Publicado originalmente em Brasil de Fato por Andressa Caldas. Para acessar, clique aqui.
Gerar espaços de participação, diálogo e intercâmbio com a sociedade civil continua sendo um mecanismo fundamental
A América Latina enfrenta hoje um grande desafio. Além de ser a região mais desigual do planeta, nos últimos tempos também temos assistido a eventos que tensionam os Estados e suas possibilidades de intervenção e resposta, como as diferentes crises provocadas por fenômenos até então desconhecidos ou que já conhecíamos, mas que estão adquirindo novas formas.
Basta observar as recentes inundações no Rio Grande do Sul, os incêndios florestais na Amazônia, as históricas secas ou as doenças epidêmicas (como dengue, chikungunya, cólera e o vírus Zika) e pandemias que não cessam, para perceber essas consequências. Esses eventos aprofundam as desigualdades já existentes e prejudicam certos grupos populacionais, especialmente vulneráveis, em detrimento de outros.
São fatos que podemos chamar de contextos críticos e de emergência, e que ocorrem em um mundo cada vez mais afetado por crises interconectadas que envolvem crises ambientais (que podem provocar migrações forçadas), insegurança alimentar e pandemias com novas doenças.
Embora muitos Estados da região tenham feito esforços para mitigar os efeitos das crises, esses esforços muitas vezes se mostraram fragmentários e insuficientes. Da mesma forma, as coordenações regionais para gerenciar as ameaças e responder aos contextos críticos e de emergência, incluindo a pandemia de covid-19 e seus impactos posteriores, tiveram algumas limitações.
Nesse cenário, o papel da sociedade civil, redes, movimentos e organizações sociais que atuam em conjunto com a comunidade tem sido fundamental para enfrentar os desafios impostos por esses novos cenários em toda a região. Além disso, a necessidade de proteção, assistência humanitária e afirmação dos direitos humanos se tornou um tema cada vez mais relevante.
É essencial integrar a perspectiva de direitos humanos no discurso e nas políticas públicas para criar soluções justas e equitativas frente às consequências das mudanças climáticas. A América Latina tem um papel estratégico em relação aos contextos críticos e de emergência. Não é apenas uma região de refúgio diante das guerras, mas também pode oferecer soluções para problemas globais em energia, segurança alimentar, biodiversidade, conhecimento e na construção de políticas públicas com enfoque em direitos humanos.
A incorporação da perspectiva de direitos humanos como uma ferramenta indispensável que fornece orientações claras sobre como pensar as políticas públicas, as respostas às crises e os cenários de recuperação pode colaborar em como enfrentamos esses cenários de crise e emergência.
Valorizar o papel e protagonismo dos diversos movimentos, redes e organizações sociais que estão nos territórios e trabalham articulados com as comunidades afetadas é imprescindível para alcançar uma gestão e planejamento eficazes das políticas públicas. Gerar espaços de participação, diálogo e intercâmbio com a sociedade civil continua sendo um mecanismo fundamental para enfrentar esses novos riscos e desafios.
Em nossa região, as comunidades desenvolveram valiosas respostas frente à pandemia de covid-19 e a outros cenários críticos e de emergência, que vão desde fluxos migratórios massivos (alguns motivados por deslocamentos forçados) até diferentes tipos de epidemias graves e pandemias, além de inundações, secas e outros desastres causados pelas mudanças climáticas.
Com essa visão, o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH) está convocando, no ano em que completamos 15 anos, uma nova realização de uma Consulta Pública, um espaço de diálogo extremamente necessário para trocar saberes e práticas comunitárias, a partir das lições aprendidas. São os referentes territoriais, os lideranças comunitárias de diferentes organizações que sustentam diariamente o papel de defender os direitos humanos das populações afetadas nos territórios. E o fazem em uma região especialmente hostil e violenta para os líderes e defensores ambientais.
Nos próximos dias 21 e 22 de outubro, teremos a oportunidade de congregar as vozes e perspectivas de diferentes organizações, redes e movimentos sociais da região na XIII Consulta Pública do Fórum de Participação Social do IPPDH sobre Contextos Críticos e de Emergência, que ocorrerá na sede do nosso instituto, na Cidade Autónoma de Buenos Aires, com participação presencial e remota.
Participarão diferentes representantes de organizações, líderes de comunidades indígenas e afro, assim como de organizações defensoras dos direitos de pessoas migrantes, afrodescendentes, mulheres, dissidências, pessoas LGBTIQ+, idosos, crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, entre outros. Mais de 200 pessoas de 11 países da região se inscreveram para fazer parte desse diálogo, que contará também com participação virtual na discussão e intercâmbio em Grupos de Trabalho sobre seis grandes eixos: renda, trabalho e meios de vida; segurança alimentar, moradia, hábitat e meio ambiente; educação e acesso à informação e cuidados.
Esse debate convida a refletir e ter uma visão mais realista sobre a atuação da gestão pública. Há um uso de estratégias que muitas vezes chega tarde. A ação jurídica, em geral, ocorre a posteriori, após as violações ou danos ambientais. Temos observado que há uma fragilidade quando as organizações atuam com uma visão predominantemente jurídica ou legalista e, por outro lado, uma enorme força quando os organismos de direitos humanos trabalham de maneira integral, considerando diferentes estratégias.
É muito enriquecedora e interessante a proximidade e articulação que pode ser gerada entre organizações que atuam com os direitos humanos e organizações territoriais, ambientais, que trabalham com ajuda humanitária e com a temática na gestão integral, pois possuem uma perspectiva preventiva em relação aos riscos e danos.