Projeto ambiental de R$ 500 milhões não sai do papel há dois anos

Publicado originalmente em Fakebook.eco. Para acessar, clique aqui.

Mascateado pelo ministro Salles como principal agenda do governo para o clima, Floresta+ não chegou nem a selecionar beneficiários

Floresta+ foi criado na gestão Temer e obteve recursos por redução do desmatamento no governo Dilma

Aprovado pelo fundo climático da ONU há dois anos, no início da gestão Bolsonaro, o projeto Floresta+ continua no papel, apesar das recorrentes menções em redes sociais do governo federal.

O Floresta+, inicialmente (e falsamente) vendido pelo ministro Ricardo Salles como “o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo”, obteve US$ 96,5 milhões (cerca de R$ 500 milhões) do Fundo Verde do Clima (GCF, na sigla em inglês). A negociação foi iniciada em 2018, no governo Temer.

O Brasil conseguiu os recursos por resultados na redução do desmatamento em 2014 e 2015, no governo Dilma. O GCF é o fundo multilateral criado no âmbito do Acordo de Paris para financiamento de projetos que gerem benefícios ambientais globais relacionados à mudança do clima.

É com essa mesma lógica – de pagamentos por resultados – que doadores como Noruega e Alemanha depositavam no Fundo Amazônia, paralisado desde 2019 pelo governo Bolsonaro.

proposta de financiamento submetida ao fundo da ONU estabelece que a seleção de beneficiários do Floresta+ ocorreria ao longo dos primeiros 12 meses de implementação.

O projeto foi aprovado pelo GCF em fevereiro de 2019 e documentos oficiais apontam janeiro de 2020 como início efetivo do Floresta+.

Agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia são o público-alvo do projeto original. Com o pagamento a quem conserva e recupera a vegetação, o objetivo é desestimular a derrubada da floresta.

Resposta obtida pela Agência Rubrica por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra que o cronograma de seleção dos beneficiários não foi cumprido. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou no último dia 18 que “ainda não foram realizadas as chamadas públicas para a seleção de beneficiários do Floresta+”.

Outra etapa definida para o primeiro ano na proposta aprovada pelo GCF é a de consultas às comunidades tradicionais e indígenas, que não teriam ocorrido até o momento. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) informou em nota que não foi consultada sobre o Floresta+: “reiteramos que o atual governo só dialoga com indígenas quando obrigado judicialmente, e ainda assim não atende às demandas dos povos indígenas. Esperamos que o Floresta+ respeite o processo de consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Estaremos alertas para defender os direitos dos povos originários do Brasil.”

Procurados desde segunda-feira (22/02), o MMA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que também é responsável pela implementação do projeto, não haviam respondido até a publicação deste texto. O post será atualizado após as respostas.

Apesar de nenhum beneficiário ter sido selecionado, o MMA afirmou no Twitter em janeiro que “já tem entregas por todo o Brasil!”, acrescentando: “Confira ações do Lixão Zero, Floresta+, ecoturismo e muito mais!”

Em postagem na última sexta-feira (19/02), o ministro Ricardo Salles voltou a afirmar que o Floresta+ é o “maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo”, o que não é verdade.

“Pegamos um recurso que vem do GCF, R$ 500 milhões, e iniciamos um projeto piloto na Amazônia. É remunerar quem preserva”, disse o ministro no vídeo.

No projeto aprovado há previsão de pagamento para proprietários rurais que excedem a obrigação legal de manter a mata nativa em 80% de suas terras na Amazônia, mas Salles quer incluir entre os beneficiários aqueles que deveriam cumprir o que determina o código florestal. No caso do excedente de reserva legal, o proprietário receberia um incentivo para não desmatar área que de fato poderia ser desmatada com autorização.

“Ao invés de ter só a política da fiscalização, do comando e controle, tem um incentivo que precisa ser econômico para aquelas pessoas que têm as boas práticas: quem mantém a reserva legal preservada ou o excedente de reserva legal, as Áreas de Preservação Permanente (APPs), mata ciliar e assim por diante”, afirmou Salles. “O governo vai cadastrar esses pequenos e médios produtores, ribeirinhos, comunidades tradicionais e remunerá-los de acordo com aquilo que for mensurado e certificado ano a ano.”

O ministro já defendeu que o Fundo Amazônia seja usado para pagar indenizações a produtores rurais que ocupam terras em unidades de conservação.

Em reunião virtual na última quarta-feira (17/02) com o representante de Joe Biden para assuntos climáticos, John Kerry, Salles voltou a condicionar o eventual cumprimento de metas ambientais pelo Brasil à liberação de novos recursos internacionais – US$ 10 bilhões por ano, cifra que o governo nunca justificou.

No entanto, além dos R$ 500 milhões do Fundo Verde do Clima, o governo Bolsonaro trava há dois anos a aplicação de R$ 2,9 bilhões doados por Noruega e Alemanha para o Fundo Amazônia, e responde a um processo no STF por isso.

O projeto aprovado pelo GCF corresponde a um quinto do total disponibilizado para programas de redução de emissões por desmatamento pelo fundo no mundo inteiro. O Brasil recebeu a maior doação de recursos de REDD+ ocorrida até o momento.

Em postagem de dezembro, o MMA alega que outras iniciativas relacionadas ao Floresta+ foram realizadas em 2020, além do “projeto-piloto” na Amazônia: o “Floresta+ Carbono”, o “Floresta+ Formalizado” e a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.

Fakebook.eco apurou que o secretário da Amazônia e de Serviços Ambientais do MMA, Joaquim Pereira Leite, tem feito reuniões com o setor privado para “vender” o programa. Nos planos apresentados constam ainda um “Floresta+ Água” e um “Floresta+ Empreendedor”.

A lei que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais foi sancionada em janeiro pelo presidente Bolsonaro com vetos que fragilizam sua aplicação, prejudicando principalmente a transparência e o controle social. Mas o art. 41 do Código Florestal já previa o uso de incentivos econômicos e financeiros para conservação e recuperação da vegetação nativa.

O Floresta+ não dependia, portanto, da nova lei para funcionar. Um exemplo disso é o Programa Produtor de Água, também de pagamento por serviços ambientais, criado há duas décadas pela Agência Nacional de Águas (ANA).

Contrariamente aos objetivos do Floresta+, Bolsonaro ataca a fiscalização do cumprimento do Código Florestal desde a campanha eleitoral e reduziu a ação do Ibama em campo, como prometera na campanha: em 2020, as multas por crimes contra a flora na Amazônia caíram pela metade (50,2%) em relação ao último ano do governo Temer, apesar do aumento do desmatamento.

A nova lei sobre PSA também não resolve o problema mais crítico desse instrumento: a fonte de recursos financeiros. O pagamento por resultados pela redução do desmatamento (REDD+) poderia ser uma delas, mas a taxa de desmatamento na Amazônia aumentou sob Bolsonaro (34% em 2019 e 9,5% em 2020) – e possíveis doadores se afastaram diante da política ambiental do governo.

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