Sob pseudônimo ‘Regina Brasil’, pastor de Goiás usou Telegram para coordenar ataques em Brasília

Publicado originalmente em Agência Lupa por Chico Maré. Para acessar, clique aqui.

Usando o pseudônimo “Regina Brasil”, um pastor evangélico de Goiás com mais de 100 mil seguidores no Instagram organizava a invasão de edifícios públicos em Brasília desde 4 de janeiro. Thiago Bezerra, dono da igreja Amor Supremo, sediada em Goiânia (GO), usou um grupo de Telegram para compartilhar coordenadas e instruções da invasão de prédios públicos da capital federal e tentativas de bloqueios a refinarias e distribuidoras de combustíveis.

O pastor, que transmitiu ao vivo a invasão do Congresso em sua conta no Instagram, não está entre as 1,4 mil pessoas presas pela Polícia Federal após a tentativa de golpe. Ele tampouco foi preso nas operações subsequentes.

O grupo moderado por “Regina” traz uma das primeiras ocorrências do codinome “Festa da Selma”, embora a origem exata não esteja clara. A expressão já estava sendo usada nesse grupo desde 4 de janeiro, a quarta-feira anterior à tentativa frustrada de golpe. Inicialmente, Bezerra chamou para uma “festa” no dia 15, com instruções detalhadas de invasão a prédios públicos em Brasília, refinarias e distribuidoras de petróleo e supermercados. O grupo usava nomes cifrados para se referir aos pontos de ataque. Bezerra também utilizou o grupo, assim como sua conta no Instagram, para organizar caravanas a Brasília já no dia 7.

Em todas as mensagens, o pastor publicava sob o codinome “Regina Brasil”. Contudo, é nítido que Bezerra é o dono da conta. A voz nas mensagens de áudio publicadas pela suposta moderadora é claramente masculina e muito similar à que aparece nos vídeos do pastor em outras redes sociais. Em uma conversa anterior à invasão, um dos usuários do grupo, identificado apenas como Lima Lima, se refere a “Regina” como “Pr Thiago”. Além disso, a chave Pix utilizada nos pedidos de arrecadação de doações é vinculada ao evangélico.

Organizando a ‘festa’

Em um grupo inicialmente chamado de “Restaurante Los Hermanos” (posteriormente, mudou de nome para “Brasil dos INDESISTIVEL” e atualmente é “Maior é o que está em nós!”), Bezerra publicou, no dia 4 de janeiro, dois gráficos que seriam do planejamento para a “festa”. Um deles indicava onde a “festa” ocorreria: Jericó, que seria o codinome usado para se referir a Brasília, Açúcar Refinado (refinarias de combustíveis), Distribuidor de Açúcar (distribuidoras) e Frente dos Supermercados — posteriormente, esse “local” passou a ser chamado de “Pombal”.

No mesmo dia, ele mandou uma sequência de dois áudios, de cerca de três minutos cada, dizendo que a invasão se tratava de uma “guerra”. “Hoje viramos a resistência do Brasil. Não é pra ir pra Brasília um dia e voltar no outro, não vai resolver o problema da nação. Manda as crianças pra casa do vovô e vem pra guerra”, disse. “Muitos de nós vamos ser presos”, disse, antevendo conflito com as forças de segurança.

Inicialmente, Bezerra e outros membros do grupo “Restaurante Los Hermanos” citavam a data da “Festa da Selma” como sendo no dia 15 de janeiro — o domingo seguinte à invasão. Nesses áudios, porém, ele já cita a existência de grupos se mobilizando para o fim de semana do dia 8 — o que critica. “Infelizmente, algumas pessoas precipitadas deram uma data de 7 a 9 de para estarem indo a Brasília”. O pastor diz ter conversado com “Ramiro dos Caminhoneiros” — referência a Ramiro Cruz Jr., uma das principais lideranças da tentativa de golpe, preso no último dia 20 — sobre essa questão da data.

Bezerra diz, também, que o plano é “ficar lá” e não voltar para o QG — indício de que já existia a intenção de invadir e ocupar edifícios públicos antes de 8 de janeiro. “Tem que vir preparado. Tem que vir com barrinhas de nutrientes pra aguentar dias sem comer, vir preparado para dormir no chão. ‘Ah, não, nós vamos lá e à noite a gente volta para o QG [Quartal-General]’, esquece isso! Ou nós nos preparamos para ficar lá ou então, meu amigo, fique na sua casa e seja engolido por esse governo”, disse.

No dia 7, outro usuário do grupo, identificado apenas como Lima Lima (cuja identidade ainda não foi descoberta), publicou o plano com mais detalhes. Além de citar os locais — a “frente dos supermercados” foi mudada para “Pombal” —, o plano detalhava a data, ainda 15 de janeiro, quem deveria comparecer e qual a ação.

