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Empresa divulga queda expressiva de poluição e diz que planeja neutralidade, mas omite que 85% do seu CO2 vem do consumo de petróleo e gás, que não tem plano de redução
A Petrobras gosta de propagandear que reduziu suas emissões de gás carbônico na produção de combustíveis fósseis em cerca de 39% entre 2015 e 2022. A informação é verdadeira e a empresa realmente tem investido em tecnologia para essa diminuição. No entanto, o que a Petrobras não mostra nas propagandas é que essas emissões são pequenas em comparação ao que é despejado na atmosfera no consumo desses combustíveis, em grande parte exportados. A queima de derivados do petróleo exportado pela empresa representa 80% do total de emissões e para isso não há plano de redução. Afinal, o desejo é produzir cada vez mais.
A prática de divulgar dados escolhidos a dedo para fingir preocupação com o clima e turvar que sua atividade é a principal causa do aquecimento global não é exclusividade da Petrobras. Ela é tão disseminada nas empresas de petróleo que ganhou até um nome em inglês: paltering, palavra que significa “a divulgação ativa de informação verdadeira, mas enganosa”, que pode ocorrer conjuntamente à “omissão de divulgação de informações relevantes”, segundo definição de pesquisadores das universidades Harvard e da Pensilvânia.
Cálculos feitos pelo Fakebook.eco com dados disponíveis no último Caderno do Clima da Petrobras mostram que as emissões nas operações de produção de combustíveis fósseis representam apenas 12,2% de todo o CO2 equivalente emitido no período de 2015 a 2022. No ano passado, o percentual anual foi de 9,9% do total, o menor da série histórica iniciada em 2015. (CO2 equivalente é a soma de todos os gases de efeito estufa produzidos numa determinada atividade econômica e “convertidos” em gás carbônico.)
Essas emissões são classificadas como escopo 1, aquilo que é emitido direto pela empresa durante a atividade petrolífera, e escopo 2, que são as emissões de outras instituições para o fornecimento de energia para as máquinas da Petrobras funcionarem. Em 2021, por exemplo, a empresa interrompeu o patamar de queda nas emissões porque dependeu da energia de termelétricas fósseis para trabalhar. A retomada da redução em 2022 ocorreu por causa da recuperação dos reservatórios das hidrelétricas.
Por outro lado, as emissões do escopo 3 – especificamente, a categoria 11, que considera o que é emitido pelo gás natural e derivados de petróleo produzidos nas unidades da empresa, além da produção de terceiros a partir do petróleo bruto da Petrobras – são responsáveis por 85,2% do CO2 equivalente jogado na atmosfera entre 2015 e 2022. No ano passado, essas emissões foram de 421 milhões de toneladas de CO2 equivalente, mais do que todas as emissões do Reino Unido.
O percentual ocupado pelo escopo 3 não tem apresentado tendência de queda. Em 2015, ele representava 85,7% do total de emissões daquele ano. Por quatro anos ficou na casa dos 84%, mas ano passado subiu para 86,6%.
Em toneladas de CO2 emitidas, o escopo 3 apresentou uma queda de 20% entre 2015 e 2022. No entanto, os números do Caderno do Clima da Petrobras mostram que a queda mais considerável aconteceu somente em 2015 e 2016, anos em que o Brasil esteve em recessão profunda e a Petrobras, no centro da crise política do Petrolão. Depois disso, a queda foi mais tímida entre 2016 e 2019, quando as emissões voltaram a crescer, até 2022 (veja na figura abaixo). Na comparação com 2016, as emissões do escopo 3 no ano passado caíram somente 8,5%.
Já as emissões da categoria 10 – que inclui as emissões geradas durante o refino do petróleo bruto da Petrobras vendido para terceiros e durante a transformação da nafta vendida à indústria química – passaram por um sobe-e-desce e saltaram de 1,6% em 2015 para 3,5% em 2022.
Considerada a soma dos três escopos, a queda total de emissões foi de 20,9% entre 2015 e 2022 — e, novamente, com queda mais significativa somente no primeiro ano da série histórica adotada pela Petrobras. Entre 2016 e 2022, a queda no total de emissões foi de 9,8%.
Por e-mail, a Petrobras disse que o crescimento da produção de petróleo e gás operada por ela superou 10% no período analisado e voltou a citar a redução das emissões operacionais de 39%. “Esses resultados nas atividades de E&P [exploração e produção] são justificados pelo perfil de alta eficiência operacional dos novos ativos e pelas ações de redução de queima em tocha, fugitivas e ventilação; eficiência energética e gestão portfólio”, disse. A empresa também destacou redução nas emissões de metano.
