Tecnologias avançadas no tratamento de água

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | Keila Guerra Pacheco Nunes, pós-doutoranda em Engenharia Química, apresenta um panorama da utilização e da importância de recursos hídricos e aponta uma perspectiva do uso de ozônio para tornar a água própria para consumo humano

*Por: Keila Guerra Pacheco Nunes
*Ilustração: Taty Vivian
/IA-UFRGS

A água é um recurso natural e renovável, essencial e insubstituível para a manutenção da vida animal e de plantas. Apesar de se tratar de um recurso em abundância, 10% da população mundial não dispõe da quantidade mínima por dia para o consumo. E isso ocorre apesar de o acesso equitativo à água potável segura e financeiramente acessível integrar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU – “Água Potável e Saneamento”. Dentre as metas, o item 6.1 prevê que até 2030 seja alcançado o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos. 

Razões econômicas, estruturais e sociais determinam a distribuição do consumo de água em todo o mundo. De modo geral, a irrigação na agricultura é o setor econômico que mais consome esse recurso hídrico, seguido da indústria, cujo uso se dá na incorporação nos produtos, na geração de energia, na limpeza, na instalação e no resfriamento de equipamentos. Logo, é imprescindível o planejamento para que não se prejudique o seu uso ou a vida dos que dela dependem.

O Brasil concentra cerca de 10% da água doce disponível no planeta, sendo grande parte destinada à agricultura para irrigação de lavouras, à geração de energia por meio de termelétricas e à indústria. Em áreas mais populosas e urbanizadas, como regiões metropolitanas no sudeste do país, a mesma fonte hídrica costuma ser destinada a diferentes usos, o que leva a debates quanto à quantidade e à qualidade da água. O abastecimento de grandes cidades, portanto, é um grande desafio para o país, visto que a elevada densidade populacional resulta em uma maior demanda dos recursos hídricos, os quais frequentemente são afetados pela poluição desses centros urbanos.

Para que a água seja considerada potável, deve-se atender aos padrões estabelecidos pela Portaria GM/MS n.° 888/21 para parâmetros físicos (cor e turbidez), químicos (cloro livre e pH), microbiológicos (contagem de bactérias heterotróficas, coliformes totais e escherichia coli), organolépticos (sabor, odor e aspecto), cianobactérias/cianotoxinas e radioatividade. Para tal, a água passa por um tratamento realizado nas ETAs – Estações de Tratamento de Águas –, que consiste em um conjunto de procedimentos físicos e químicos para que fique em condições adequadas para ser consumida.

A água utilizada para o consumo deve estar isenta de microrganismos patogênicos, pois estes podem causar diversas doenças, como diarreia, hepatite, leptospirose, esquistossomose, verminose e cólera. Estima-se que apenas 30% da população brasileira tenha acesso à água tratada, fazendo com que doenças causadas pela falta de saneamento custem aos cofres públicos aproximadamente R$ 100 milhões todos os anos. Por isso a desinfecção é tão importante ao final do processo.

Dentre os agentes desinfetantes, o cloro e seus derivados (cloro líquido, gasoso, hipoclorito de sódio e hipoclorito de cálcio) são os mais utilizados no tratamento de águas. Dependendo da concentração utilizada, a geração de subprodutos, como cloratos, dióxido de cloro e traços de clorito, podem ultrapassar os limites recomendados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para a proteção da saúde humana, podendo causar danos à glândula tireoide, causar tumores cancerosos e afetar o sistema nervoso, fígado e rins, além de causar distúrbios no sistema reprodutivo. Como alternativa, porém ainda pouco utilizada no Brasil, a aplicação do ozônio é uma realidade já em operação em pequenas estações de tratamento em países da Europa e nos Estados Unidos. 

O ozônio começou a ser utilizado no tratamento de água potável na França em 1906, logo que as primeiras amostras começaram a indicar a presença de subprodutos clorados prejudiciais à saúde humana. Assim como o cloro, o ozônio pode ser aplicado no tratamento em diferentes pontos do processo. Um bom entendimento do processo de tratamento e da qualidade da água que irá ser tratada é fundamental para decidir em que etapa a ozonização será aplicada.

A primeira obra de saneamento básico no Brasil é datada de 1561. Em Porto Alegre, o abastecimento de água encanada iniciou em 1861. Na mesma época, o Rio de Janeiro foi a primeira cidade do mundo a inaugurar uma Estação de Tratamento de Água (ETA) com seis filtros de pressão de ar/água. As primeiras estações foram projetadas para a remoção de sólidos grosseiros e, posteriormente, de matéria orgânica. Com o aumento da população, porém, e consequentemente do consumo e descarte de produtos industrializados, aliados à evolução das técnicas de detecção de micro e nanocompostos em amostras aquosas, a presença de compostos tóxicos na água potável passou a ser observada. Logo, constatou-se que o sistema tradicional de tratamento não era tão eficiente para q remoção de tais componentes, necessitando, assim, de técnicas avançadas.

Com o objetivo de desenvolver uma metodologia certificada para o tratamento de água com ozônio, fui contemplada no Edital Dr. Empreendedor da Fapergs/Sebrae no ano de 2022. Dessa ideia nasceu a Ozone Engenharia, empresa que tem o objetivo de implementar o ozônio no tratamento de água e efluentes industriais e que está desenvolvendo o projeto junto ao LASOP – Laboratório de Separação e Operações Unitárias da UFRGS, sob a orientação da professora Liliana Amaral Féris.

Estima-se que até 2030 a população mundial seja de 8 bilhões de pessoas, necessitando de um aumento na produção de alimentos em 50%, elevando também o consumo de água. Assim, garantir a satisfação do consumidor deve ser uma das metas das administradoras desse recurso. Isso requer investimento e melhoria na gestão de recursos e no aperfeiçoamento do serviço de abastecimento. Entende-se ser papel do pesquisador o desenvolvimento de novos produtos, processos e tecnologias, buscando sempre o bem-estar da sociedade, o aprimoramento dos processos e o progresso da humanidade.


Keila Guerra Pacheco Nunes é pesquisadora de pós-doutorado do Departamento de Engenharia Química.

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