São falsas as afirmações de médica sobre riscos da vacina da Covid-19 em crianças

Publicado originalmente em Agência Lupa por Ítalo Rômany. Para acessar, clique aqui.

Voltou a circular nas redes sociais um vídeo com uma fala da médica Maria Emília Gadelha Serra criticando a vacinação contra Covid-19 em crianças. No registro, publicado em julho de 2022, ela condena a publicação de uma nota da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) com recomendações ao Ministério da Saúde sobre a importância da aplicação do imunizante nesse grupo. Segundo a médica, as crianças poderiam morrer “de mal súbito, de infarto do miocárdio, AVC, derrame cerebral, doenças autoimunes” por causa da vacina. É falso. 

Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação?:

Eu estou aqui para alertar os pais do Brasil a respeito desse documento emitido na data de hoje, 25 de julho de 2022, pela Sociedade Brasileira de Pediatria. […] Para dizer para os pais do Brasil que, simplesmente, a Sociedade Brasileira de Pediatria reforça a necessidade da urgente inclusão de crianças, dos seus filhos, dos seus netos, no Programa Nacional de Imunizações contra a Covid-19. […] A menos que você esteja preparado para ir no velório do seu filho, procure se informar e jogue isso aqui no lixo […]

– Trecho de fala da médica Maria Emília Gadelha Serra em vídeo compartilhado no WhatsApp

Falso

Ao contrário do que a médica Maria Emília Gadelha Serra diz, a vacinação contra a Covid-19 em crianças é eficaz. Os benefícios do imunizante superam os riscos, que são classificados como muito baixos. Órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde apontam que é bem mais perigoso contrair a doença. Estudos científicos também mostram que a vacinação reduziu o risco de hospitalização associada à Covid-19 entre crianças de 5 a 11 anos.

Segundo a Anvisa, em nota encaminhada à Lupa, todas as vacinas para Covid com indicação aprovada para o público infantil permanecem válidas e “com relação bastante positiva de benefício-risco, sendo fundamentais para controle da Covid neste público”.

O Ministério da Saúde também informa que todos os imunizantes voltados para esse grupo são seguros. “As vacinas são seguras, testadas, aprovadas e salvam vidas. Elas ajudam a impedir casos graves e mortes pela doença nas crianças e novas ondas de transmissões, sobretudo pelo surgimento de variantes”, afirmou o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde, Eder Gatti, em texto publicado no site da pasta em 28 de abril

Um estudo publicado em 2022 pelo The New England Journal of Medicine mostrou que a vacinação reduziu em dois terços o risco de hospitalização associada à variante ômicron entre crianças de 5 a 11 anos. “Embora duas doses tenham proporcionado menor proteção contra hospitalização associada à variante ômicron do que contra hospitalização associada à variante delta entre adolescentes de 12 a 18 anos, a vacinação preveniu doenças graves causadas por qualquer uma das variantes”, diz trecho do texto.

Nota da SBP

No documento “Atualização sobre vacinas Covid-19 em pediatria”, citado no vídeo pela médica Maria Emília Gadelha Serra, a Sociedade Brasileira de Pediatria faz diversas recomendações ao Ministério da Saúde sobre a importância da vacinação contra a Covid-19 em crianças. A entidade elenca três pontos: extensão do uso da vacina Coronavac para crianças a partir dos 3 anos de idade; suspensão da necessidade de intervalos entre vacinas Covid-19 e demais vacinas do calendário infantil; e, por último, a recomendação de uma terceira dose para crianças de 5 a 11 anos de idade.

Em contato com a Lupa, por e-mail, a SBP informou que tomou providências em relação ao vídeo em várias esferas, entre elas denúncia junto ao Ministério Público. E que, no momento, aguarda as evoluções dessas demandas.

Em reunião realizada em novembro de 2022, o Conselho Superior do Ministério Público negou recurso contra a instauração de um inquérito que investiga a conduta da médica Maria Emília Gadelha Serra por falas contra a aplicação de vacinas contra Covid-19 em crianças. Com isso, o inquérito instaurado em agosto pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital segue em tramitação.

Então, informe-se, as pessoas estão morrendo de mal súbito, infarto do miocárdio, AVC, derrame cerebral, doenças autoimunes e, agora, começando uma epidemia de cânceres, antes nunca vista

– Trecho de fala da médica Maria Emília Gadelha Serra em vídeo compartilhado no WhatsApp

Falso

Em nota, a Anvisa esclarece que dados de estudos e monitoramento apontam que a maioria dos eventos identificados em pacientes após a vacinação da Covid-19 não são graves, “e são normalmente relacionados a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição”. 

O Ministério da Saúde, também por nota, disse que casos de infarto do miocárdio, AVC e derrame cerebral são condições clínicas que podem ocorrer por diversos motivos, incluindo infecções virais como a da própria Covid-19. Não estão associadas, necessariamente, às vacinas. A pasta também diz que não há evidências científicas de que a vacina possa causar câncer ou mal súbito. “O câncer é uma doença crônica que possui grande período de latência (vários anos entre a exposição e o desfecho), não sendo coerente com o tempo curto entre a vacinação e o diagnóstico. Nesse contexto, é importante ressaltar que vacinas não são fatores que provocam mutações em células, portanto não podem causar desenvolvimento de tumores cancerígenos”, explica. 

