Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Bruno Ferreira. Para acessar, clique aqui.
Bruno Ferreira, assessor pedagógico do Instituto Palavra Aberta
As redes sociais têm sido tomadas, desde a semana passada, por posts críticos que discutem e comparam a reação da sociedade em torno de dois acontecimentos recentes: a implosão do submarino Titan, que resultou na morte de cinco bilionários, e a morte de mais de 300 refugiados pobres, em sua maioria paquistaneses, que passava pela costa grega a barco no último dia 14.
O debate em torno desses dois episódios foi a (suposta) falta de comoção da sociedade à tragédia dos refugiados e seu maior interesse pela morte de menos de meia dúzia de ricos. Apesar de o público ter sido julgado pela apatia à crise humanitária que envolve pessoas do Oriente Médio, é preciso entender que a reação social aos acontecimentos da realidade vincula-se diretamente ao modo como estes são retratados, sobretudo nos meios de imprensa.
De acordo com relatório da CARE – Cooperative for American Remittances to Europe, intitulado “Suffering in Silence – The 10 most under-reported humanitarian crises of 2019” (“Sofrendo em silêncio – As 10 crises humanitárias mais sub-relatadas de 2019”, em tradução livre), os deslocamentos de refugiados pelo mundo são um tema de pouco interesse da imprensa. O ranking da organização demonstra que a maior parte de acontecimentos invisibilizados dessa natureza concentra-se no continente africano, território pouco evidenciado pelo hard news, isto é, o jornalismo diário, no Brasil.
Por mais que os critérios de noticiabilidade do jornalismo diário envolvam ineditismo e excepcionalidade, o que sem dúvida faz do acidente com o submarino um fato noticiável, é preciso pensar como a cobertura de tragédias e violações de direitos, mesmo que sejam cotidianos, não deixem de ocupar o noticiário com mais frequência e em posição de destaque, com a humanização necessária à sensibilização do público para essas questões.
Humanizar o noticiário vai além de apenas divulgar os números de pessoas mortas, desaparecidas ou feridas. Coberturas comprometidas com essas questões colocam em primeiro plano a voz de pessoas reais diretamente afetadas por situações trágicas e violências, tornando suas dores mais concretas a um público imerso em seu próprio dia a dia e voltado às suas próprias especificidades sociais e culturais.
Assim, temas distantes de muitas realidades e que por isso poderiam ser entendidas muito abstratamente, materializam-se em corpos, rostos e vozes que habitam territórios específicos e que vivem dramas que só podem ser entendidos e empaticamente sentidos por quem é diferente a partir desse tipo de estratégia discursiva.
A imprensa brasileira já tem experiências nesse sentido, que merecem registro: a cobertura diária de casos e mortes por Covid-19, nos últimos anos, especialmente pela TV, dando destaque às histórias de vida de pessoas comuns impactadas pelo vírus, promovendo um entendimento do contexto para além do racional.
Há ainda, cotidianamente, notícias sobre casos de racismo que, apesar de muitos e diários (e, por isso, não são inéditos nem excepcionais), passaram a integrar a agenda de alguns veículos de imprensa. Ao evidenciar fatos e personagens envolvidas em situações de racismo, o jornalismo reforça a importância de discuti-lo e enfrentá-lo, convidando, ainda que indiretamente, toda a sociedade a envolver-se criticamente na luta antirracista.
Inspirada nesses dois temas, a imprensa pode expandir seu olhar e estratégias de cobertura de questões de deslocamentos forçados, em primeiro lugar destacando mais frequentemente esta que é uma das mais relevantes questões dos nossos tempos. Em segundo lugar, evidenciando as histórias e pontos de vista de quem protagoniza esses fatos. Dessa forma, a imprensa estará posicionando-se em favor dos oprimidos e contribuindo, mais incisivamente, para a formação de cidadãos mais comprometidos com a justiça social.
*Crédito da imagem: Georgina Goodwin