Seminário debate participação social e democracia com os desafios da internet

Publicado originalmente em *Desinformante por Rodolfo Vianna. Para acessar, clique aqui.

As potencialidades oferecidas pela internet para o ativismo social e os desafios a serem enfrentados pela sociedade civil nesse ambiente virtual. De forma geral, essas duas facetas foram abordadas no Seminário “Internet, participação social e democracia: o fortalecimento de causas sociais no ciberespaço”, organizado pela Rede Narrativas com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do ponto Br (NIC.Br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet (CGI.Br) realizado em São Paulo, na manhã do dia 5 de setembro.

A primeira mesa apresentou os principais desafios a serem enfrentados dentro do contexto de domínio econômico das grandes empresas, as big techs, incluindo a moderação de conteúdo, os limites legais e a profusão de discursos de ódio e desinformação. Flávia Lefévre, advogada e militante pelos direitos à comunicação, pontuou em sua fala que apesar de fundamental, o debate sobre a regulamentação das plataformas digitais (PL 2630 / 2670) perde fôlego se não for aprofundado o debate político: “nós temos problemas políticos, estruturais. Eles não acontecem porque temos a internet, mas a internet é atualmente assim por causa desses problemas”.

Para a ativista, é necessário fomentar o debate sobre soberania, “e um dos aspectos de soberania é a aplicação da lei do próprio país”, salienta. Flávia cita que o Brasil possui legislações que são referências mundiais, como o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet, e que no caso deste último há um debate equivocado quando se vê nele um empecilho para se responsabilizar as plataformas por atividades criminosas em seus ambientes, como quando se debate a constitucionalidade do seu artigo 19.  

Sobre a política do Zero Rating”, Flávia Lefévre a classificou de absurda, já que a legislação prevê que a internet seja um direito essencial e, como tal, não pode ser descontinuado ou, muito menos, ter seu caráter de neutralidade, garantido pelo Marco Civil, comprometido. A advogada informou que a Coalizão Direitos na Rede protocolou um pedido para que o governo federal se posicione sobre essa política. 

Fernanda Martins, representando o InternetLab, abordou pesquisas desenvolvidas pela organização que mostram falhas na moderação de conteúdo automatizada das plataformas. Os mecanismos criados a partir de listas lexicais para identificar discursos de ódio muitas vezes apresentavam “falsos positivos”, ou seja, o que foi identificado como ameaça ou discurso de ódio, quando analisados por humanos, não necessariamente se enquadrava como tal.

Citando o caso da ex-deputada federal Manuela D´Ávila como exemplo (veja aqui a série “Atingidas pela desinformação”, produzida pelo *desinformante em parceria com o Instituto Vladimir Herzog), Fernanda ressaltou a necessidade do que é chamado de moderação em camadas, pela qual ativistas ou grupos historicamente marginalizados possam receber uma proteção maior por parte das plataformas, já que são alvos preferenciais de discursos de ódio. 

Ainda compondo a primeira mesa do evento, Ronaldo Matos, do Território da Notícia apontou o crescimento dos desertos de notícias e como isso impacta na produção do jornalismo e na construção de identidades e conhecimentos de territorialidades. 

“As big techs não privilegiam o jornalismo, mas sim a cadeia de produção de dados vinculados ao tempo de atenção do usuário”, alertou Ronaldo, ao abordar a questão da remuneração do conteúdo jornalístico por parte das plataformas digitais. O jornalista lembrou da proposta da Fenaj de criação de um fundo que invista na produção de conteúdo jornalístico independente, porém, ressaltou que aspectos da desigualdade social e de infraestrutura precisam ser levados em consideração na distribuição de recursos:  “por que não olhar para um recorte de bairro, de infraestrutura, de condições materiais ao se incentivar e fomentar o jornalismo?”, questionou.

Encerrando a primeira mesa, a pesquisadora e ativista Nina da Hora (Instituto da Hora) reforçou a necessidade de se tornar acessível ao conjunto da população o que os pesquisadores estão realizando, e buscar aproximar mais aqueles que estão produzindo essas novas tecnologias do debate realizado sobre seus impactos na sociedade.

Na visão de Nina, é fundamental diminuir o controle que as plataformas têm sobre a forma como nós estamos nos relacionamos. Como exemplo, citou situações nas quais existe um grande “debate” em alguma plataforma mas que, fora dela, ele é absolutamente inexistente. 

Atuação em rede

Na segunda mesa do seminário, foram apresentadas iniciativas de mobilização e atuação social possibilitadas pela internet. Aline Rodrigues, da Periferia em Movimento, informou que a proposta de linha editorial que seguem orienta-se para o registro do histórico de lutas por direitos (à moradia e à comunicação, por exemplo), como também a preservação da memória. Ressaltou a necessidade de se atuar de forma coletiva, em rede, “porque ninguém dá conta sozinho do todo”. Para jornalista, é fundamental haver a perspectiva de entender o jornalismo não só como entrega de informação, mas também como processo de escuta de seu público. 

Representando o “Nossas”, Carol Abreu apresentou o caso de três campanhas que realizaram nas quais o uso das redes se mostrou essencial. Em uma, a  “Triplique seu voto”, a organização trabalhou o engajamento político para tentar aumentar o contingente de eleitores. Nesta campanha, Carol informou que o uso de dados, por meio da análise de mapas eleitorais, foi fundamental para ajudar na escolha e estratégias de atuação e melhores resultados.  

Já Gizele Martins, representando a Frente de Mobilização da Maré, iniciou sua fala  afirmando que, para eles, a luta ainda é pelo direito ao acesso à internet. A jornalista relatou o absurdo de não existir uma infraestrutura de acesso à internet em uma comunidade de 140 mil moradores, dentro da cidade do Rio de Janeiro. O acesso à rede ainda depende de contratos com pequenas empresas privadas que acabam por controlar o acesso, cuja entrega do produto nem sempre é realizada, mas sempre cobrada. A exemplo de outros serviços essenciais, como água, luz e fornecimento de gás, estes serviços são oferecidos por milícias, à margem do Estado. 

A jornalista, entretanto, ressaltou a importância da internet na auto organização da comunidade. Ela relata como, em 2013, a mobilização dos moradores do complexo da Maré via whatsapp foi fundamental na denúncia e no freio de uma chacina que ocorria no local.  “Nós estamos falando de um direito à comunicação que para nós é também garantir um direito à vida”, ressaltou.

Encerrando a atividade, Mariana Gomes, da Conexão Malunga, questionou o que se está dizendo sobre as comunidades que não estão ainda conectadas. Apontou a necessidade de se debater as tecnologias a partir de saberes afrodescendentes, como é proposto pela organização que representa, e questionou quanto da lógica colonialista ainda persiste no ambiente virtual, na produção de informação e também no garimpo de dados dos usuários.

O seminário foi uma iniciativa da Rede Narrativas, que reúne comunicadores para fortalecer  o papel da comunicação nas organizações da sociedade civil, a partir da difusão de conhecimento e promoção de espaços de debate para a transformação social, com o apoio do NIC.Br.

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