Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.
O Parlamento do Reino Unido aprovou, nesta terça-feira (19), o Projeto de Lei de Segurança Online, que agora está a um passo de se tornar lei no país. A proposta pretende tornar o Reino Unido “o lugar mais seguro do mundo para se estar online”, impondo tolerância zero para as empresas. A legislação, no entanto, vem sofrendo críticas, tanto das plataformas digitais, como da sociedade civil organizada preocupada com a privacidade dos usuários.
O projeto de lei traz novas obrigações para as plataformas digitais e garante que elas sejam responsabilizadas pelo conteúdo que hospedam. De acordo com o Parlamento, a legislação “adota uma abordagem de tolerância zero para proteger as crianças”. Quando entrar em vigor, as plataformas deverão:
- remover conteúdo ilegal rapidamente ou impedir que ele apareça, incluindo conteúdo que promova automutilação;
- impedir que crianças acessem conteúdo prejudicial e impróprio para a idade;
- impor limites de idade e medidas de verificação de idade;
- garantir que os riscos e perigos às crianças nas maiores plataformas de redes sociais sejam mais transparentes, nomeadamente através da publicação de avaliações de risco;
- fornecer aos pais e crianças maneiras claras e acessíveis de relatar problemas online quando eles surgirem.
“Estou imensamente orgulhosa do que conseguimos com este projeto de lei. A nossa abordagem de bom senso proporcionará um futuro melhor ao povo britânico, garantindo que o que é ilegal offline é ilegal online. Coloca a proteção das crianças em primeiro lugar, permitindo-nos capturar criminosos digitais e reprimir os crimes hediondos que procuram cometer”, disse Michelle Donelan, secretária de tecnologia do país.
Além disso, a lei coloca novas “camadas de proteção” para usuários adultos, como a remoção dos conteúdos ilegais, a possibilidade de responsabilizar legalmente as plataformas para que elas cumpram seus termos de uso e, por fim, a obrigação de que as empresas ofereçam aos usuários a opção de filtrar conteúdo prejudicial, como bullying, que eles não desejam ver online.
As novas regras impostas serão aplicadas pela agência reguladora de telecomunicações do Reino Unido, a Ofcom. Caso as plataformas descumpram o previsto na lei, estão sujeitas a multas de até £18 milhões (mais de R$108 milhões) ou 10% da sua receita anual global, o que for maior. Isso significa, na prática, que as multas aplicadas às maiores plataformas poderão atingir até bilhões de libras.
“Logo após o projeto de lei receber o consentimento real, faremos consultas sobre o primeiro conjunto de padrões que esperamos que as empresas de tecnologia cumpram no combate aos danos ilegais online, incluindo a exploração sexual infantil, a fraude e o terrorismo”, disse a presidente-executiva da Ofcom, Dame Melanie Dawes.
À BBC, Imran Ahmed, do Centro de Combate ao Ódio Digital, parabenizou a aprovação do projeto de lei, argumentando que “muita tragédia já aconteceu com as pessoas neste país por causa das falhas morais das empresas de tecnologia”.
Riscos à privacidade
No entanto, a legislação não é unanimidade. A Wikimedia Foundation, organização sem fins lucrativos que hospeda a Wikipédia, manifestou receio sobre a lei. A preocupação é que os requisitos estabelecidos pela legislação inviabilizem o modelo de moderação do conteúdo da plataforma, que atua de forma colaborativa com editores em todo o mundo. O projeto de lei, de acordo com a organização, não faz distinção entre sites de interesse público e grandes empresas de tecnologia com fins lucrativos.
Outro ponto destacado pela Wikimedia Foundation é a obrigação imposta de verificar a idade dos usuários, “o que é incompatível com o compromisso do site com a privacidade do usuário e a liberdade de expressão”, explica a organização.
A organização Open Rights Group também elencou as possibilidades de violação à privacidade com as medidas de verificação etária. De acordo com o movimento, essa medição poderia ser feita pelos sites a partir da solicitação de documentos, com dados biométricos ou até digitalizações faciais.
“Isto resultará numa enorme mudança na disponibilidade de informação online e representará uma séria ameaça à privacidade dos utilizadores da Internet no Reino Unido. Isso tornará muito mais difícil para todos os usuários o acesso ao conteúdo de forma privada e anônima, e tornará muitos dos sites e plataformas mais populares responsáveis se não bloquearem ou filtrarem fortemente o conteúdo de qualquer pessoa que não verifique sua idade. Isto se soma aos perigos que o projeto de lei representa para a criptografia”, argumentou a entidade.
O Open Rights Group também alertou sobre a proibição de determinados conteúdos na rede, que pode resultar em uma moderação desproporcional pelas sanções que as plataformas podem sofrer, causando censura de um conteúdo legal e inofensivo. “Embora o objetivo político seja bem intencionado, o resultado será perigoso. A exigência de restrição de idade superará o equilíbrio de direitos. Corre o risco de uma interferência desproporcional no direito das crianças e dos adultos ao acesso à informação e nos seus direitos de liberdade de expressão”, pontuou. .
Outro ponto destacado é a possibilidade de a lei colocar em risco mensagens criptografadas em serviços de mensagem como WhatsApp e Signal. Isso porque a legislação prevê que esses apps seriam obrigados a verificar as mensagens dos usuários em busca de material de abuso sexual infantil. O WhatsApp, inclusive, ameaçou deixar o Reino Unido caso isso ocorra.
Já o Signal, em resposta ao site The Verge, disse estar em contato com a Ofcom para que eles não utilizem “o poder desenfreado e sem precedentes que lhes foi conferido pela Cláusula 122 para minar a infraestrutura de comunicações privadas”. A presidente do Signal, Meredith Whittaker, disse ao The Verge que não existe perigo iminente da empresa sair do Reino Unido, apenas no caso em que sejam obrigados a mudar as garantias de privacidade das pessoas.
À Reuters, o governo do Reino Unido disse que o projeto de lei não proíbe a criptografia de ponta a ponta, mas exige que as empresas tomem medidas para impedir o abuso infantil nas suas plataformas e, como último recurso, desenvolvam tecnologia para digitalizar mensagens encriptadas.