Prefeita de Canoinhas (SC) destrói livros e mente ao dizer que foram produzidos pelo governo federal

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por André Mello e Marcos André Lessa. Para acessar, clique aqui.

Atualizado às 17h para ajuste de redação.

Em vídeo no Instagram que viralizou, neste 18 de abril,  prefeita de Canoinhas (SC) Juliana Maciel (PL) aparece jogando no lixo livros do programa de educação nas escolas Mundoteca. Ela se referiu às obras como “porcaria” e alegou que não seriam adequadas para crianças e adolescentes, por não respeitarem os “valores” da família.  

Maciel, que se elegeu, pelo PSDB, em 2020, mas migrou para o PL,em 2023, disse: “Mais uma vez o governo do PT faz este tipo de coisa. Não é o que realmente uma criança ou até um adolescente precisa ler numa biblioteca. Então, aqui em Canoinhas, a gente jogou esse tipo de porcaria no lixo”. A prefeita, atualmente, conta com o apoio de PP e PL para concorrer à reeleição. 

Imagem: reprodução do Instagram

Os livros que aparecem no vídeo não fazem parte de programa do governo federal. Um deles, “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, conforme Bereia apurou à época, foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de autoria dos educadores da Suíça e França, Phillipe Chappuis, com o codinome ZEP e Hélène Bruller, nunca foi comprado pelo Ministério da Educação, nem foi distribuído em escolas. 

A mesma estratégia de associação falsa do livro ao PT foi utilizada nas campanhas presidenciais de 2018 e 2022. A obra publicada pela Companhia é voltada à crianças e jovens de 11 a 15 anos – e não para crianças a partir de 6 anos, como circulou nas mídias sociais e foi reforçado pelo então candidato Jair Bolsonaro em entrevista.

Imagem: reprodução do site da Companhia das Letras

O outro livro que a prefeita de Canoinhas joga no lixo é “As melhores do Analista de Bagé”, da Editora Objetiva, seleção de crônicas do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo ao público juvenil, que também não foi distribuído pelo governo federal. Ambos os livros constam na biblioteca comunitária Mundoteca, mas nunca foram indicados ou emprestados para crianças, segundo dirigentes. O primeiro é indicado para adultos e o segundo para o público juvenil.

Lei Rouanet, alvo constante de desinformação

Juliana Maciel ainda diz no vídeo que a Mundoteca seria “um programa do governo federal e tal, Lei Rouanet, essas coisas”. A Lei Rouanet é frequentemente usada em desinformações, como Bereia já checou várias vezes.   

A forma mais comum de financiar projetos via Lei Rouanet é o incentivo fiscal, prática que articula setor cultural, governo e setor privado”. Para beneficiarem-se de um incentivo fiscal, os projetos culturais devem, primeiramente, ser submetidos à avaliação de um corpo técnico, que verifica se o projeto se enquadra nos requisitos da lei. Uma vez aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), órgão que analisa se os projetos que buscam incentivos fiscais estão em conformidade com a lei, os projetos são autorizados a captar recursos junto ao setor privado. As empresas que investem em projetos culturais recebem descontos em impostos devidos ao governo. Quem decide quais projetos apoiar são as próprias empresas.

A Secretaria de Comunicação do governo federal também se pronunciou a respeito da Mundoteca de Canoinhas: 

“Peças de desinformação estão expondo o projeto Mundoteca, da FGM Produções, como sendo uma iniciativa do Governo Federal. Aprovado a captar recursos por meio da Lei de Incentivo Cultural em 2018, o projeto foi executado entre 2019 e 2023. Apesar de acessar uma política pública de incentivo, a Mundoteca não é uma ação do Governo Federal”.

Em nota, a produtora cultural explica como funciona a Mundoteca:

“Além das bibliotecas, oferecemos nas cidades uma formação de mediadores de leitura, palestra para professores e treinamento dos profissionais que serão responsáveis pela gestão do espaço. Em cada unidade, é previsto em contrato assinado com as prefeituras das cidades contempladas um período no qual a gestão do espaço é feita pelo projeto Mundoteca, com contratação de educadores sociais e acompanhamento pedagógico. Após esse período, a gestão, a biblioteca e todos os seus recursos passam à gestão das próprias prefeituras.”

Ainda de acordo com a nota do Governo, a unidade do projeto de onde se originou o factoide desinformativo era de gestão da própria prefeitura do município:

“A unidade de Marcílio Dias, na cidade de Canoinhas, foi inaugurada no dia 19 de novembro de 2022 e gerida pelo projeto por um período de oito meses, como previsto em contrato, não tendo qualquer vínculo com a atual gestão do Governo Federal. Após esse período, o gerenciamento do espaço e de seu acervo foram entregues ao poder executivo municipal.”

Vale ressaltar que o governo federal não envia livros para escolas e espaços dos sistemas municipais e estaduais de educação sem que haja a devida solicitação dos materiais, realizada por gestores e educadores e escolhidos de maneira democrática nos conselhos de educação. 

Além disso, o artigo 216-A da Constituição Federal preconiza o Sistema Nacional de Cultura organizado em regime de colaboração de forma descentralizada e participativa e institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. 

Dentre os princípios desse sistema, está a autonomia dos entes federados como princípio dessa política. O dispositivo constitucional também prevê que Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias. Dessa forma, a prefeitura em questão tinha plena autonomia sobre o acervo da biblioteca. Sendo assim, cabia aos responsáveis locais conferir se o acervo estava a contento da comunidade dentro das tratativas do contrato com o projeto Mundoteca.

***

Bereia, com base nas informações apuradas, classifica a informação apresentada pela prefeita Juliana Maciel – de que o livro “Educação Sexual e Cia.” seria iniciativa do governo do PT – é falsa. O livro foi editado originalmente na Suíça e publicado no Brasil pela Companhia das Letras, sem nunca ter feito parte de programas de distribuição por governos do PT.

Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de desinformação neste processo eleitoral para os municípios, em 2024. É preciso estar atentos/as a prefeitos/as e vereadores/as candidatos à reeleição ou em campanha por sucessores que fazem uso de mentiras e enganos para convencer a população para suas pautas ou para manifestar oposição a outras, em especial por meio de temas que afetam o emocional das pessoas.

(Com colaboração de Magali Cunha)

Referências de checagem:

Secretaria de Comunicação Social.

 https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/mundoteca-nao-e-um-projeto-do-governo-federal Acesso em 19 abr 2024

https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-rouanet Acesso em 19 abr 2024

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/nao-ha-duvida-a-existencia-de-um-kit-gay-organizado-por-fernando-haddad-e-falsa/ Acesso em 19 abr 2024

https://coletivobereia.com.br/fake-news-sobre-livro-de-educacao-sexual-infantil-nas-escolas-volta-a-circular/ Acesso em 19 abr 2024

Companhia das Letras. https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788555340789/aparelho-sexual-e-cia Acesso em 19 abr 2024

G1. https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/eleicoes/2022/noticia/2022/10/30/canoinhas-sc-elege-juliana-maciel-do-psdb-como-prefeita.ghtml Acesso em 19 abr 2024

Ministério Público de Santa Catarina. https://www.mpsc.mp.br/noticias/operacao-mensageiro-encerrada-a-instrucao-criminal-na-acao-penal-referente-ao-municipio-de-lages Acesso em 19 abr 2024

Instagram. https://www.instagram.com/p/C56x9I6PtJh/?img_index=1 Acesso em 19 abr 2024

Imagem: reprodução do site do MP-SC. Canoinhas, ao norte, é uma das cidades alvo das operações

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