Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Luís Henrique Vieira. Para acessar, clique aqui.
* Colaboração de Lenon Andrade
Leitores do Bereia solicitaram uma verificação em relação à matéria “Igreja Batista que realizou o 1º casamento gay no Brasil está sendo engolida por cratera” publicada em 07 de julho, pelo site Fuxico Gospel, conhecido por cobrir o mundo religioso. O texto afirma que o epicentro do afundamento do bairro ocorre nos fundos da Igreja do Pinheiro, liderada pela pastora Odja Barros e o pastor Wellington Santos.
Bereia checou o caso.
Imagem: reprodução do site O Fuxico Gospel
O artigo relata o caso do afundamento do solo em quatro bairros de Maceió — Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto — causado pela exploração de sal-gema realizada pela empresa mineradora Braskem. O caso se desenrola desde 2018, quando moradores desesperados buscaram ajuda judicial após sofrerem com tremores de terra. Em 2019, após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entrar para intermediar o caso, o diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM) alertou que o “afundamento do bairro Pinheiro pode ser uma tragédia muito maior que Brumadinho e Mariana”.
Igreja não está afundando e fica em local diferente do informado
A matéria do Fuxico traz uma característica comum em notícias falsas checadas pelo Bereia e demais agências de checagem: a ocultação da fonte de informação. O texto traz a sentença “Segundo informações” seguida de conteúdo inventado. O epicentro da tragédia fica no bairro Mutange, segundo o CNJ, e não no Pinheiro, como afirma o Fuxico.
A Igreja Batista do Pinheiro também não está afundando, como traz a manchete. Para apurar a informação, Bereia ouviu a pastora Odja Barros e checou dois laudos técnicos sobre o caso (veja abaixo). A pastora explica que “de todas as igrejas que estavam em áreas atingidas, a Igreja do Pinheiro é a única que está em local risco zero”. Ela acrescentou que a foto do buraco usada na capa da matéria fica ao lado da Paróquia Católica do Menino Jesus de Praga, que precisou mudar de local devido à calamidade. São, na verdade, mais de 30 templos atingidos pela destruição ambiental em Maceió e, como noticiado pelos jornais locais, a Igreja Batista do Pinheiro resistiu.
Foto do templo da Igreja Batista do Pinheiro: reprodução/site
Bereia teve acesso aos dois laudos técnicos enviados ao Ministério Público de Alagoas, um da Defesa Civil do Estado e outro de empresa privada, que comprovam que o prédio da Igreja Batista do Pinheiro não foi atingida como os demais templos religiosos da região afetada pelo crime ambiental e foi declarada segura para continuar funcionando.
Imagem: trecho de parecer técnico de estabilidade da Igreja Batista do Pinheiro (grifo do Bereia)
Pastora Odja Barros e a Igreja Batista do Pinheiro
A Igreja Batista do Pinheiro, localizada em Maceió/AL, tem mais de 50 anos de história e tem se posicionado a favor de minorias, como as pessoas LGBTQIA+. O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais, conforme o relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Em 2016, quando a igreja decidiu realizar batismos de pessoas independente de sua condição sexual, foi excluída das igrejas filiadas à Convenção Batista Brasileira (CBB), como documentado no livro “Vocação para a Igualdade”, publicado pela comunidade em 2019. Em 2021, a pastora Odja Barros recebeu ameaças de morte após celebrar um casamento homoafetivo entre duas mulheres, conforme relatado pelo noticiário e testemunhado por ela em uma entrevista ao podcast SimPodCrer. Esta expressão de ódio e violência, no entanto, gerou diversas manifestações de solidariedade em favor da pastora.
