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O deslocamento de pessoas por desastres ambientais é uma das consequências mais devastadoras do momento presente e tem atingido comunidades inteiras em decorrência de seus impactos. Sob uma perspectiva global, a Organização das Nações Unidas (ONU), ao celebrar a COP26, apontou que as mulheres são as mais afetadas pela crise climática que também se configura como uma crise humanitária. Segundo a ONU, 80% das pessoas forçadas a cruzar fronteiras devido a desastres e mudanças climáticas são mulheres e crianças.
Portanto, os impactos dessa crise não são neutros. Mulheres e meninas enfrentam riscos cada vez mais sérios e podem, em algumas circunstâncias, precisar de proteção internacional.
Países em desenvolvimento ou emergentes no processo econômico e social – são os mais impactados pela crise climática, desastres ambientais e conflitos civis e armados por recursos naturais – a garantia de água, comida e combustível para as famílias em grande parte é condicionada, estruturalmente, às mulheres, situação essa que pode ser mais complexa durante enchentes e secas, por exemplo. Uma vez que as mulheres precisam ir mais longe para coletar comida e água, ficam mais expostas a diferentes tipos de violência, incluindo abuso e violência sexual.
No Brasil, as catástrofes impulsionadas pelas mudanças climáticas, como as enchentes, inundações e os deslizamentos de terra ocorridos no início deste ano, especificamente nos estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro (Petrópolis) e Pernambuco, têm se tornado cada vez mais frequentes. E as pessoas mais afetadas têm sempre o mesmo gênero e cor.
Esse fato ocorre, principalmente, porque o processo de desenvolvimento das cidades carrega em si mesmo uma lógica desigual, expulsando as populações minorizadas das zonas mais seguras para as áreas de risco. Estruturando toda uma omissão histórica por parte dos Estados na construção de políticas públicas que priorizem o direito das mulheres e um caminho para a justiça ambiental e racial.
Conforme apontam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos lares chefiados por apenas uma pessoa no país, sem cônjuge, e com filho(s) de até 14 anos, 54% encontram-se abaixo da linha da pobreza. Dessas famílias, 63% são chefiadas por mulheres pretas ou pardas e que habitam periferias das cidades.
Para se ter uma ideia, das pessoas entrevistadas para o desenvolvimento da linha de base do projeto Resposta Emergencial Bahia e Minas Gerais, da rede Cáritas, 78,69% eram mulheres. O dado aponta que esse grupo foi o mais atingido pelos efeitos das fortes chuvas do final de 2021 e início de 2022 nesses estados.
A atividade mineradora no país também escancara sua face mais perversa, com rompimentos de barragem de rejeitos de grandes proporções, com casos mais emblemáticos em Minas Gerais (Rompimento da barragem de Fundão da Samarco/Vale/BHP, 2015, Mariana; Rompimento da barragem da Vale S.A, 2019, Brumadinho) e no Pará (Rompimento da barragem da Hydro Alunorte, 2018, Barcarena).
Os rompimentos de barragens são exemplos reais que demonstram como projetos desenvolvimentistas – seja por meio da mineração, do agronegócio ou das hidrelétricas – têm se mostrado danosos e prejudiciais, especialmente, para populações racializadas – pessoas negras, indígenas e quilombolas e as comunidades tradicionais – já que são seus territórios os alvos mais recorrentes das empreitadas transnacionais. Acirrando as desigualdades ambientais e exclusão fundiária, bem como o contexto de violência racial e de gênero no país.
Após seis anos de uma cadeia de retrocessos, a eleição do presidente Lula traz ânimo para o debate acerca do tema, ao incorporar em seu plano de governo a pauta da justiça climática e dos racismos. Debates essenciais para a elaboração de estratégias mais robustas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, incorporando inclusive, a dimensão de gênero nos diferentes graus de impactos dos eventos climáticos e desastres naturais.
Nesta perspectiva, a Cáritas Brasileira tem atuado junto a comunidades tradicionais, quilombolas, povos indígenas, ribeirinhas, fundo e fecho de pasto, assentamentos e populações urbanas – principalmente periféricas, para a promoção do Bem Viver a partir dos princípios antirracistas e de equidade de gênero, fortalecendo a convivência com os biomas, a economia popular solidária e a produção agroecológica, pautada na preservação da sociobiodiversidade e na diversidade cultural dos nossos povos.
Nos 21 Dias de Ativismo, que tiveram início em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, passando pelo 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, e que vai até 10 de dezembro, data em que se celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Rede Cáritas se propõe a fortalecer a luta pelo fim das violências racial e de gênero!
Esse é o compromisso da Cáritas. Neste novo momento, pretendemos continuar nosso trabalho em prol da defesa daqueles que preservam o planeta. Com um pouco mais de esperança, pretendemos seguir avançando em consonância com a Carta Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, em que ele convida toda a humanidade a enxergar o planeta como uma Casa Comum, reforçando o dever de todos e todas de zelar, defender e denunciar violações.
Referências:
1- ONU. Como fazer valer o direito das mulheres à moradia? Disponível em http://www.labcidade.fau.usp.br/download/PDF/2011_ONU_Direito_das_Mulheres_a_Moradia.pdf
2 – CEPAL. A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: As mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira, 2021. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/publicaciones/46643-dimensao-genero-big-push-sustentabilidade-brasil-mulheres-contexto-transformacao
3 – IBGE. Síntese de indicadores sociais – Uma análise das condições de vida da população brasileira, 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf
4 – ActionAid. Mulheres, mudanças climáticas e pobreza, 2019. Disponível em: https://actionaid.org.br/noticia/mulheres-mudancas-climaticas-pobreza/
5 – Greenpeace. Mulheres indígenas debatem mudanças climáticas para garantir proteção territorial. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/mulheres-indigenas-debatem-mudancas-climaticas-para-garantir-protecao-territorial/
6 – MANFRINATE, Rosana. Fontes do imaginário e da educação ambiental: Cartografia e justiça climática nas águas e sentidos das mulheres pantaneiras, quilombolas e mariscadoras, 2018. Disponível em: https://ri.ufmt.br/bitstream/1/1549/1/TESE_2018_Rosana%20Manfrinate.pdf
7 – Carta Encíclica https://www.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf
8 – ONU. COP26: 80% dos deslocados por desastres e mudanças climáticas são mulheres. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/157806-cop26-80-dos-deslocados-por-desastres-e-mudancas-climaticas-sao-mulheres
9 – DEUTSCHE WELLE. Por que a mudança climática atinge mais as mulheres. Disponível em https://www.dw.com/pt-br/por-que-a-mudan%C3%A7a-clim%C3%A1tica-atinge-mais-as-mulheres/a-61980319
Edição: Glauco Faria