Publicado originalmente em Agência Lupa. Para acessar, clique aqui.
Por Vinicius Valentin Raduan Miguel e Adriano Karipuna
Inevitável falar do povo Ianomami, alvo de incontáveis ataques e sistemáticas omissões, na unidade federativa de Roraima.
Distanciados, mas não afastados da conexão histórica de sermos um só Brasil e uma grande família de povos indígenas, não podemos descurar de outro processo de violações em curso, no Estado de Rondônia. Falamos da Terra Indígena Karipuna, que fica localizada na capital do estado de Rondônia, Porto Velho, o maior município em dimensão territorial do Brasil.
Hoje, o ancestral território Karipuna está sob ameaças intermináveis. Da exploração ilegal de madeira, passando pelas incursões de agropecuaristas-grileiros, que invadem, surrupiam e desmatam a área regularmente, já sem nenhum acanhamento. Hoje, a Reserva Extrativista (Resex) de Jacy Paraná, vizinha à TI Karipuna, é a segunda região mais desmatada da Amazônia, contando com quase duzentas mil cabeças de gado sobre a área!
O Povo Karipuna se vê com insuficiente proteção ambiental-territorial. Os órgãos de tutela ambiental, sejam federais ou estaduais apresentam um histórico de omissões e silêncios, não atuando de forma preventiva e proativa com vistas a desincentivar as constantes intrusões e exploração ilegal dos recursos locais.
É do próprio Governo do Estado que vêm achaques legislativos que intentam reduzir a Resex, ampliando a pressão de especuladores. A instabilidade política causada pela ganância das elites locais leva a constantes promessas de “revogação” de áreas ambientalmente protegidas. Sem a segurança jurídica, há aprofundamento de riscos de invasões que buscam consolidar um “fato consumado” de incêndios criminosos e desmatamento ilegal, com a conversão do território indígena em pastagem.
Hoje, não é de desconhecimento da União e do Estado de Rondônia a situação de vulnerabilidade do Povo Karipuna – como de outros povos aqui na Amazônia. São dezenas de expedientes formais, de comunicados de organizações da sociedade civil e mesmo determinações exaradas pelo Ministério Público Federal (MPF). Marque-se que existem indígenas isolados, de nenhum contato com a comunidade envolvente. Esse fato já foi alardeado para Fundação Nacional dos Indígenas (FUNAI), MPF e até mesmo para a Polícia Federal.
Preocupa-nos as constantes trocas de agentes públicos, o descomprometido de atores estatais que deveriam ter um planejamento público e colaborativo e a fragilidade institucional demonstrada pelos aparelhos de segurança pública, até o momento, incapazes de desmantelar e responsabilizar um vasto esquema de invasão, grilagem, desmatamento e exploração ilegal dos territórios Karipuna. Essas denúncias, com agravado risco à integridade física e psíquica dos indígenas, vêm sendo levadas também a órgãos internacionais e à imprensa.
Um projeto de etnodesenvolvimento, de transferência de renda, de consolidação de uso de águas e de segurança alimentar é necessário, sobretudo com a contemporânea diminuição da oferta de alimentos decorrente da intrusão criminosa na região. Um amplo programa de saúde, como raramente executado, é outro ponto que merece resposta.
Efetivar os direitos humanos dos Povos Indígenas de toda a Amazônia deve ser um imperativo ético e normativo imediato. Obstar o genocídio implica em ações imediatas e não mais em adiamentos ou discursos de baixa efetividade. Essa é uma tarefa urgente.
Notas:
*Segundo o Prodes, sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a TI Karipuna é a nona terra indígena mais desmatada do país entre 2015 e 2021, período em que 4.754 hectares foram ilegalmente devastados no território.
Vinicius Valentin Raduan Miguel é professor da Universidade Federal de Rondônia, advogado
Adriano Karipuna é ativista socioambiental do povo indígena Karipuna