Tecnologia e impactos da energia limpa H2V

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | Jerusa Pacheco Sampaio, doutoranda na Engenharia, aborda os desafios para o desenvolvimento do Hidrogênio Verde, promissora fonte de energia alternativa aos combustíveis fósseis

*Por Jerusa Pacheco Sampaio
*Ilustração: Bruno Lopes/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS

“Descarbonizar o planeta” é a grande meta que países ao redor do mundo estabeleceram até 2050. O impulso para mitigar as mudanças climáticas tem conduzido a esforços substanciais na busca por um futuro energético mais sustentável, sendo assim o hidrogênio uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis. Sua versatilidade e capacidade de armazenar e liberar energia de forma limpa, com a possibilidade de produzir água como único subproduto, o tornam essencial na transição para um sistema energético de baixo carbono. Uma abordagem particularmente promissora é o conceito de Hidrogênio Verde (H2V), que envolve a produção do gás por meio de processos sustentáveis.

O H2V é produzido com a utilização de fontes renováveis, como solar e eólica. Duas técnicas principais são empregadas para a produção de H2V: eletrólise e fotocatálise. Na eletrólise da água, uma corrente elétrica é aplicada a uma solução aquosa por meio de dois eletrodos (cátodo e ânodo) conectados a uma fonte de energia elétrica externa, decompondo a água em seus constituintes hidrogênio e oxigênio.

Por requerer uma fonte externa de energia para impulsionar a reação eletroquímica, esse processo é energeticamente dispendioso. Por outro lado, a fotocatálise permite a produção de H2V com a utilização da luz solar como fonte de energia. Nesse processo, um semicondutor fotossensível, geralmente dióxido de titânio (TiO2), é empregado como catalisador para absorver a luz solar e gerar pares de elétrons e lacunas. Esses portadores de carga são então utilizados para promover a reação de redução do próton (H+) na superfície do catalisador, resultando na produção de hidrogênio molecular (H2).

A fotocatálise pode ainda ser combinada ao processo de eletrólise, utilizando materiais fotossensíveis nos eletrodos (cátodo e ânodo), o que reduz os custos energéticos do processo. Essa combinação de tecnologias é conhecida como fotoeletrocatálise.

As abordagens tecnológicas de engenharia de nanomateriais propõem diversas alternativas para melhorar o desempenho dos semicondutores na fotoeletrocatálise para a produção de H2V. Por meio da criação de nanoestruturas com uma área superficial aumentada, da modificação precisa de propriedades eletrônicas (band gap) para uma melhor absorção da luz solar e do aprimoramento da eficiência quântica pelo confinamento quântico, é possível aumentar a eficiência da reação de divisão da água.

Além disso, a nanotecnologia permite a estabilização de catalisadores, prolongando sua vida útil e tornando o processo mais econômico e sustentável. Essas inovações têm o potencial de impulsionar a produção de H2V, contribuindo para um futuro energético mais sustentável.

Além do hidrogênio Verde, existem outras classificações para o hidrogênio, dependendo do impacto ambiental de sua produção. O hidrogênio Cinza é gerado a partir de gás natural por meio de processos de reforma a vapor, resultando em emissões de CO2. O hidrogênio Azul é produzido também a partir de gás natural, mas utiliza tecnologias de captura de carbono para mitigar as emissões de CO2, sendo considerado uma opção mais limpa que o hidrogênio Cinza. Por fim, o hidrogênio Marrom é produzido a partir de carvão, gerando grandes emissões de CO2, sendo o tipo mais poluente de hidrogênio.

Em um contexto geral, a utilização de energias renováveis, como o H2V, promete atender às crescentes necessidades energéticas em um mundo com um enorme crescimento populacional, evitando o esgotamento de nossos recursos naturais e a degradação do ambiente. Mas, embora tenham experimentado um notável crescimento nos últimos anos, essas tecnologias ainda enfrentam desafios, como baixa eficiência, custos elevados, limitações de materiais e dificuldades de escalabilidade.

Além dos desafios tecnológicos para a redução de emissões dos gases de efeito estufa, os desafios tangentes ao desenvolvimento social e à segurança energética devem ser levados em consideração. Globalmente existe uma enorme pressão para que as nações promovam a descarbonização da sua produção de energia. Contudo, a energia proveniente de fontes renováveis é intermitente, isto é, essas fontes não são capazes de produzir a mesma quantidade de energia de forma constante; por essa razão seria necessário um sistema robusto de armazenamento de energia para atender aos picos de demanda nos períodos de baixa produção. As baterias, no entanto, ainda são muito caras. Dessa forma a pressão para priorizar apenas energias renováveis pode impactar negativamente países mais pobres.

Pressionar países pobres a alcançar emissões de carbono zero muito rapidamente pode ser injusto e impraticável. Muitos desses países ainda estão em desenvolvimento e dependem muito dos combustíveis fósseis para seu crescimento econômico e necessidades básicas de energia. A transição para fontes de energia mais limpas pode ser custosa, exigindo investimentos significativos em infraestrutura e tecnologia.

Há de se considerar também que os maiores responsáveis pela demanda energética no mundo são os países altamente industrializados e populosos, com uma alta demanda por energia para sustentar seu desenvolvimento econômico e social; por ali é imprescindível iniciar a descarbonização de uma forma mais rígida. Em contrapartida, conectar milhões de lares nos países mais vulneráveis, mesmo com energia proveniente do carvão, representaria apenas uma fração mínima das emissões globais. Para os mais desfavorecidos, a verdadeira urgência é o acesso à eletricidade, independentemente do tipo de fonte de energia utilizada.

A principal questão que se deve ter em mente é de que a transição energética não ocorrerá em um caminho linear e que, antes da total eliminação dos combustíveis emissores de carbono, a matriz energética precisará passar por uma diversificação que permita suprir a crescente demanda por energia. Para isso, o hidrogênio, em suas diversas cores, pode ser um importante aliado, ainda que o objetivo seja promover a transição para o uso de hidrogênio Verde e Azul, reduzindo gradualmente a dependência de fontes mais poluentes.


Jerusa Sampaio é engenheira mecânica e mestre em Engenharia na área de Ciência e Tecnologia dos Materiais. Desenvolve sua tese de doutorado no Laboratório de Pesquisa em Corrosão (LAPEC), executando atividades de gestão e desenvolvimento de projeto que visa ao aprimoramento e à caracterização de nanomateriais avançados para a produção e estocagem de Hidrogênio, sob o edital do Conselho Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Apoio ao Programa Combustível do Futuro e à Iniciativa Brasileira do Hidrogênio (IBH2 MCTI – Processo: 405721/2022-6).

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