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Artigo | Mauricio Andrade Weiss, docente do Departamento de Economia e Relações Internacionais, faz uma apreciação do contexto que levou à atual recessão técnica na economia e aponta possíveis saídas
*Por: Mauricio Andrade Weiss
*Foto: Flávio Dutra/JU
O Ministro da Economia Paulo Guedes afirmou reiteradas vezes que a economia brasileira teria um crescimento em V (vê), isto é, após a súbita queda, a economia iria se recuperar e a partir de então iria decolar. No dia em que foi divulgado o resultado negativo do PIB do terceiro trimestre de 2021, o referido ministro afirmou que “o Brasil está decolando de novo”. Essa afirmação ocorreu no contexto de recessão técnica, a qual se configura quando o PIB registra dois trimestres seguidos de crescimento negativo.
Em termos de previsão, o último Boletim Focus apontou um crescimento de 4,71% em 2021. Caso se confirme, isso significa que, no acumulado de 2020 e 2021, o crescimento será de apenas 0,59%. Para 2022, o relatório prevê um crescimento de 0,51%. Ou seja, mantidas essas previsões, o crescimento do país se assemelha a um formato de raiz quadrada, já que, após a recuperação com a reabertura da economia, a dinâmica do PIB é de estagnação.
A compreensão do fraco desempenho do PIB brasileiro fica ainda mais evidente ao se comparar com outras economias. De acordo com o relatório de outubro do FMI para 2022, o mundo crescerá 4,9%, os países desenvolvidos, 4,5%, e os países emergentes e em desenvolvimento, 5,1%. A América Latina terá o menor crescimento de todas as regiões: 3%, puxada para baixo pelo crescimento do Brasil (1,5%) – número semelhante ao do Relatório Focus sobre o mesmo período, que prevê um crescimento de 1,57%.
Com intuito de melhor entender a baixa dinâmica recente do PIB brasileiro, são fundamentais uma comparação estrutural de longo prazo, outra de médio prazo e uma conjuntural. Na perspectiva de longo prazo, vê-se uma deterioração significativa no crescimento ao se comparar o período em que predominou a orientação do “Estado em prol do desenvolvimento”, de 1930 a 1980, cuja taxa foi de 6,31%, com o período posterior, que entre 1981 e 2004 registrou 2,12% (ver Dathein).
A combinação de um cenário externo favorável com políticas de distribuição de renda, investimento e financiamento público, entre outras, possibilitou aos governos Lula alcançar a média de 4%. Limitando ao período em que Mantega, mais desenvolvimentista, se manteve no Ministério da Fazenda, essa taxa sobe para 4,47%. Durante o primeiro Governo Dilma, contudo, já se observa uma desaceleração na taxa de crescimento, registrando 2,1%, patamar quase idêntico ao do período de 1981 a 2004 referenciado acima. Analisando todo o período em que Mantega se manteve na Fazenda, a taxa média foi de 3,52%. Excluindo 2014, a taxa sobe para 3,90%.
O leitor pode se perguntar: mas por que retirar 2014? Pelo impacto negativo da Lava-jato sobre a atividade econômica, que, de acordo com Weiss, Saviani Filho e Aguiar Filho, foi um dos cinco fatores que levaram à crise econômica de 2015 e 2016: (1) Administração macroeconômica; (2) Crise externa; (3) Ajuste fiscal; (4) Lava-jato; e (5) Crise política. Ainda se pode incluir as manifestações de 2013 (ver Moreira). Outra perspectiva complementar é de que a combinação da elevação do salário mínimo com a apreciação prolongada do real reduziu a competividade da indústria (Oreiro e Paula) e a taxa de lucro, o que, por sua vez, potencializou a crise política (Marquetti, Hoff e Miebach).
A perda de dinamismo industrial é um aspecto estrutural importante, mas sozinha não é capaz de explicar os motivos de a economia ainda não ter conseguido recuperar o patamar pré-crise: comparando o PIB de 2019 com o de 2013, observa-se uma queda 1,94 ponto percentual (p.p.). Dentre os cinco – ou seis – pontos elencados para a referida crise, além da Lava-jato, que teria provocado uma queda de 3,6 p.p. no PIB entre 2014 e 2017 (DIEESE), o terceiro fator ainda possui impactos negativos para a dinâmica contemporânea de baixo crescimento e elevado desemprego (26,5% no sentido amplo), que são os efeitos de médio prazo. Isso ocorre porque os governos que sucederam o de Dilma Rousseff acentuaram a prática de ajuste fiscal e de retirada do Estado no papel de impulsionador do desenvolvimento.
As apostas da agenda econômica atual são de que as reformas constitucionais levariam à retomada do crescimento econômico e do emprego. Isso foi o prometido em todas as reformas já aprovadas. Outra promessa de crescimento é por meio das privatizações. Como o crescimento nunca vem, a solução é continuar reformando e privatizando, até que não se tenha mais as garantias de bem-estar social propiciadas pela Constituição de 1988 e de mecanismos de promoção do desenvolvimento pelo Estado.
Por fim, os efeitos conjunturais que dificultam a retomada do crescimento, tal como, dentre outros, a redução real das transferências de renda em R$ 11 bi para 2022 (ver Amaral), teriam origem na elevação da inflação – essa sim está decolando, afinal o IPCA atingiu 9,26% no acumulado do ano até novembro – e no crescimento da taxa básica de juros, que chegou a 9,25% ao ano – e com evidências para ao menos uma nova alta de 1,5 p.p. A combinação de ambas enfraquece os principais canais de crescimento do último trimestre, que são a construção civil (3,9%), pela perspectiva da oferta, e o consumo das famílias (0,9%), pela perspectiva da demanda.
Limitar o controle da inflação pela taxa de juros, especialmente quando é predominante de custo, como no atual contexto, além de pouco eficiente, traz custos fiscais. Em outubro, Felipe Salto, do IFI, calculou que cada elevação de 1 p.p. provoca aumento de R$ 57,7 bi no custo médio da dívida bruta. Já o Banco Central do Brasil calcula que essa mesma elevação na taxa de juros aumenta em R$ 35,1 bi o montante da dívida líquida sobre o PIB.
Como destacamos em Sampaio e Weiss, há um conjunto de medidas que o Estado poderia adotar para atuar na questão da inflação, tais como repensar a atual estratégia de preços da Petrobras e os fundos de estabilização para os preços de energia elétrica, a retomada dos estoques de alimentos, entre outros. Nesse sentido, o Estado deve assumir um papel central tanto para a recuperação da economia e consequentemente do mercado de trabalho quanto para conter a aceleração da inflação.
Mauricio Andrade Weiss é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.