“Como qualquer medicamento ou imunizante, as vacinas contra a Covid-19 podem causar eventos adversos, sendo a maioria deles sem gravidade, como dores de cabeça, tosse, diarreia, rinite, náusea, entre outros. Esses eventos são muito raros e ocorrem, em média, um caso a cada 100 mil doses aplicadas, apresentando um risco significativamente inferior ao risco de complicações causadas pela infecção da Covid-19”, informou o Ministério da Saúde, em outra checagem similar produzida pela Lupa anteriormente.

O Instituto Butantan, responsável pela CoronaVac, também esclareceu que a vacina não causa demência, abortos ou AVC. “Os ensaios clínicos de fase 3 da CoronaVac no Brasil mostraram que os efeitos adversos da vacina, quando acontecem, são predominantemente leves”, diz texto publicado em seu site. Segundo o Butantan, a taxa de incidência de eventos adversos graves em criancas entre 6 e 11 anos é de 0,20 por 100 mil doses aplicadas. Os mais incidentes foram hipersensibilidade e síncope (desmaio), que representam uma taxa de 0,04 por 100 mil doses. Esse levantamento leva em conta as mais de 11 milhões de doses aplicadas em crianças nessa faixa etária.

Em documento enviado pelo Butantan à Anvisa (página 15), os resultados de um estudo de Farmacovigilância Ativa de junho de 2022, com 344 crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, mostraram que, desse total, 266 delas apresentaram algum efeito adverso provocado pela vacina, dentre eles dor no local da aplicação, cefaleia e sensibilidade no local da administração da injeção. Dos efeitos graves, nenhum foi por causa do imunizante. “Os eventos adversos graves observados após a administração de mais de 103 milhões de doses da CoronaVac no Brasil são considerados raros ou raríssimos”, diz trecho do documento (página 18).

No caso das vacinas de RNA mensageiro, a exemplo da Pfizer, a Anvisa e o Ministério da Saúde esclarecem que o risco de ocorrência de casos adversos, como miocardite, associado às vacinas contra Covid-19, permanece baixo. “Portanto, a recomendação pela continuidade da vacinação está mantida, uma vez que, até o momento, os benefícios dessas vacinas superam os riscos”, reforça o comunicado da Anvisa, de março deste ano. 

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) também esclarece, em seu site, que casos de miocardite e pericardite têm sido relatados muito raramente em vários países após a vacinação com as vacinas de mRNA, entre elas a da Pfizer. “Não foram observados acontecimentos adversos graves relacionados com a vacinação nos estudos”, reforça. 

Checagem similar foi produzida pelo Comprova.

Outro lado

A médica Maria Emilia Gadelha Serra encaminhou à Lupa um texto com diversos documentos que supostamente embasariam sua fala no vídeo que circula nas redes. Segundo ela, as afirmações foram feitas com base em informações públicas. “Infelizmente a falta de transparência em relação ao andamento dos estudos clínicos impediu e continua impedindo que os brasileiros exerçam plenamente o seu direito ao consentimento informado quando participando de pesquisas experimentais e consequentemente possam proteger suas crianças”, disse, em nota.

“O Chile aprovou como o Brasil, praticamente dispensando a fase 3 e depois chamou de fase 4 o uso dos relatórios das cobaias humanas que receberam a vacina aprovada precocemente sem qualquer garantia de segurança e ‘vendida’ por representantes da indústria farmacêutica com conflitos de interesses inaceitáveis”, prosseguiu.

Em julho de 2022, a Anvisa aprovou, por unanimidade, a extensão do uso da CoronaVac para a faixa etária de 3 a 5 anos. De acordo com o Butantan, os principais resultados apresentados durante a reunião foram de uma pesquisa do Chile, que aplica a CoronaVac nessa faixa etária desde dezembro de 2021. De acordo com o estudo publicado na revista Nature, o imunizante forneceu proteção de 69% contra internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 64,6% contra hospitalização por Covid-19. Participaram do estudo 490.694 crianças de 3 a 5 anos. “Esses resultados apoiam a vacinação de crianças de 3 a 5 anos para prevenir doenças graves e complicações associadas e destacam a importância de manter proteções em camadas contra a infecção pelo SARS-CoV-2”, diz o texto do artigo.

“Não há nenhum relato de eventos adversos graves decorrentes da utilização de CoronaVac em crianças e o Butantan tem monitorado de perto a efetividade das vacinas, por meio de estudos de acompanhamento e de farmacovigilância ativa”, disse o Butantan, em nota enviada à Lupa.

Em sua resposta, a médica Maria Emilia Gadelha afirmou ainda que o contrato estabelecido entre Pfizer e o governo brasileiro garante “isenção total de responsabilidade” para a fabricante em casos de efeitos graves adversos. Isso, contudo, não prova que a vacina não tem eficácia e que há riscos para as crianças.

Nota: Este conteúdo foi produzido pela Lupa com apoio do Instituto Todos pela Saúde (ITpS)

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