Publicado originalmente em Observatório de Comunicação Pública – OBCOMP. Para acessar, clique aqui.
Os cientistas políticos e professores Samuel Barros e Rafael Cardoso Sampaio explicam como as consultas públicas online podem incrementar a democracia e analisam seu potencial para estreitar as relações entre os cidadãos e o Estado brasileiro.
Neste momento em que o governo federal se vê diante do desafio de reconstruir os necessários vínculos políticos com o Congresso, mas também com a sociedade, defendemos que as consultas públicas online devem ser consideradas como uma estratégia que apresenta importantes ganhos democráticos e republicanos.
As consultas online permitem que os cidadãos tomem conhecimento dos projetos e propostas do governo quando estes ainda são minutas e permitem que os atores sociais interessados no tema em consulta possam manifestar seus argumentos e posições por meio de plataforma pública, bem como, se for o caso, também por outros meios legítimos de manifestação política.
Nestes termos, podemos entender as consultas públicas tanto como um mecanismo de participação como também de monitoramento por parte do cidadão das propostas dos governantes. O Estado brasileiro tem experiência acumulada no assunto. Fomos inovadores, por exemplo, nas consultas realizadas durante o processo de elaboração e regulamentação do Marco Civil da Internet. As nossas agências reguladoras e fundações têm as consultas públicas como parte institucionalizada de seu processo de tomada de decisão.
A falta de uma plataforma unificada era um dos principais problemas das consultas brasileiras, quando comparadas com a prática de países como Estados Unidos e Inglaterra, foi superada pela criação da plataforma Participa + Brasil (ver aqui. O problema da identificação confiável dos participantes, foi resolvido pela existência das chaves Gov.br (ver informações aqui).
Assim, neste momento, o Brasil dispõe de um ferramental tecnológico, que permite a padronização das consultas, bem como permite que o cidadão facilmente encontre consultas sobre temas de seu interesse. Poderíamos fazer o registro do que falta, mas por ora é suficiente o registro de que estamos no caminho para uma plataforma de participação tão qualificada quanto a inglesa Policy Papers and Consultations.
Se já temos tanta experiência com as consultas públicas realizadas por meio da internet, se temos condições tecnológicas satisfatórias, por que as consultas não ganham relevância política na estratégia de comunicação entre o governo federal e a sociedade brasileiras?
As consultas públicas online são prática de governança recomendada pela OCDE, pelo Banco Mundial, praticada sistematicamente pela União Europeia e seus países membros, mas parece ainda não ter conquistado um espaço politicamente adequado no Estado brasileiro vis-à-vis seus benefícios para a cidadania.
Por um lado, os governos parecem não levar a sério a possibilidade desses mecanismos de participação de fato ajudarem a agregar ideias e perspectivas legítimas na elaboração de políticas públicas e todo tipo de normas e leis. Por outro lado, a sociedade quase sempre não percebe nesses mecanismos de participação um modo de ação política eficiente ou com bom custo-benefício, ainda que o custo de participação seja baixo. Mesmo o jornalismo, por vezes, não noticia adequadamente iniciativas de participação que atendem os critérios de noticiabilidade, reportando apenas eventuais problemas processuais.
Finalmente, grupos de advocacia de interesses e lobistas concentram seu esforço na influência direta sobre o tomador de decisão, rechaçando as consultas públicas, as quais jogam luz sobre questões que de outra forma poderiam permanecer obscuras e tratadas apenas a portas fechadas nos gabinetes.
Neste mês de abril de 2023, o governo Lula anunciou que a discussão do Plano Plurianual de 2024 a 2027 contará com participação via internet. Os termos dessa participação ainda precisam ser definidos, mas fica a expectativa de que o PPA possa ter um efeito positivo para as consultas públicas digitais e presenciais de maneira similar ao exemplo do Marco Civil da Internet. Como se trata de uma rara experiência de um país abrir parte de seu orçamento para discussão pública, acreditamos que há bastante chance de que a plataforma digital possa servir para outras consultas ou inclusive ser incorporada ao portal de consultas supracitado, bem como que o mesmo seja reconhecido na sociedade brasileira e no âmbito internacional como uma interessante experiência, capaz de fomentar outras consultas no governo federal e em outros níveis. Trata-se de uma primeira experiência para a formatação de um contrato político entre governo e sociedade que valorize as consultas online, mas que pode ter diversas consequências positivas, como abordamos em outro texto.
Temos experiência política, temos tecnologia, precisamos melhorar as condições políticas para que a sociedade – e seus muitos interesses (muitos deles conflitantes entre si) – possa exercer ativamente a cidadania em marcos democráticos e republicanos.
Samuel Barros
Professor em Ciência Politica na Universidade Federal da Bahia
Contato: samuel.barros77@gmail.com
Rafael Cardoso Sampaio
Professor em Ciência Politica na Universidade Federal do Parana
Contato: cardososampaio@gmail.com
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