Rockeiras da Maré promovem Favela Rock na Areninha Cultural

Publicado originalmente em Jornal O Cidadão do Bairro da Maré. Para acessar, clique aqui.

Texto: Carolina Vaz

Foto de capa: Ana Cristina da Silva

É uma antiga tradição: a Lona Cultural Herbert Vianna, na favela Nova Maré, promove shows de rock há pelo menos 16 anos, tendo consolidado o conhecido evento Favela Rock. Mas, desta última vez, algumas coisas mudaram: a Lona agora tem o nome de Areninha Cultural Herbert Vianna, e o último Favela Rock, realizado em 18 de outubro, foi organizado exclusivamente por mulheres: as Rockeiras da Maré.

Vivian Lee e Neide Silva vêm desta tradição de ter passado a juventude frequentando os shows e festivais de rock na Lona, e há alguns anos começaram a se juntar com outras mulheres que queriam curtir o estilo juntas. Agora como coletivo, elas decidiram ir além: são parte do primeiro grupo de mulheres a organizar um Favela Rock. Para esta primeira edição, foram convidadas as bandas cariocas New Day Rising, também chamada de NDR, e Skorno, e ainda a Real House of Hate, de Medellín, Colômbia. As bandas foram recepcionadas por Vivian, Neide e Priscilla Carlos e puderam se apresentar ao público mareense na estrutura renovada da Areninha, reformada há pouco tempo.

As três bandas confraternizaram antes do primeiro show, da New Day Rising. Foto: Ana Cristina da Silva.
A favela e o hardcore

Em entrevista, os integrantes das bandas explicaram haver uma identificação entre as letras das músicas do hardcore que fazem e os problemas dos territórios favelados e periféricos. Renato “Rasta”, vocalista da NDR, comentou que o estilo musical é capaz de unir pessoas de lugares diferentes falando a mesma linguagem pela mesma cultura. “Nós temos o mesmo inimigo em comum que é o sistema capitalista, que é o sistema que oprime a classe trabalhadora, como somos todos nós aqui. Eu acho que estar aqui na favela da Maré, tocando para as pessoas da favela da Maré, para a gente é um privilégio”, afirmou.

O repertório da NDR é inspirado em grupos como o brasileiro Dead Fish e o estadunidense Pennywise. Foto: Ana Cristina da Silva.

Do mesmo modo, o vocalista do Skorno, Bruno Xista, mostrou a importância de fazer parte de um evento cultural que mostra, como muitos outros elementos da Maré, que a favela não se resume a violência e problemas sociais. “Movimentos como esse buscam trazer uma nova visão, uma outra forma de ver a favela e os produtos que vêm da favela, a forma como a favela consome cultura, música, no geral”. Todo o contexto gera, também, uma identificação com a banda colombiana Real House of Hate. Segundo o vocalista Jorge Posada, “Vivemos situações similares de drogas, violência, falta educação, falta cultura (…) estamos muito agradecidos de estar aqui nesse momento basicamente levando o nosso bairro a outros bairros”.

Eles ainda destacaram o fato de ter sido o evento organizado por mulheres, tão frequentemente excluídas do cenário do rock tanto na organização quanto nas bandas. Segundo Renato Rasta, o movimento do hardcore é onde se espera esse protagonismo.

Foto: Ana Cristina da Silva.


“As pessoas que na maioria das vezes são marginalizadas encontram um espaço na subcultura para produzir cultura, quando do lado de fora não tem. Então é um evento organizado por meninas, onde tem pessoas pretas, onde tem pessoas favelizadas, e eu acho que o hardcore proporciona essa parada”. – Renato Rasta, vocalista da NDR

Ao mesmo tempo, Bruno Xista destacou o quanto ainda é rara a presença de mulheres nas bandas e a existência de bandas apenas de mulheres, o que acaba repetindo um padrão nos eventos de rock.: “Uma menina que está pegando uma guitarra agora pra começar a tocar ela percebe: ‘poxa, eu tenho pouquíssimo espaço’. E é importante esse tipo de trabalho, porque esse tipo de trabalho vai mostrar pra essa menina que: é, talvez tenha pouco espaço, mas é importante você chegar e tomar o teu”.

Com músicas autorais, a banda Skorno tem influências de bandas nacionais como Ratos de Porão e até da mareense Ágona. Foto: Ana Cristina da Silva.
A Real House of Hate é uma das poucas bandas de hardcore da Colômbia, e tem influências internacionais como Words of Concrete. Foto: Ana Cristina da Silva.
Mulheres à frente de uma tradição renovada

O atual coletivo Rockeiras da Maré nasceu por volta de 2016, como o grupo Garotas Rockeiras da Maré, que tinha como objetivo juntar mulheres para ir aos shows de rock no bairro. Uma delas, a fundadora Vivian Lee. O grupo chegou a ter mais de 20 meninas que se comunicavam para irem juntas aos eventos, fosse na Lona Cultural, na Tabacaria Drealocks (onde acontece o evento Rock de Favela) ou em outro local. Esse movimento se encerrou por alguns anos, e em 2023 ressurgiu como coletivo Rockeiras da Maré com o objetivo, também, de divulgar shows de rock e promover novos eventos.

O local escolhido para o primeiro evento foi exatamente a Areninha Cultural, que carrega a tradição do Favela Rock e tem toda a estrutura de palco, som, arquibancada e iluminação adequadas. Sobre a escolha das bandas, Vivian conta que já conhecia a NDR pelo Renato Rasta, a Skorno é uma banda amiga do coletivo e foi a Skorno que levou a Real House of Hate, pois tem o hábito de sempre levar uma banda estrangeira para tocar junto. Foram cerca de dois meses de organização.

Vivian Lee, Priscila Carlos e Neide Silva são as Rockeiras da Maré que organizaram o evento. Foto: Ana Cristina da Silva.

Segundo Neide Silva, elas também tinham muitos contatos por terem participado dos eventos de rock que já aconteciam na Maré há muito tempo. O próprio Jornal O Cidadão registrou, em 2008, o Primeiro Festival de Bandas de Rock da Maré, na Lona. Havia ainda bares onde as bandas se apresentavam como o Bar do Zé Toré, e o bar do Beto. Para ela, é preciso criar mais eventos e espaços para as bandas mareenses retomarem o contato com o público: “Nós temos muitas bandas boas e elas estão adormecidas, então eu acredito que hoje podemos até aproveitar esse processo para convidar essa galera, talvez num festival”. Como o último Favela Rock já mostrou, quem pode tomar essa frente são as mulheres, inovando com o protagonismo feminino.

Por trás de um evento aparentemente bem organizado, com tudo dando certo, houve muito descrédito por parte dos homens mareenses, como conta Vivian: “Existiu uma resistência em divulgação com os homens da Maré (…) mas eu vou lá e falo para eles ‘Ué, por que que vocês são melhores que a gente?’ Olha o que a gente fez agora, isso é uma grandiosidade”. Além de o Favela Rock ter tido a presença das três bandas divulgadas, com toda a estrutura necessária para o show, ainda foram instaladas no pátio da Areninha barracas para venda de itens como roupas, acessórios e material das bandas. Eram empreendimentos de mulheres que não iriam gerar nenhum lucro nem para a Areninha nem para o Rockeiras da Maré.

Público do evento ainda teve acesso a acessórios das bandas, como a Skorno. Foto: Ana Cristina da Silva.

O Favela Rock foi apenas o primeiro evento do coletivo, que não vai se limitar à Areninha e se mantém aberto para novas propostas de shows e outros eventos, assim como para a adesão de mais mulheres ao coletivo. Conheça pelo Instagram.

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