No plano estratégico de 2023 a 2027, a empresa reforça que irá descarbonizar a produção (escopos 1 e 2), mas destaca a ambição de aumentar o número de barris de petróleo. No campo de Búzios, no Rio de Janeiro, por exemplo, o plano é passar de 600 mil barris de petróleo por dia em 2023 para 2 milhões de barris em 2027.
A empresa pode até conseguir descarbonizar a própria produção, mas muito gás poluente ainda irá contribuir para as mudanças climáticas por causa dos combustíveis fósseis que ela seguirá colocando no mercado.
“Paltering”
O recurso ao paltering pelas petroleiras fica tanto mais evidente quanto mais crescem as pressões da sociedade civil por uma eliminação gradual (phase-out) dos combustíveis fósseis no âmbito do Acordo de Paris. Em 2021, a Agência Internacional de Energia botou o guizo no pescoço do gato ao dizer que, se o mundo quiser ter uma chance de estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC, como preconiza o tratado, nenhum novo projeto de combustíveis fósseis poderá ser autorizado.
Como mostrou Emily Atkin, editora da newsletter Heated, especializada em crise climática, o paltering (que em português poderia ser algo entre “simular” e “escamotear”, ou uma “meia-verdade”) está presente nos anúncios, peças de marketing e na comunicação pública das empresas de petróleo e gás, sendo sua “forma favorita de mentir”.
Atkin exemplifica com um anúncio da gigante americana Exxon no podcast The Daily, do jornal The New York Times, que diz: “Diversos especialistas em clima concordam que as técnicas de captura e armazenamento de carbono são cruciais para reduzir emissões e combater as mudanças climáticas. É por isso que a ExxonMobil está trabalhando para implementar essa tecnologia em escala para os setores mais emissores. Isso pode remover mais de 90% das emissões de CO2 das indústrias intensivas em carbono, o que pode ajudar a reduzir a pegada de carbono de muitos elementos cotidianos, como as estradas que dirigimos e os dispositivos que todos usamos.”
“Tecnicamente, a Exxon está investindo em captura e armazenamento de carbono, que é uma solução climática. Mas a verdade é incrivelmente seletiva”, diz a jornalista. “De maneira geral, a Exxon está fazendo muito mais para agravar a crise climática do que para solucioná-la. A empresa continua se recusando a diminuir a produção de combustíveis fósseis, planejando, na verdade, expandir seus negócios em óleo e gás”, destaca.
Não custa lembrar, ainda, que as tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) são “soluções” climáticas controversas, cuja aplicação viável nas escalas necessárias para compensar o atual nível de emissões de gases-estufa ainda não foi comprovada.
Para Atkin, o paltering é a forma perfeita encontrada pelas petroleiras para reduzir a pressão da opinião pública sobre suas atividades. “Tecnicamente, elas falam a verdade — elas estão investindo em tecnologia mais limpa e verde. Mas os investimentos são pequenos, as tecnologias não têm eficácia comprovada e as empresas estão, de modo geral, falhando em reduzir suas emissões. A verdade seletiva que eles escolhem contar é moldada para criar uma falsa impressão e reduzir a pressão que sofrem quanto às mudanças climáticas”, conclui.
Após a publicação deste post, Fakebook.eco recebeu resposta da Petrobras sobre a seleção de informações divulgadas. Segundo a empresa, “a Petrobras reforça que atua com transparência em suas divulgações na área de emissões e clima, especificando com clareza as informações relativas ao Escopo 1, 2 e 3. As emissões das operações de petróleo e gás (escopo 1 + 2) representam mais de 4 [bilhões de toneladas de] CO2e/ano globalmente, o que equivale a quase metade das emissões do setor de transporte mundial”.
Quanto ao escopo 3, diz: “Em relação às emissões de escopo 3, especialmente aquelas relacionadas ao uso dos produtos (que são predominantes no caso da Petrobras), gostaríamos de ressaltar que dependem da transformação da demanda mundial, o que, por sua vez, depende do conjunto de políticas públicas dos distintos países para descarbonização. No caso específico da Petrobras, nossos produtos (escopo 3) são vendidos tanto no Brasil quanto exportados para diferentes regiões, cada uma com suas próprias Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) sob o Acordo de Paris.”. A resposta na íntegra pode ser lida aqui.
(LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO)