Taís Seibt – Jornalismo, fact-checking e a desinformação no debate eleitoral: algumas perguntas para 2022

Publicado originalmente em Observatório da Comunicação Pública – OBCOMP. Para acessar, clique aqui.

A pesquisadora Taís Seibt discorre sobre fact-checking, tema estudado em sua tese de doutorado, e levanta questões pertinentes sobre desinformação e jornalismo de verificação no debate eleitoral de 2022.

A ascensão à presidência de um candidato com uma fração de tempo de campanha em televisão, que não participou de debates e ainda ficou fora de ações corpo a corpo depois de ter sido vítima de uma facada, escancarou como as mídias digitais mudaram a lógica do marketing político sem que o jornalismo político estivesse preparado para essa nova cobertura.

Em 2018, mesmo as agências de fact-checking (checagem de fatos), então vistas como movimentos alternativos, sem grande destaque e quase nenhuma influência na cobertura eleitoral, ainda estavam mais atentas aos discursos dos candidatos do que aos discursos sobre os candidatos. Discursos estes que viralizavam nem sempre de forma orgânica em canais digitais, incluídos grupos de conversa em aplicativos de mensageria. Teriam jornalistas – e candidatos – aprendido a lição para 2022?

Essa foi a grande questão nos últimos quatro anos, tanto em núcleos de pesquisa acadêmica quanto entre analistas políticos, jornalistas e até “marqueteiros”. A campanha vencedora na última corrida presidencial vai contra todas as estratégias de construção de imagem de um candidato, tanto do ponto de vista estético quanto ético. A verborragia e a tosquice da comunicação de Bolsonaro, em especial nas redes sociais, seu principal palanque midiático, não passaria no crivo de nenhum coordenador de campanha.

Marketing eleitoral à parte, essa nova ordem da comunicação política, associada a outros fatores contextuais em escala nacional e global, desafia a cobertura jornalística a rever padrões editoriais pautados pelo equilíbrio de tempo e espaço de exposição entre candidatos, não emissão de juízos de valor sobre declarações de candidatos e outras estratégias historicamente adotadas para dar ares de imparcialidade à cobertura. Como, então, corrigir desinformação propagada por um candidato em rede nacional durante uma entrevista no telejornal de maior audiência do país sem parecer parcial? E será que este formato de entrevista ainda faz sentido em um cenário de desinformação ou a cobertura jornalística estaria apenas dando mais palco e visibilidade para discursos infundados?

Adotamos, neste texto, o termo desinformação porque ele propõe uma discussão mais ampla para a desordem informacional. Abarca não só as “fake news”, entendidas como conteúdos disseminados com o propósito de enganar e causar dano (disinformation, no inglês); mas também inclui conteúdos enganosos compartilhados por usuários sem o propósito de causar dano, quando uma pessoa acredita naquela informação e passa adiante sem saber que é falsa (misinformation); e ainda o conteúdo que pode até ser genuíno, mas é disseminado para causar dano, incluídos aí vazamentos de dados pessoais ou íntimos, discurso de ódio e ataques pessoais em massa nas redes (maliformation). 

Jornalismo de verificação além do fact-checking

Em relação à correção de informações falsas na cobertura jornalística, após 2018 e, principalmente, passados mais de dois anos de crise sanitária com a pandemia de Covid-19, as agências de fact-checking gozam hoje de maior visibilidade e são mais influentes no meio jornalístico do que antes. Porém sofrem da mesma dificuldade do jornalismo em alcançar as “bolhas” mais polarizadas, e ainda competem com formatos jornalísticos tradicionais que, por tabela, propagam desinformação com manchetes declaratórias (e entrevistas ao vivo?). O mesmo jornalismo que se coloca como agente de combate à desinformação e que verifica discursos em seções especializadas, dá palco a desinformadores em outros espaços.

É difícil dimensionar a real influência do fact-checking na opinião pública, em especial na decisão de voto. Não tenho dúvida de que a checagem de fatos, enquanto formato jornalístico, é necessária no atual contexto. É preciso que haja produção de conteúdo desmentindo informação enganosa, com método, embasada em fontes idôneas e apresentando evidências de forma transparente, como é o caso das agências especializadas que compartilham de um código de ética com dezenas de organizações internacionais signatárias da International Fact-checking Network (IFCN). Essas organizações, hoje, atuam como checadoras de conteúdos suspeitos em plataformas como Facebook, com apoio das plataformas. É preciso existir conteúdo de qualidade disponível para quem está interessado em dados e fatos. O problema é quem não está.