Para Brasília, o plano citava quatro edifícios de forma cifrada (possivelmente, STF, Palácio do Planalto, Câmara e Senado), e instruía os “convidados” a adentrar os espaços e se fazer à vontade — mas sem “bagunçar”. Já para as refinarias e distribuidoras, o plano era impedir a entrada e saída de veículos para forçar o desabastecimento de combustível. São citadas atividades como “jogo do pequeno Miguel”, “fecha-fecha”, “para-para”, “pega-pega”, “esconde-esconde” e “polícia e ladrão”. O plano previa também obstruções a supermercados, e o pedido de “intervenção federal” em faixas.

Bezerra também usou o grupo para pedir doações para contratar ônibus para transportar golpistas para Brasília. Em 5 de janeiro, ele mandou um áudio pedindo doações via Pix para custear a viagem de 10 ônibus trazendo pessoas da “tribo que mexe com chá” — não está claro o que esse codinome significa. Ele pedia um total de R$ 150 mil para financiar esses ônibus.

“Pessoal, estou com uma necessidade urgente. Em um determinado lugar, de uma determinada tribo que mexe com chá, foi convocado 500 para vir. Na totalidade, são 10 ônibus que a gente precisa. E dentro do preço do valor que saiu, são R$ 150 mil que a gente precisa levantar de hoje para amanhã”, diz. 

O pastor também usou o Instagram — usando seu nome real — para divulgar os atos. Em 6 de janeiro, Bezerra publicou um vídeo intitulado “A Festa da Selmaa” (sic), no qual ele convida manifestantes a “mandar uma mensagem” para os “corruptos”.

No mesmo dia, ele publicou outro vídeo curto com convite para a “Festa da Selma” em 15 de janeiro, citando apoios cifrados como “Açúcar União”, “Líder Segurança de Condomínios” e “Instituto Ayrton Senna”.

A invasão

Na manhã do dia 8, Lima Lima publicou mensagem orientando as pessoas a “descer” o quanto antes, embora insistisse que a “festa” estava marcada para o dia 15. Ele provavelmente estava presente na invasão, visto que ele aconselha as pessoas que “corram para cá”

Bezerra definitivamente estava presente na invasão. Em seu Instagram, fez uma transmissão ao vivo, no lado de fora do Congresso, convocando seus seguidores a irem até Brasília para manter a ocupação dos prédios públicos — ressaltando o caráter violento da ação. “É guerra. Se você sair da sua casa pra ir pra uma manifestação, fique em casa. Selva!”, disse. O jornalista Oswaldo Eustáquio, atualmente foragido, participou da transmissão, de forma remota. 

Bezerra também publicou conteúdo nos stories em que aparecia dentro de um prédio na Praça dos Três Poderes, já com cenas de destruição. Nos primeiros vídeos, ele pede para que os seguidores sigam sua conta reserva no Instagram. Em seguida, ele diz: “Vou mostrar para vocês onde eu estou”, apresentando a entrada do prédio — provavelmente, o Congresso — tomada por golpistas. Logo depois, ele publicou outro story, dizendo que estava saindo do prédio porque seu celular estava sem bateria.

No entanto, no dia seguinte à invasão, 9 de janeiro, Bezerra mudou o tom. Em seu Instagram, junto com Renato Gasparim, militante de extrema-direita que se candidatou a deputado estadual no Paraná pelo Republicanos, o pastor disse ser contra “quebradeira” e a “depredação” do patrimônio público, acusando “infiltrados”, sem nenhuma evidência, de cometerem os atos de depredação.

No mesmo dia, ele enviou um vídeo para o grupo do Telegram — sob o codinome Regina Brasil, mas mostrando seu próprio rosto — pedindo doações para “patriotas” que estariam passando dificuldades. 

Ele também pediu, em áudio, para que seus seguidores denunciassem posts no Instagram que relatavam sua participação na invasão — incluindo um post da página Fuxico Gospel. “Esse é outro perfil que está falando mal dos participantes. Se vocês puderem denunciar tanto essa publicação, quanto esta página, por favor”, diz.

Bezerra também incitou os membros do grupo a denunciarem um post no Instagram da Lupa, que também relatava sua participação nos atos.

Em liberdade

Apesar de ter participado da organização dos atos, Bezerra não está entre as pessoas presas depois da invasão. Embora tenha apagado vídeos da invasão, ele mantém a conta ativa no Instagram, mas com outro nome de usuário. A Lupa contatou o pastor por WhatsApp. Até o fechamento desta reportagem, ele não havia respondido. Caso haja resposta, o texto será atualizado.

Editado por

Leandro Becker e Bruno Nomura

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