Publicado originalmente em O Estado do Piauí por Camila Santos e edição de Luana Sena. Para acessar, clique aqui.
Ser professor é um trabalho que vai além da transferência de saber em sala de aula. É ser um agente que transforma e impacta, não somente a vida de uma criança ou adolescente, mas de toda uma comunidade. Este é o pensamento que move Adonias Freitas, professor de Linguagens há sete anos que, além de cumprir as aulas curriculares obrigatórias da rede estadual, idealizou o projeto “A gente se resolve do portão pra fora”.
O nome do projeto é uma ressignificação da expressão ligada ao conflito para um novo conceito: levar a comunidade local a ocupar outros espaços para além da sala de aula. Antes da pandemia, cerca de 190 pessoas foram reunidas para ocupar praças, câmaras municipais ou quadras de esportes em diferentes municípios do estado aos finais de semana. O objetivo era preparar aqueles que quisessem fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sem restrição de idade ou nível escolar: do jovem estudante, a senhora dona de casa.
Os eventos em larga escala promovidos com doações de outros professores e moradores dos bairros por onde o projeto chega, é apenas uma das atitudes que demonstram o amor de Adonias pelo magistério. Por tanto gostar de educação, quando jovem, trocou a graduação em comunicação social para se dedicar a licenciatura. Quando se tornou professor, resolveu não apenas apontar os problemas, algo que acredita também ser necessário, mas procurou agir. “Não gosto de discursos simplistas, mas enquanto as coisas não mudam tentamos criar situações que motivem os alunos e possam mudar a realidade deles”, acrescenta.
Os encontros já aconteceram nas cidades de Regeneração, Angical, Tanque do Piauí e Oeiras. Mas, durante o período da pandemia, migrou para o meio virtual. “Foi um desafio muito grande chegar nesses estudantes”, relatou. “Isto foi desde a dificuldade no acesso a internet a fatores como saúde mental e desemprego”.
Não só a saúde dos estudantes que foi impactada. Um levantamento desenvolvido pela Nova Escola apontou que 68% dos educadores em 2020 relataram piora em sua saúde mental. Uma nova versão do estudo, elaborado este ano, apontou uma redução de quase 37% das taxas – algo que pode estar relacionado a retomada das aulas. 31% dos profissionais que responderam ao questionário, no entanto, relataram algum impacto emocional.
A professora Maria Vieira sabe bem como é atuar sob pressão. O início de sua carreira é caracterizado por ela como “bem traumatizante”. “Uma experiência válida e que não me esqueço até hoje”, relembra.
Os primeiros dias de Maria em sala de aula como professora foram com alunos do Ensino Infantil com deficiência. Sem preparo necessário para lidar com esse público e sem o acompanhamento de outros profissionais mais experientes, a docência gerou angústia. “Não sei como simplesmente não desisti”, conta. “Na época, eu trabalhava como auxiliar de outra professora, mas fazia quase tudo que a professora eletiva, que muitas vezes faltava à aula, e eu ganhava 450 reais pra trabalhar”, comenta.
Apesar da primeira experiência negativa, a professora começou a criar novas metodologias que, aliadas à vivência diária, possibilitaram que ela retornasse a trabalhar com crianças, inclusive com deficiência. Entretanto, com o tempo, surgiram outros problemas.
Maria sempre atuou na rede particular e, mesmo que a situação econômica da família de seus alunos não seja propriamente um problema, outras questões fazem parte da rotina. “Tive alunos sem acompanhamento, completamente abandonados pela família, que visivelmente não recebiam cuidado nem físico, nem emocional”, revela.
Entre as muitas histórias e experiências que coleciona em mais de uma década em sala de aula, há um caso em específico que a marcou. Corrigindo redações, ela se deparou com um texto em que uma criança de 11 anos relatava automutilação e fazia alusão à suicídio e depressão. “Eu simplesmente me desesperei porque em vez de dissertar ela começou a relatar sobre si mesma”, revela. “Falava de coisas muito específicas e com muita propriedade”
O olhar atento e sensível da professora foram capazes de associar os relatos da aluna a alguns pontos de mudança no seu comportamento. Mesmo com o susto inicial, a professora junto a escola acionaram os pais da estudante e deram início ao acompanhamento psicológico.
Dar aulas passa a ser um combo de missões atribuídas não só a ensinar, mas também ao compromisso de alçar juntos, alunos e professores, voos de progresso. “Me vejo na necessidade de cruzar caminhos, agregar minhas experiências e aprender”, encerra Maria.