Rede de pesquisadores analisa os impactos sociais da pandemia no Brasil

Publicado originalmente em Jornal da Universidade por Joyce Rocha. Para acessar, clique aqui.

Sociedade | Liderada pela UFRGS, a Rede Covid-19 Humanidades investiga como a crise sanitária afeta profissionais da saúde e populações vulnerabilizadas a partir de um olhar antropológico

*Foto de capa: Anna Ortega

Em outubro de 2020, a transmissão do coronavírus foi classificada pela Organização Mundial da Saúde como uma pandemia. Uma escala global, contudo, não significa universalidade. Os efeitos são múltiplos e variam de acordo com as particularidades de cada grupo social. Para compreender de que forma a doença afeta profissionais da saúde e populações em vulnerabilidade, a Rede Covid-19 Humanidades foi criada, com coordenação da UFRGS e financiamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Professor do Departamento de Antropologia da UFRGS, escolhido como coordenador da rede, Jean Segata estuda epidemias como a do zika vírus, da dengue e do chikungunya no Brasil desde 2014. A encomenda de pesquisa sobre os impactos sociais da covid-19 realizada ao professor e a outros pesquisadores pelo MCTI deu origem à rede. São 106 pesquisadores que atuam em 11 estados do país. 

O projeto compõe um conjunto de ações da Rede Vírus MCTI, que mobiliza instituições para o desenvolvimento de diagnósticos, tratamentos, vacinas e produção de conhecimento sobre o coronavírus no Brasil. Entre os grupos de pesquisa, o Rede Covid-19 Humanidades é o único da área das ciências humanas e sociais. 

“Nós das humanidades estamos tentando entender como uma pandemia se estabelece: quais são as condições de trabalho que as pessoas têm no dia a dia, como elas vão para o trabalho, como circulam, como entendem o sentido de se proteger, como fazem para gerir as situações de risco no dia a dia, como calculam as escolhas que precisam fazer”

Jean Segata

Segundo a pesquisadora Patrice Schuch, o objetivo é ir além de uma perspectiva centrada no vírus, que estuda as consequências do encontro do microrganismo com um corpo. Os integrantes pretendem analisar a complexidade da pandemia a partir de um olhar antropológico. “Nós trabalhamos com redes de relações de modo a possibilitar uma diversidade de gênero, raça e classe necessária à compreensão dos impactos da pandemia. Uma das questões mais importantes advindas da antropologia e das ciências sociais é tentar complexificar essa relação de risco que a pandemia coloca”, explica. 

Atualmente as pesquisas são realizadas em parceria com sete instituições: Fiocruz, Instituto Brasil Plural da UFSC, UnB, Unicamp, UFRN e UNIDAVI. Os estudos ligados aos profissionais da saúde concentram-se na Fiocruz, enquanto a UFRGS e as outras instituições têm maior enfoque em populações vulneráveis, como idosos, trabalhadores de frigoríficos, motoristas e entregadores de aplicativos e trabalhadores do setor artístico-cultural.

Professora do Departamento de Antropologia da UFRGS, Ceres Víctora reforça que “estudar a pandemia do ponto de vista das Ciências Sociais implica estudar as famílias, as redes e os movimentos da população ao longo do tempo. Isso é o que faz a pandemia, e não apenas um vírus, sobre um indivíduo”. 

Compreender as particularidades das populações vulneráveis e os agravantes locais permite pensar políticas públicas que dialoguem diretamente com a comunidade. “Se a pandemia produz impactos diferentes, nós não podemos produzir uma única resposta a ela. Precisamos produzir políticas públicas, uma preparação para que outras não aconteçam dessa forma, que conheçam as diferentes vulnerabilidades, os diferentes agravamentos”, enfatiza Jean Segata.

Os resultados das pesquisas, como produções técnicas e artigos, são publicados no site da Rede Covid-19 Humanidades. Em abril, o e-book Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia, que reúne publicações de 68 autores, foi lançado pela Editora Fiocruz e está disponível para download gratuito. Além disso, a rede já disponibilizou diversas orientações e planos de ação contra a pandemia.

Novo grupo em vulnerabilidade

Desde o início do projeto, as professoras Patrice e Ceres estudam a população idosa em isolamento social. Mas agora destacam o aparecimento de novos grupos em vulnerabilidade que não existiam no começo da pandemia, como pessoas que contraíram a doença e ficaram com sequelas.

Elas contam que essas pessoas têm enfrentado dificuldades no mercado de trabalho. Muitas chegaram a ser demitidas pelas consequências e mudanças causadas pelo coronavírus. “A ideia dos recuperados do vírus é uma noção bastante questionável, na medida em que temos várias pessoas que, sim, se livraram da fase aguda do vírus, mas continuam com sequelas até agora”, explica Ceres.

O grupo de pesquisa das professoras tem acompanhado a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico), que traz reivindicações de pessoas afetadas pela pandemia. Para as pesquisadoras, a associação é um exemplo de mobilização da sociedade como uma resposta à covid-19 e à má gestão da pandemia.

Comitês de gerenciamento e as ciências humanas

O coordenador da rede lamenta a ausência de representantes das Ciências Humanas e Sociais nos comitês de enfrentamento à pandemia. “É difícil uma pesquisa da área ter um lugar nesses assentos de gerenciamento. E seria imprescindível. Se a pandemia é um fenômeno social, deveriam ter cientistas sociais, pesquisadores de políticas públicas, antropólogos, sociólogos, psicológicos, um comitê interdisciplinar, mas não temos”, lamenta.

“É necessário entender as pessoas na pandemia e como elas se organizam individual e coletivamente para ter planos de ação. Quando a pandemia é reduzida a um vírus e se trabalha em torno disso, se esquece de todas as outras questões”

Jean Segata
 Em 2020, a pandemia de coronavírus transformou a rotina de todos nós. Gestos antes pouco conhecidos foram incorporados ao cotidiano como formas de proteção do contágio pelo vírus. As imagens desta reportagem foram feitas por Anna Ortega, como um ensaio para a disciplina de Fotojornalismo I, do curso de Jornalismo da Fabico/UFRGS, ministrada pela profa. Ana Taís Martins, no segundo semestre do ano passado.

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