Hoje cedo meu espaço para a análise da Coalizão Direitos na Rede (https://direitosnarede.org.br/) sobre o Projeto de Lei 2630/20 que está prestes a ser aprovado e que sendo também uma proposição de intervenção junto à forma de atuação das Plataformas digitais, encontra-se sob a mira destas que objetivam diminuir a influência do Estado em seus negócios.
Vale lembrar que o PL 2630, conhecido como PL das fake News foi proposto no Senado Federal e teve uma tramitação rápida. A Coalizão Direitos na Rede (CDR) acompanhou ativamente o processo, apresentando posições aos relatores e lideranças nas duas Casas legislativas. Reforçamos que a opção estabelecida no substitutivo ao PL 2630 em discussão na Câmara, de regular os processos das plataformas de conteúdo online, é a melhor forma de tratar fenômenos como o da desinformação. Ainda, é o modelo que tem sido adotado por referências internacionais importantes em matéria de direitos humanos na área digital, a exemplo da Comissão Europeia.
Aberta agora a etapa de discussão do PL no plenário da Câmara, é fundamental que os avanços do projeto sejam preservados e os problemas sejam resolvidos na redação.
PONTOS POSITIVOS DO SUBSTITUTIVO DA CÂMARA
A redação que vai à discussão em plenário ampliou o número mínimo de usuários das plataformas alcançadas para 10 milhões, evitando que obrigações recaiam sobre startups e pequenas plataformas, e traz um conjunto de avanços importantes no disciplinamento de plataformas digitais e combate a práticas nocivas e que são concernentes à Ferramentas de busca, Mecanismos de transparência, Investigação e enfrentamento a ilícitos praticados nas plataformas, Atuação de Agentes públicos em redes sociais e Moderação de Conteúdo.
A adoção de parte dos pontos acima enfrenta grande resistência por parte das empresas alcançadas pelo texto, que atuam para dificultar a previsão de novas obrigações de transparência e de regras necessárias para combater abusos e permitir que os usuários tenham mais clareza sobre como os conteúdos publicados circulam e os critérios utilizados para sua moderação.
PROBLEMAS E DESAFIOS
Apesar dos avanços fundamentais destacados, o substitutivo ao PL 2630/2020 ainda conta com dispositivos sem consistência para serem transformados em lei, que deveriam ser melhor analisados em outra oportunidade que não este PL.
Remuneração do jornalismo – O PL prevê que os conteúdos jornalísticos utilizados pelas plataformas ensejarão remuneração ao detentor dos direitos do autor do conteúdo utilizado, ressalvados o simples compartilhamento de endereço de protocolo de internet (link) do conteúdo jornalístico original e o disposto no art. 46 da Lei 9.610/1998 (legislação sobre direitos autorais), na forma da regulamentação. Consideramos importante o desenvolvimento de políticas públicas e regulações que apoiam esta atividade tão fundamental para a democracia. Entretanto, não está definido, pela redação do Artigo 38 no PL, como tal remuneração funcionará; o que será considerado conteúdo jornalístico; qual uso ensejará remuneração; quem fará a fiscalização e como tal obrigação de remuneração será operacionalizada.
Repasse e guarda de dados – Outro aspecto carente de aprimoramento é o atual Artigo 37 do texto, que pretende impor às plataformas o dever de oferecer às autoridades do país informações sobre os usuários brasileiros. A inespecificidade na indicação de quais seriam as autoridades, as informações e os usuários atingidos oferece margem para requisições excessivas e desproporcionais e conflita com o princípio de minimização no tratamento de dados pessoais afirmado na Lei Geral de Proteção de Dados e com o direito fundamental à proteção de dados pessoais recentemente incluído na Constituição Federal.
Código de conduta – A versão do texto que vai a plenário flexibilizou o modelo de elaboração e aprovação do código de conduta a ser adotado pelas plataformas. Fundamental para estabelecer regras e obrigações adicionais às plataformas digitais, de modo mais dinâmico (uma vez que seria revisto a cada dois anos), o código de conduta é central para uma estrutura regulatória em camadas, que impede que a lei fique ultrapassada rapidamente e permite que novas medidas para novos problemas sejam adotadas no âmbito de suas revisões. A redação do texto aprovada pelo GTNet prevê um sistema em que apenas serão apresentadas diretrizes para o código, deixando sua formulação e adoção para as próprias plataformas, de maneira autônoma. Diversas pesquisas vêm mostrando como as políticas das plataformas para combater a desinformação e conteúdos nocivos são frágeis e insuficientes. Neste sentido, é fundamental que os códigos de conduta sejam elaborados em espaços multissetoriais.
Criminalização – No tangente ao debate sobre criminalização de condutas, a CED reitera sua preocupação com dispositivos que se dediquem a tipificar condutas banais do usuário de internet. Diante da complexidade do ambiente digital e dos modelos de disseminação de conteúdos de discurso de ódio, desinformação e outros temas, é importante reconhecer que, por muitas vezes, o usuário final é envolvido nesses fluxos de informação sem um devido conhecimento sobre o potencial do cometimento de um crime. Nesse sentido, recomendamos que o PL continue focado na garantia de direitos no ambiente digital e abandone perspectivas persecutórias e criminalizadoras.
“Imunidade parlamentar” – Outro ponto de preocupação sobre a versão atual do texto diz respeito à inclusão de dispositivo conferindo imunidade parlamentar no uso das plataformas digitais (Artigo 22), o que pode servir para blindar perfis de deputados e senadores à aplicação das regras próprias das plataformas. A Coalizão Direitos na Rede entende que o tema não merece prosperar, uma vez que há grande incidência de disseminação de conteúdos desinformativos ou ataques também por parte de parlamentares. Assim como várias regras presentes no ordenamento jurídico brasileiro, este mecanismo pode virar uma desculpa para que a prática de incitação ao crime, o discurso de ódio e a disseminação de desinformação continuem existindo por parte de alguns parlamentares.
Porta lógica – Ao se pretender obrigar os provedores de aplicação a armazenar registros “que individualizem o usuário de um endereço de IP” – a chamada “porta lógica de origem” –, conforme o atual Artigo 39 do PL, a proposta desconsidera o amplo debate democrático ocorrido durante a tramitação do Marco Civil da Internet, que enfrentou a questão e optou por manter o dever de retenção de dados por parte de provedores de aplicação adstrito aos registros de acesso a aplicações. A obrigação de coleta da porta lógica leva a uma coleta de dados desnecessária, apresentando contradição com os princípios norteadores da LGPD e com a Emenda Constitucional nº 115, ameaçando a privacidade dos usuários.
Rastreabilidade – A existência de um mecanismo de rastreabilidade de mensagens em aplicativos de mensageria privada, no formato apresentado durante a discussão do PL, coloca em risco a privacidade e proteção de dados de vários usuários. Apesar da discussão de ferramentas para a contenção da viralização de mensagens de ódio, incitação ao crime e até desinformação ser importante, o dispositivo de rastreabilidade que chegou a ser aprovado pelo Senado e ainda é defendido por alguns setores coloca os usuários em risco, ao passo que pode criar um mecanismo de vigilância em massa que acabará afetando o livre exercício da liberdade de expressão de muitos.Mais informações acesse: https://direitosnarede.org.br/