Pesquisadora da UFRGS descobre gene associado a casos graves de câncer cerebral infantil

Publicado originalmente em Jornal da Universidade. Para acessar, clique aqui.

Neurobiologia | Estudo identificou que o gene ZEB1 tem maior presença em tumores do tipo meduloblastoma mais agressivos, o que indica que ele pode ser um novo biomarcador para o diagnóstico da doença 

*Foto: Flávio Dutra

O câncer é a principal causa de morte por doença em crianças, e os tumores cerebrais costumam ser os mais fatais. Por isso, a tarefa de encontrar novos indicadores que contribuam para o diagnóstico da doença é de grande importância para a medicina. Colaborando para esse conhecimento, a estudante de doutorado Livia Fratini, do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular da UFRGS (PPGBCM), descobriu que o gene ZEB1 tem maior presença em casos mais graves de meduloblastoma – tipo mais comum de tumor cerebral maligno que afeta crianças. A evidência é pioneira e pode impactar nos futuros diagnósticos de câncer infantil.

Publicada no periódico internacional NeuroMolecular Medicine, a pesquisa é fruto de parceria entre o Laboratório de Câncer e Neurobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o Instituto do Câncer Infantil e a UFRGS. O ZEB1 regula o desenvolvimento normal do cerebelo, área do cérebro localizada na região da nuca e ligada ao controle do movimento. Associado a mecanismos de regulação epigenética , esse gene produz uma proteína que regula a expressão de vários outros genes.

Com orientação do professor Rafael Roesler, o estudo analisou cerca de 800 amostras de meduloblastoma provenientes de bancos internacionais, e, de acordo com os pesquisadores, o acesso a esses materiais foi fundamental para os resultados obtidos, visto que a incidência de casos de pacientes com esse tipo de tumor nos hospitais acontece com pouca frequência. “A gente não teria tantas amostras no laboratório, mas acessando os dados online tu consegues porque esses tumores estão todos mapeados geneticamente”, explica Rafael, complementando que a pandemia acabou acelerando o uso da bioinformática.

Pesquisadores analisaram amostras de meduloblastoma e detectaram que o ZEB1 pode ser um novo biomarcador para a doença (Foto: Flávio Dutra/JU)

A partir da análise, Livia associou o aumento do gene com a expectativa de vida dos pacientes. “O principal resultado foi que, nos casos mais agressivos de meduloblastoma, os pacientes que tinham mais ZEB1 tinham um prognóstico pior e uma menor expectativa de vida”, explica a pesquisadora. Essa descoberta indica, pela primeira vez, que o gene pode ser um novo biomarcador para auxiliar na determinação da expectativa de vida de pacientes com meduloblastoma que têm tumores classificados como mais graves, podendo auxiliar no diagnóstico e em soluções de tratamento mais efetivas.

“Esse é o primeiro achado que pode levar a caracterizar esse gene como biomarcador com potencial para uso na rotina clínica. Não é imediato, mas se um dia acontecer nós fomos os primeiros a encontrar, a apontar isso”, destaca Rafael.

“A gente espera que esse resultado contribua para um melhor entendimento do tumor e, entendendo melhor o tumor, sejamos capazes de elucidar novos biomarcadores e novas terapias-alvo lá no futuro e fazer com que isso tenha um impacto real clinicamente. É o que a gente quer: que a pesquisa chegue até os pacientes”

Livia Fratini

Além da análise das amostras, os pesquisadores testaram o medicamento Fingolimod (já utilizado no tratamento de esclerose múltipla) em células de meduloblastoma. Em trabalhos anteriores, já havia sido constatado que ele consegue trabalhar no mecanismo epigenético e “matar” as células desse tipo de tumor. No estudo, Livia percebeu que, com uma dose menor de Fingolimod, as células ainda vivem, mas é diminuída a expressão de ZEB1 nesse grupo de pacientes com o pior prognóstico. “É um resultado bem interessante se a gente pensar que, se é ruim que o paciente tenha mais ZEB1, a gente diminuir a expressão desse gene pode ser bom. Só que vimos isso em células, é um resultado bem preliminar, mas bastante interessante”, destaca. 

Na foto acima e na capa, Livia Fratini, doutoranda do PPG Genética e Biologia Molecular, no Laboratório de Câncer e Neurobiologia do HCPA (Foto: Flávio Dutra/JU)
Motivo de orgulho 

De acordo com Rafael, os adultos estão mais expostos a agressores cancerígenos como poluição, tabaco, álcool e sol, o que, além do tempo de vida, explica a ocorrência de câncer. Em crianças, porém, existe uma dificuldade em entender de onde vêm os tumores, já que elas não tiveram tempo de serem expostas a esses danos. Acredita-se, por isso, que o câncer infantil tenha origem em erros no processo do desenvolvimento embrionário. “Cada vez que tu olhas para mecanismos que participam do desenvolvimento embrionário normal, talvez aí esteja a chave de onde vem o câncer infantil. Foi um pouco desse insight que a Livia teve olhando para o ZEB1, que é um gene participante do desenvolvimento do cerebelo”, explica o docente.

“Eu estou muito feliz, muito orgulhosa por ter sido um dos meus primeiros trabalhos. Eu estudo meduloblastoma há muitos anos, já desde 2015, é muito tempo colaborando. E esse trabalho, claro, não foi feito sozinho, eu tenho outros autores que colaboraram, ajudaram com as análises, participaram das discussões, é um orgulho em grupo também”, ressalta Livia. Já Rafael destaca a importância das instituições parceiras que colaboraram para a realização do estudo. “Todo esse nosso trabalho sobre o câncer infantil, desde o início, algo como 15 anos, ocorre porque temos essa parceria. A gente tem espaço para fazer o trabalho de pesquisa dentro do Hospital de Clínicas, no Centro de Pesquisa Experimental, onde fica o laboratório. Sempre fomos encorajados e apoiados, temos uma relação muito forte com Instituto de Câncer Infantil, instituição privada sem fins lucrativos e que apoia trabalhos nesse sentido.”

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