Nessa relação, há dois elementos sensíveis: as práticas jornalísticas que desafiam os processos de verificação e as práticas de comunicação política que incorporam a linguagem da verificação e, assim, os sentidos de desinformação na opinião pública.

Na minha pesquisa de doutorado, observei as mudanças estruturais do jornalismo a partir da prática de fact-checking, buscando identificar elementos em transformação no jornalismo que, eventualmente, poderiam indicar a formação de um novo paradigma jornalístico – o jornalismo de verificação. Em um período pré-paradigmático, novas práticas tentam se firmar, convivendo com modelos tradicionais, numa tensão que pode mudar a estrutura a ponto de ela não ser mais reconhecida e, assim, compor uma nova estrutura. Ou então apenas mudar pontualmente a estrutura, mantendo-a intacta.

Ainda não há elementos suficientes para afirmar que o paradigma jornalístico mudou ou vai mudar, mas há tensões inegáveis. Não é apenas sobre o formato dos conteúdos – colocar uma etiqueta de “fato” ou “fake” na matéria. É sobre o procedimento de produção, a estrutura organizacional, o modelo de negócio, a influência e o reconhecimento social, entre outros parâmetros. Em um ecossistema midiático digital e plataformizado, o jornalismo tradicional não se mantém inabalado, precisa mexer nas estruturas. A escolha entre práticas editoriais consolidadas e uma nova diretriz precisa ser feita, se não vamos ter “jornalismo de verificação” só em alguns espaços pré-definidos, como agora. Mas o jornalismo será capaz de se manter socialmente relevante nesse cenário sem fazer uma escolha?

A escolha pela verificação seria óbvia pela deontologia profissional partilhada desde o século XX de que a verificação é um dos elementos do jornalismo. Ao mesmo tempo, essa escolha não é necessariamente óbvia frente aos interesses que influenciam o negócio jornalístico, o que é um risco para a imprensa livre e efetivamente democrática.

Desinformação e verificação nos canais de campanha

Além das práticas jornalísticas tradicionais que acabam por dar palco a desinformadores, há outros movimentos em curso que é preciso acompanhar, como a incorporação da linguagem da verificação para fins partidários e os sentidos de desinformação propagados por políticos, influenciando na opinião pública. Campanhas políticas historicamente confrontaram informações de adversários e da imprensa em seus espaços de propaganda eleitoral. Na era das redes digitais, esses conteúdos ganham novos formatos e muito mais alcance.

A campanha de Lula à presidência registrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre seus canais oficiais perfis em mais de uma rede social com o nome “verdade na rede”. Não há qualquer identificação partidária no perfil, nem nas postagens. Parece uma agência de checagem independente. Por que então consta nos canais oficiais do candidato? Essa é uma comunicação transparente com o eleitor? Essa relação compromete a credibilidade de agências de checagem que são genuinamente independentes? Em setembro, o TSE mandou retirar a página do ar, alegando que ela promovia “falseamento de identidade”.

E mais, o que os candidatos, em seus discursos e canais de campanha, estão dizendo aos eleitores sobre o que é fato ou não? A que fontes estão recorrendo para isso? E quais atores estão sendo confrontados? Se um candidato responde a “fake news” com conteúdo infundado, como convencer o eleitor de que ele está sendo enganado duplamente? Se a checagem tem como objeto um conteúdo jornalístico, ou pior, de fact-checking, como fica a credibilidade da checagem jornalística?

Em um projeto de pesquisa do Núcleo de Estudos em Jornalismo de Dados e Computacional – DataJor (CNPq/IDP), com a colaboração do professor Sérgio Trein, cuja área de pesquisa é comunicação política e marketing eleitoral, estamos buscando algumas respostas. Como jornalista e pesquisadora da área, tenho trilhado caminhos transdisciplinares para compreender a desinformação e seus impactos no jornalismo. A comunicação política é uma dessas frentes. Não tenho pistas seguras até o momento e não vou me arriscar a fazer “futurologia”. Trago aqui perguntas para 2022 para as quais persigo respostas. No entanto, temo que precisaremos de mais tempo para compreender os impactos da desinformação no debate eleitoral, no jornalismo e na democracia de modo geral.

Taís Seibt

Jornalista, doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora da Escola da Indústria Criativa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e do MBA em Jornalismo de Dados do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), é uma das líderes do Núcleo de Estudos em Jornalismo de Dados e Computacional – DataJor (CNPq/IDP) e coordena o Desafio Nuvem de Educação Midiática (Nuvem/Unisinos).

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Share on linkedin
Share on telegram
Share on google

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Language »
Fonte
Contraste