A empresa Braskem e a destruição em Maceió
A empresa, controlada pelo grupo Odebrecht (hoje Novonor), explora sal-gema desde os anos 60. De acordo com a Prefeitura de Maceió, os primeiros movimentos do solo foram percebidos em 2005. Em abril deste ano, a história ganhou um novo capítulo: a Justiça alagoana decidiu bloquear R$ 1,08 bilhão da petroquímica para garantir o pagamento pelos danos causados aos moradores. Apesar do êxodo forçado enfrentado por cerca de 55 mil residentes, a empresa ainda não reconhece oficialmente o problema, que, segundo o Observatório da Mineração, é considerado “um dos piores crimes socioambientais da história do Brasil”.
A Igreja Batista do Pinheiro não apenas sobreviveu à destruição promovida pela empresa na cidade, como obteve recomendação do Ministério Público para ter seu o patrimônio cuidado.
O pastor Wellington Santos, também da Igreja Batista do Pinheiro, afirmou ao Bereia a importância de esclarecer o que de fato está ocorrendo. “Precisamos furar duas bolhas, uma que a Braskem construiu, da narrativa de que ela está resolvendo tudo e que não há resistência, e outra que invisibiliza nossa luta positiva. Somos uma comunidade de fé que está resistindo para denunciar esse crime ambiental, esse ilhamento de seis bairros”.
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Conforme a apuração, Bereia avalia ser falsa a informação de que a Igreja Batista do Pinheiro está afundando. O site Fuxico Gospel veicula a fotografia de um buraco com a informação incorreta quanto à localidade, desinformando o leitor. A Defesa Civil não embargou o templo da Igreja e a instituição segue com sua programação normal. Tanto a Igreja do Pinheiro, quanto milhares de moradores, empresas e igrejas foram afetados pelo desastre ambiental em que a Braskem está envolvida. Com a falsidade, o Fuxico Gospel constrói, ainda, um discurso que leva leitores e leitoras a uma interpretação de que o caso teria sido juízo divino em castigo ao apoio que a igreja tem dado a pessoas LGBTQIA+. Colabora, portanto, com a disseminação de ódio em curso, contra direitos sexuais negados por uma parcela de religiosos e contra posturas inclusivas da parte de igrejas e suas lideranças.
Referências de checagem:
CNJ https://www.cnj.jus.br/caso-pinheiro-a-maior-tragedia-que-o-brasil-ja-evitou/ Acesso em 10 Jul 2023
G1 https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2021/08/17/paroquia-do-menino-jesus-de-praga-anuncia-saida-do-pinheiro-por-causa-do-afundamento-do-solo-em-maceio.ghtml Acesso em 10 Jul 2023
https://g1.globo.com/google/amp/al/alagoas/noticia/2021/12/15/pastora-que-celebrou-casamento-entre-mulheres-e-ameacada-de-morte-e-faz-denuncia-a-policia.ghtml Acesso em 10 Jul 2023
Unisinos https://www.ihu.unisinos.br/categorias/615330-nota-do-conic-em-solidariedade-a-pastora-odja-barros Acesso em 10 Jul 2023
Brasil de Fato https://www.brasildefato.com.br/2022/03/22/braskem-moradores-de-bairro-que-afundou-em-maceio-cobram-ha-4-anos-reparacao-de-mineradora Acesso em 10 Jul 2023
Marco Zero https://marcozero.org/braskem-causa-terremotos-e-afunda-bairros/ Acesso em 10 Jul 2023
Ministério Público Federal https://www.mpf.mp.br/al/arquivos/2021/recomendacao-no-2-de-17-de-dezembro-de-2021/
Observatório da Mineração https://observatoriodamineracao.com.br/crime-socioambiental-transformado-em-lucro-imobiliario-o-caso-da-braskem-em-maceio/ Acesso em 10 Jul 2023
Gazeta de Alagoas https://www.gazetadealagoas.com.br/cidades/392949/patrimonio-material-e-imaterial-igreja-ainda-resiste-no-pinheiro Acesso em 10 Jul 2023
Gazeta https://www.google.com/amp/s/www.gazetaweb.com/noticias/maceio/mais-de-30-templos-sao-realocados-em-bairros-afundados-em-maceio/%3famp Acesso em 10 Jul 2023
Foto de capa: Observatório da Mineração