Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Gustavo Motoia. Para acessar, clique aqui.
Direto ao ponto: a situação que começamos a viver a partir deste 30 de outubro se tornou pertinente para uma reflexão sobre fé e eleições. Convertido à fé evangélica desde os meus 14 anos, acompanho o uso do púlpito por candidaturas políticas que se tornou intenso com o bolsonarismo.
E a vitória do candidato do PT é, também, um resultado disso. Parte dela veio do voto silencioso. Muitos evangélicos acuados pela versão “venha para Jesus e vote em Bolsonaro”, com gritos de “mito” em cultos e batismos e a elevação de um humano num pedestal simplesmente causaram uma rejeição somada: já há alguns anos os próprios “candidatos da igreja” nem sempre conseguem ser eleitos e isso é, claramente, porque os próprios membros não os elegem.
Muitas igrejas evangélicas tornaram-se terreno fértil para teorias da conspiração e pânico moral. O apoio a um candidato vem com uma série de informações polemizadas, alarmistas, sem rastro de racionalidade, como visto nos últimos anos. Não há sequer esclarecimento sobre as notícias, existe apenas a veiculação conveniente.
A defesa cristã foi sequestrada pelo discurso partidário, pelo personalismo com pitada de messianismo, e o outro feito de inimigo em uma luta pelos “princípios” da fé. Não assumem que, na realidade, nunca haverá um candidato que corresponda aos anseios cristãos. Vamos criar uma lista para competir? É nisso que vamos reduzir a nossa fé? É a ideologia partidária que vai substituir as doutrinas do evangelho?
Não há voto cristão sem constrangimento, pois nunca haverá um candidato suficiente que corresponda a nossa fé. O mundo, a humanidade, os ideais, sempre apresentarão lacunas nos princípios, quanto mais estar em um partido! Sempre ocorrerá o constrangimento sobre em quem votar, pois, a humanidade está em jogo e homens imperfeitos pleiteiam cargos públicos. Um cristão nunca estará satisfeito sobre seja quem for e, no final, sobra ódio, pessoas excluídas e descrédito para as instituições religiosas que afirmam representar Aquele cujo Reino é superior a tudo isso.
Nosso país passou por um momento decisivo, e líderes religiosos optaram por entrar em jogos de mentira, deturpar notícias e não perceberam que, no silêncio, as pessoas calaram-se para conviver em suas comunidades, rejeitando, porém, suas “orientações”.
A presença dos evangélicos no Brasil é fato incontestável, com atuação em vários campos da sociedade e, de fato, ainda existe uma resistência em alguns setores para a presença de pessoas que não escondem a sua fé. O evangélico conservador sofre dificuldades em meios políticos mais progressistas – que desejam o seu voto e pouco a sua voz. A participação política faz parte da vida em sociedade. Todavia, esse caminho, que mistura pregação, espiritualidade e conveniência, está causando uma ferida difícil de curar.
Na defesa da família, partidos com candidatos cristãos votaram em mudanças nas leis que, na prática, deixam pais e mães cada vez mais ausentes de seus filhos pela necessidade de trabalhar. Pessoas estão passando fome e essa gravidade social se tornou menos importante que o direito às armas. Fantasmas do comunismo e sobre professores que ensinarão o filho a ser gay ultrapassaram a razão. E depois do pleito deste domingo, ainda candidatos apoiados por pastores continuaram sustentando uma narrativa de inimigos do “povo de Deus”.
A categoria “evangélico” caminha para um patamar mais político do que religioso, dando espaço para o fundamentalismo que incita a violência em nome de Deus. E Jesus já nos advertiu sobre esse perigo. Nunca haverá um candidato que corresponda de maneira suficiente aos anseios da fé cristã genuína, da qual nenhum segmento possui a patente. Não existe voto sem constrangimento, mas, combate à desinformação e aos discursos inóspitos do bem contra o mal são saudáveis para restaurar as comunidades evangélicas fraturadas. E se os líderes não escolherem esse caminho, o povo pode escolher.
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Foto de capa: Pexels/Luis Quintero