 2021 em 23 instituições diferentes, em escala mundial, nacional, regional, local e nas universidades públicas federais do estado (UFRGS, UFCSPA, Unipampa, UFSM, UFPel e FURG). Segundo Rômulo, falar sobre morte já é um tabu na sociedade brasileira: “o suicídio extrapola isso”.
Delimitando o objeto
A escolha dos alunos do curso de Medicina como enquadramento para a análise da produção de sentido das campanhas se deu devido ao aumento significativo de adoecimento mental nesse grupo universitário. Das universidades inseridas no estudo, a UFRGS e a UFSM são as únicas que fizeram a campanha nos dois anos que correspondem ao recorte cronológico da pesquisa. As demais fizeram apenas em um dos anos.
A primeira parte do estudo realizou uma revisão bibliográfica do estado da arte acerca do tema, enquanto a segunda parte analisou a recepção das campanhas de prevenção ao suicídio nas organizações mapeadas. Ao dar início à pesquisa, Rômulo percebeu que o que estava fazendo era inédito: a publicidade carece de estudos a respeito de campanhas de prevenção ao suicídio a partir da perspectiva da área e dos estudos de recepção. Sendo esse o cenário da literatura nacional acerca do tema, Rômulo, assistido pela sua orientadora, Elisa Piedras, e pelo coorientador, Pedro Magalhães, foi em busca do que havia disponível na literatura internacional. A busca rendeu frutos.
Diferente de algumas das campanhas nacionais, as campanhas realizadas fora do território brasileiro fazem uso da palavra suicídio. No Brasil, nem todas as campanhas o fazem. Algumas utilizam a expressão Setembro Amarelo, e “isso dá indício de que as organizações [brasileiras] acreditam que todas as pessoas sabem o que é o Setembro Amarelo”, diz o jornalista. Ele ressalta que é necessário se atentar às diferentes formas de recepção da expressão entre as populações brasileiras. “Precisamos ter em mente que temos pessoas letradas, que sabem ler e escrever, mas também pessoas que não sabem”, complementa.
“Campanha não é unicamente o produto midiático, o card que vai para as redes sociais, mas sim toda a mobilização das organizações para tematizar a pauta em questão”
Rômulo Vieira Tondo
Campanhas devem ser segmentadas
Para analisar a recepção das campanhas, foram realizadas duas entrevistas com cada um dos 12 participantes (todos estudantes de Medicina em diferentes estágios do curso): uma para conhecer o sujeito, de onde vem, se mora sozinho ou com a família, se possui rede de apoio; a outra para saber como o estudante percebe as campanhas de prevenção ao suicídio. Ao questionar os participantes sobre se conhecem ou viram alguma campanha sobre o assunto, a associação que fazem é com o Setembro Amarelo. A problemática nessa situação se encontra no fato de que o Setembro Amarelo é amplamente divulgado como mês de valorização da vida, e não de prevenção ao suicídio, colocando esse fenômeno social num lugar de silenciamento. Rômulo ainda detalha que, diferente do Setembro Amarelo, as campanhas de prevenção ao suicídio podem circular de janeiro a dezembro.
No segundo momento da entrevista com os estudantes, a ideia de que as campanhas de prevenção ao suicídio devem ser segmentadas ganha força. Estudantes negros relatam falta de identificação com as campanhas porque a maioria delas apresenta pessoas caucasianas nos anúncios. “As diferentes populações vão ter contextos socioculturais e demandas diferentes, não somente a população negra como também as mulheres e a comunidade LGBTQIA+”, relata Rômulo.
“Campanhas segmentadas vão conseguir atingir um público específico e muitas vezes vão ser mais eficazes do que as amplas, que falam com todo mundo e de uma forma genérica, sem atingir as pessoas”
Rômulo Vieira Tondo
Tecnologia assistiva
Mesmo com a tese de doutorado recém-defendida, um pós-doutorado já está nos horizontes de Rômulo, sendo que as campanhas de prevenção ao suicídio permanecerão sendo o objeto de pesquisa. Em seu próximo estudo, o jornalista pretende trabalhar com tecnologia assistiva por meio de óculos que acompanham a movimentação ocular do usuário conforme ele percorre os anúncios da campanha. Com isso, ficará mais fácil identificar os elementos que chamam mais a atenção do público e contribuem com a transmissão de sentido desejada, possibilitando melhoramento das campanhas no futuro.
Acolhimento
Se você está em sofrimento ou conhece alguém que esteja, pode procurar o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece acolhimento e apoio emocional gratuito. O atendimento é feito por chat ou pelo telefone 188.
Para jovens de 13 a 24 anos, o serviço Pode Falar Unicef oferece escuta e acolhimento gratuito por meio de um chat. Também é possível acompanhar o perfil no instagram @canal.podefalar.
Para informações sobre como acessar o atendimento de saúde mental na rede pública e em centros de formação em Porto Alegre, região metropolitana e litoral norte, acesse o site Saúde Mental UFRGS.