Sem o PL 2630, como regular as plataformas digitais?

O simpósio “Regulação de Plataformas Digitais – A urgência de uma agenda essencial à democracia”, realizado pela Coalizão Direitos na Rede (CDR) abordou a construção e os novos possíveis caminhos depois de o PL 2630/2020, o projeto sobre regulação de plataformas mais avançado no Congresso Nacional, ter sido recentemente escanteado pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira. O deputado Orlando Silva, ex-relator do projeto de lei, participou da mesa e disse que não há novidades sobre o grupo de trabalho anunciado por Lira, mas destacou que o Parlamento vem sendo omisso no tema e que o governo está sendo leniente sobre a situação. “Mais do que historiar o PL 2630 é preciso formular para a sociedade brasileira e para o governo um questionamento sobre qual deve ser o lugar da regulação de plataformas digitais na agenda do país”, colocou o deputado.

Para ele, é necessário estimular diversos atores para que se possa produzir um mínimo denominador comum sobre a regulação e que o Executivo apresente essa proposta para que se “reinicie” o desenvolvimento do processo. “Estive com Lira há duas semanas. A ideia que ele me apresentou era a ideia de ter pelo menos um [representante] de cada partido e não tinha nitidez sobre qual seria o ponto de partida para o debate. O que ele pretendia era manter o tema na pauta e descontaminar, para usar uma expressão dele, politicamente e ideologicamente”, disse Silva.

O acúmulo do debate realizado no âmbito do projeto de lei foi reconhecido por todos os integrantes da mesa. Marcelo Bechara, diretor executivo de Relações Institucionais e Regulação do Grupo Globo e membro do conselho superior da ABERT, pontuou que é importante que toda a construção do PL 2630 seja colocada no grupo de trabalho: “não é possível que isso desapareça e vire pó”, colocou. 

Laura Schertel, professora de direito da Universidade de Brasília, fez coro ao tópico evidenciando o prejuízo no caso de a sociedade perder o amadurecimento trazido pelo texto do que ficou conhecido como PL das fake news. “A gente não tem tempo a perder”, disse Schertel lembrando da proximidade das eleições e destacando que o governo precisa ter um papel fundamental nesse momento. A coordenadora geral de liberdade de expressão e enfrentamento à desinformação da Secom, Marina Pita, também participou da mesa e elencou as contribuições do governo sobre o tema.

O representante da Coalizão Direitos na Rede e pesquisador Lapcom/UnB, Jonas Valente, ressaltou na sua fala como o lobby das plataformas interferiu no tema da regulação e destacou que “se a sociedade brasileira não regular esses atores, esses atores regularão cada vez mais a democracia brasileira”.

Por que regular as plataformas digitais?

“Não é verdade dizer que as plataformas vivem uma terra sem lei. Existe um conjunto de normas constitucionais que estabelecem direitos e deveres que são importantes para usuários e provedores de aplicação”, argumentou o procurador do Ministério Público Federal, Yuri Luz. No entanto, explicou, é primordial investir em uma regulação pensada para plataformas.

Luz destacou que normas que se encontram na Constituição Federal, no Marco Civil da Internet e no Código de Defesa do Consumidor podem e são usadas para estabelecer deveres e direitos nas redes atualmente, mas essas normativas não foram pensadas para plataformas digitais, e de acordo com ele, surge um risco de descompassos entre a principiologia e o que está sendo aplicado na prática, o que pode gerar abusos na aplicação de normas muito gerais. “O Código de Defesa do Consumidor foi elaborado na década de 90 e não foi pensado para lidar com as nuances do mundo digital”, exemplifica o procurador.

O mesmo tópico também foi abordado por Felipe Neto, fundador do Instituto Vero. O influenciador falou sobre a experiência e a dificuldade de tentar usar regras do código penal, por exemplo, para a aplicação em questões digitais. Além disso, Neto destacou a importância não só da regulação, mas de que esse tema chegue à população além da narrativa de censura.

Bia Barbosa, representante da Coalizão Direitos na Rede, também reforçou a necessidade de um arcabouço normativo que discuta um problema causado nas externalidades do funcionamento do modelo de negócio das empresas. “A gente está falando de um setor econômico que como qualquer outro setor deve ser regulado pelo estado e a gente está falando de soberania porque são empresas globais  que muitas vezes ignoram legislações nacionais e não respeitam o que é decidido democraticamente dentro dos estados”, completou Barbosa. 

“A gente só vai conseguir avançar para um ambiente digital baseado em direitos humanos onde o exercício da liberdade de expressão exista e seja garantido em equilíbrio com outros direitos fundamentais se o estado brasileiro tomar a decisão de regular as plataformas. Regular não por meio de decisões judiciais, que são legítimas e podem existir, mas por meio de um marco normativo debatido democraticamente debatido aqui no Congresso Nacional, envolvendo todos os atores”, colocou a representante da CDR.

O lugar do Congresso Nacional nesse debate também foi pontuado por Yuri Luz que enfatizou o risco da não aprovação de uma legislação. Para ele, esse tema invariavelmente vai se impor nos próximos anos independentemente da instância e, por isso, deve ser viabilizado pelo legislativo. “Se a gente não aprovar isso no âmbito do parlamento, com uma ampla discussão que é própria desse espaço de representação popular, a gente tem um risco de aprovar e implementar regulações com base na legislação vigente em outras instâncias que não são marcadas por um amplo debate público, como o judiciário e o executivo, e criar a partir disso uma série de problemas de fricção de direitos, de descalibragem regulatória”, analisa.

A mesa de abertura do simpósio também foi enfática sobre a urgência do tema. “A gente entende que a regulação de plataformas é uma tarefa primordial na agenda democrática e de afirmação de direitos humanos na era digital”, colocou Paulo Rená, representante da Coalizão Direitos na Rede, IRIS e Aqualtune Lab. O secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, participou da mesa e colocou a visão do governo sobre a pauta, elencou como regulação europeia traz pontos importantes para se pensar no tema e ressaltou o perigo da instrumentalização das plataformas, como no caso do bilionário Elon Musk.

O coordenador de Combate à Desinformação do Supremo Tribunal Federal, Vitor Durigan, reforçou que é preciso se pensar de uma forma transversal, compreendendo a regulação de forma multidisciplinar e multisetorial. Na visão de Durigan, dois pontos não podem fugir da pauta: os mecanismos de transparência para as plataformas e a gestão dos riscos que elas proporcionam. Já Arthur Mello, representante do Pacto pela Democracia cravou em sua fala que “o debate de regulação é o debate do nosso século” e a aprovação de uma normativa depende também da superação de desafios no âmbito internacional, nacional e dentro do próprio parlamento.

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