Publicado originalmente em Educamídia por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
Mais de 250 mil seguidores. Essa foi a quantia aproximada de pessoas que passaram a seguir o perfil de um artista após imagens em que ele agredia a esposa viralizarem nos últimos dias. Além dos vídeos chocantes de violência doméstica, o caso gerou indignação nas redes sociais também por conta disso, com postagens que questionavam o que levaria alguém a seguir um agressor de mulheres.
Provavelmente existem diversas respostas para essa pergunta. Mas é preciso lembrar que, ao seguirmos uma página ou um perfil, estamos assumindo que temos interesse pelo conteúdo produzido e postado ali. Queremos ler, ver e ouvir as mensagens e imagens divulgadas por aquela pessoa, empresa ou instituição. Se conhecemos um indivíduo por meio de uma denúncia séria como essa e, mesmo assim, optamos por segui-lo, estamos comunicando a ele e à sociedade que, sim, estamos interessados em um cidadão que espanca a própria companheira.
Nem a curiosidade gerada pela repercussão do caso, que envolve uma figura pública, deveria ser encarada como justificativa, já que é possível acompanhar o seu andamento pela imprensa, que vem dando bastante espaço para ele e seus consequentes desdobramentos jurídicos.
Entre as inúmeras reflexões possíveis a partir dessa triste ocorrência, podemos destacar duas: o poder do engajamento individual e a consciência do que isso significa na prática. Todos somos, em alguma medida, produtores de conteúdo nas mídias sociais, e é justamente isso que ajudou a quebrar o paradigma da comunicação de décadas anteriores, em que poucos produziam e disseminavam informações para muitos.
Agora, somos muitos: jornalistas; influenciadores; blogueiros; celebridades; youtubers; tiktokers e simples usuários dessas plataformas, mas que, dentro de nossas bolhas, exercemos uma microinfluência. Ou seja, podemos impactar as escolhas alheias, que vão desde a compra de um produto até a decisão de se imunizar contra a Covid-19.
Nossos gostos e preferências são transformados em cliques que, por sua vez, podem gerar dinheiro, status e visibilidade para determinados indivíduos, marcas e organizações. Não é à toa que todo mundo conhece alguém que vive pedindo para os amigos seguirem, curtirem e comentarem as postagens do seu pequeno negócio.
Cada curtida, comentário e compartilhamento, portanto, são importantes na construção dos nossos rastro e identidade digitais. O problema é que esses comportamentos estão tão automatizados que nos esquecemos disso. Conscientizarmo-nos do nosso papel nesse sistema passa por aquilo que se chama de silêncio estratégico, uma estratégia que consiste em não reverberarmos discursos de ódio e conspiratórios nas redes, evitando que eles pautem conversas e debates.
Muito se fala em saúde mental e redes sociais, mas o que cada um de nós realmente faz para nos preservarmos em meio a esse contexto de infodemia que a combinação entre mundo conectado e pandemia nos trouxe? O que fazemos por redes menos tóxicas e até mesmo menos mórbidas? Em vez de seguir um homem violento, mesmo que por curiosidade, por que não dar seu engajamento para perfis que debatam a violência de gênero e o feminicídio de maneira séria, por exemplo?
Não se trata de não cobrar providências das empresas de tecnologia para que revejam algumas regras e termos de violação das plataformas, mas de qualificarmos nosso uso e nossas redes. Nesse sentido, houve um movimento importante nas mídias sociais sobre esse mesmo caso: diversos internautas fizeram postagens mostrando como “domesticar” o algoritmo de aplicativos de música para que eles não toquem a música do agressor, indo na contramão daqueles que seguiram o cantor. Ou seja: optaram por não endossar a fama e o status dele.
Guardadas as devidas proporções e respeitados os contextos específicos, afirmar que nada podemos fazer em situações assim seria como, deliberadamente, jogar lixo no chão e desperdiçar água e luz, uma vez que a responsabilidade maior pelas questões climáticas compete, por exemplo, ao agronegócio e ao setor industrial. É óbvio que as responsabilidades são diferentes e devem ser pesadas de acordo com o papel que cada ator desempenha, mas sempre há algo que possa ser feito — tanto para evitar o impacto do aquecimento global quanto para mitigar a desinformação e construir um ambiente digital mais saudável.