Publicado originalmente em Nujoc Checagem por Márcio Granez. Para acessar, clique aqui.
Segundo o chefe do executivo de São Lourenço, MG, as internações foram zeradas depois da adoção do tratamento precoce
A cidade de São Lourenço, MG, teria zerado as internações e as mortes pelo novo coronavírus adotando o tratamento precoce. A informação circula em vídeo do vereador por Uberlândia Cristiano Caporezzo, do PATRIOTA, e chegou para checagem pela equipe do NUJOC como sugestão do aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz.
Além de Cristiano, o vídeo é apresentado pela vereadora Sargento Marisoll, PSD, também da cidade de São Lourenço, e traz o depoimento do prefeito da cidade, o médico Walter José Lessa, PTB. O vereador afirma que na cidade de São Lourenço nenhum comércio foi fechado, o turismo funciona normalmente e há zero internação e mortes por Covid-19: “Qual é o segredo desse milagre, prefeito?”, indaga ao chefe do executivo da cidade.
“O tratamento precoce, logo no início do quadro da doença. Isso mudou toda a lógica, toda a curva de internação. Passamos a ter zero de internação, zero de óbito na cidade de São Lourenço”, responde o prefeito. E continua: “Esse foi o grande diferencial. O tratamento precoce deve ser instituído para evitar as complicações que levam o paciente à ala do Covid-19, em seguida à UTI, com desfecho às vezes fatal”.
Não há provas de que o tratamento precoce funcione contra a Covid-19, pois não existem medicações eficazes contra o Sars-Cov-2. Diversas matérias já circularam na imprensa e nas agências de checagem sobre esse assunto, todas elas apontando a ineficácia do tratamento precoce. Nesta matéria aqui, você confere o que disseram a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Anvisa sobre o assunto.
O médico Fernando Gatti, que diagnosticou e tratou o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo: o que salva não é o tratamento precoce, e sim a assistência precoce: “No momento da suspeita diagnóstica, o paciente precisa procurar o quanto antes assistência médica de referência ou especialista relacionado à infecção do Sars-Cov-2, que basicamente acomete o pulmão. A partir daí, o médico estabelece junto com o paciente a melhor forma de acompanhamento”.
O vereador Cristiano Caporezzo prossegue: “São Lourenço é uma bolha de sucesso ao redor de diversas cidades aonde estão havendo diversas internações, muito sofrimento por Covid. E aqui, graças a deus, está indo tudo muito bem”. E o prefeito complementa: “Nós percebemos que lockdown não é a solução. (…) Tanto é que nós não fechamos nada, não quebramos a cidade, não fechamos o comércio, não geramos desemprego, e taí os resultados. Há 21 dias sem um óbito na cidade”.
O prefeito afirma ainda que os medicamentos adotados no protocolo da cidade são a ivermectina, azitromicina (para os com sintomas respiratórios), dexametasona, o zinco e a vitamina C. “Com isso nós praticamente zeramos as internações na UTI de São Lourenço.”
A informação sobre a queda nos números em São Lourenço procede – mas há ressalvas a fazer. Houve um boom de casos na cidade no final do ano passado e início deste, que também foi notícia. O boletim epidemiológico do município de São Lourenço mostra os dados mais recentes. O relativo sucesso da cidade em baixar os números da alta recente de casos parece ser mais o resultado do conjunto de medidas do que do tratamento precoce tomado de forma isolada.
Entre as medidas adotadas, estão a descentralização do atendimento para as Unidades Básicas de Saúde, a descentralização da testagem e a agilidade no acesso às vacinas, como você pode conferir nesta notícia, de 13 de março, publicada no site da prefeitura. Nela, também se informa que há 3 casos suspeitos e um confirmado em leito de ala clínica. No mapa de mortes por Covid-19 nos municípios brasileiros, do G1, São Lourenço aparece não exatamente como um caso de sucesso, mas entre os que apresentam 97,4 mortes por 100 mil habitantes, e índice de letalidade em 1,8%. Os cientistas alertam: um caso isolado não pode ser generalizado como solução sem que se tenham dados científicos para atestar sua validade geral.
Vidas e economia – A segunda onda da Covid-19 fez renascer o debate sobre os efeitos da crise sanitária na atividade econômica e no número de vítimas e doentes. O vídeo dos vereadores e prefeito vai na mesma direção, apontando um suposto “caso de sucesso” de tratamento preventivo como uma saída para a crise econômica associada ao lockdown.
A fala do vereador que finaliza o vídeo é um exemplo da dicotomia entre comércio e saúde: “Pessoal, é isso que nós precisamos em Uberlândia: tratamento precoce para salvar vidas e o comércio funcionando normalmente”.
O tratamento precoce não salva vidas, e por isso mesmo não constitui alternativa para medidas como o lockdown. O lockdown, quando efetuado de maneira efetiva, traz resultados também efetivos no combate à disseminação do SARS-Cov-2, como você confere nesta reportagem aqui. Nas últimas semanas, o recrudescimento da pandemia no Brasil, que já soma quase 300 mil mortos, tem obrigado prefeitos e governadores a utilizar o lockdown como medida para conter o colapso no sistema de saúde.
A agência de checagem Aos Fatos também checou a mensagem sobre a suposta eficácia do tratamento precoce na cidade mineira de São Lourenço, como você pode conferir aqui. O NUJOC já fez outras checagens sobre tratamento precoce. Nesta aqui, checamos que era falsa a notícia de que a cidade de Búzios teria zerado internações adotando o tratamento. Nesta outra aqui, checamos notícia sobre tratamento precoce na cidade de Porto Feliz, SP.