Pesquisa com acelerador de partículas gera conhecimento em diversas áreas, do tratamento de câncer à criação da web

Publicado originalmente em Jornal da Universidade por Elstor Hanzen. Para acessar, clique aqui.

Internacionalização | Desde 2015, UFRGS integra o projeto do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), responsável pelo Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo

*Foto: Arquivo CERN/18 mar. 2013 – Projeção artística do campo de Brout-Englert-Higgs

Dor de cabeça para muitos estudantes e matéria complexa até para estudiosos da área, a física é a ciência de base nos experimentos do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), na fronteira entre a Suíça e a França, e uma das soluções para grandes desafios humanos. A física de partículas parece muito distante da vida no dia a dia, mas a distância acaba ao se olhar para o conhecimento e as tecnologias desenvolvidas a partir desses experimentos. As radiações que envolvem exames e tratamentos de câncer, a hadronterapia – uso de feixes de prótons ou íons acelerados também para o tratamento de tumores – e a internet nasceram de pesquisas dessa área.

“Sabemos que explicar os conceitos básicos de física de partículas é tema desafiador para um leigo. Compreender os benefícios trazidos pela ciência evidencia, contudo, a tarefa fundamental de defender a sua importância para a sociedade”, observa o professor e colaborador do Compact Muon Solenoid (CMS)/Grande Colisor de Hádrons (LHC), do CERN, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Gustavo Gil da Silveira. Também vinculado à UFRGS, o pesquisador diz que o CERN tem grande potencial por agregar diferentes áreas do conhecimento. “Estas atividades podem ser de instrumentação, onde dispositivos para detectores podem ser construídos, desenvolvimento de softwares para diversos fins e formação de recursos humanos de alto nível”, ressalta. Ao longo dos últimos cinco anos, por exemplo, as atividades no Instituto de Física (IF) da UFRGS vinculadas à colaboração CMS visam construir diferentes frentes em desenvolvimento tecnológico, sobretudo introduzindo estudantes à forma de trabalho no CERN.

Na parte tecnológica, uma pesquisa começa pela busca de dispositivos de medida resistentes à radiação, fazendo uso da longa experiência do IF em instrumentação física e em eletrônica. Em particular, procura-se desenvolver sensores para prótons de alta energia para o uso no espectrômetro preciso de prótons do experimento CMS, fundamental para entender os processos eletromagnéticos no acelerador LHC.

“Mesmo olhando para o universo microscópico, o qual praticamente só os cientistas compreendem, precisamos lançar mão de aparatos altamente tecnológicos para obter as respostas que buscamos, quando não achamos algumas novas surpresas pelo caminho. De forma direta, a energia nuclear, baseada na fissão nuclear, como futuramente na fusão nuclear, é oriunda de pesquisas básicas”

Gustavo Silveira
 professora Maria Beatriz Gay Ducatti, em trabalho no CERN, em Genebra, na Suiça (Foto: Arquivo Pessoal/Maria Beatriz Gay Ducatti)
Referência e colaboração internacional da UFRGS

A parceria com o CERN existe desde 2015, mas o trabalho sólido da UFRGS em Física vem de décadas. Professora da UFRGS e responsável pelo Grupo Fenomenologia de Partículas de Altas Energias (GFPAE) desde 1994, quando introduziu a área de pesquisa no IF, Maria Beatriz Gay Ducati está à frente do experimento Large Ion Collider (ALICE) do LHC. Ela ressalta que a possibilidade de participar ocorreu por causa da repercussão internacional do trabalho em Física Teórica de Partículas desenvolvido no Instituto. “O grupo teórico conta hoje com vários integrantes, alguns formados aqui, outros em outras instituições, e é muito ativo. Assim avançamos e construímos também o estudo experimental das colisões, produzindo dados que servem à comparação e ao refinamento da teoria quântica de campos, que rege prótons e núcleos atômicos, a Cromodinâmica Quântica”, afirma.

A pesquisa analisa o plasma quark-glúon (partículas que formam os prótons e nêutrons), que se expande e esfria, observando como ele progressivamente dá origem às partículas que constituem a matéria do nosso universo. O objetivo é recriar em laboratório condições similares ao Big Bang, que perduram por pouco tempo. A UFRGS foi a primeira universidade brasileira fora do eixo Rio-São Paulo a integrar a iniciativa, participando do projeto Muon Forward Tracker (MFT), que vai medir múons muito alinhados com a direção frontal da colisão e demandou avanços desde a instrumentação até o software.  

“O ganho se estende muito além da Física. O prestígio para uma instituição com a presença de um profissional ou estudante numa colaboração internacional dessa relevância é enorme. Além disso, há um aprendizado e cooperação na elaboração de projeto de ciência grande, democracia nas decisões, trabalho com colegas de distintas nacionalidades, comprometidos com uma agenda que é efetivamente cumprida, e apresentação regular de resultados para subgrupos de trabalho dentro da colaboração”

Maria Beatriz Gay Ducati

Um dos estudantes a integrar a pesquisa mundial de aceleração de partículas é o mestrando em Física Experimental de Altas Energias da UFRGS Lucas Nunes Lopes. Para ele, um importante aprendizado com a experiência foi o de compreender que ciência não se faz sozinho.

“O choque cultural de estar numa grande colaboração foi algo e tanto. É uma visão de como a pesquisa científica tende a ser. Hoje, a visão comum, até mesmo dentro da academia, é de que uma pessoa é responsável pela pesquisa, pelo artigo, talvez um pequeno grupo colaborando, mas, tudo, digamos, ‘autossustentável’. Numa grande colaboração, num grande experimento, porém, isso é impossível: são muitos dados, muitos aparelhos que precisam estar funcionando corretamente, juntamente dos programas que os controlam. Então você não faz nada sozinho”

Lucas Nunes Lopes

Em termos práticos, acrescenta, “sempre que a colaboração lança um artigo, seu nome também está lá creditado, mesmo que o artigo seja sobre análise de dados e você trabalhe no lado de engenharia”.

Registro frontal do CMS (Solenoide de Múon Compacto ou Compact Muon Solenoid, na sigla em Inglês) do projeto mundial de pesquisa do Cern (Foto: Arquivo Pessoal/Maria Beatriz Gay Ducatti)
Modelo Padrão e futuro da física de partículas  

Peça fundamental para consolidar o Modelo Padrão de Física de Partículas, a descoberta do bóson de Higgs completou 10 anos em julho de 2022. A partícula é uma das mais importantes da Física moderna e essencial para ajudar os cientistas a entenderem como a matéria se formou após o Big Bang, a explosão que teria dado origem ao universo há cerca de 13 bilhões de anos. As pesquisas que envolvem o LHC, o maior laboratório de Física de Partículas do planeta, buscam entender o surgimento do cosmos e de tudo o que o compõe, as partículas que o formam e o mantêm unido.

Maria Beatriz lembra bem do dia do anúncio da descoberta do bóson de Higgs: “Foi em 4 de julho de 2012. Estava em Melbourne, Austrália, para apresentar um trabalho na Conferência Internacional de Física de Altas Energias. Nesse dia houve uma transmissão do CERN para o anfiteatro lotado, informando os resultados dos experimentos CMS e ATLAS, que comprovavam a existência do, até então furtivo, bóson de Higgs, previsto em 1964. Essa descoberta completava a estrutura do Modelo Padrão da Física. Foi uma ocasião memorável”.

Após esse acontecimento, afirma a cientista, diversas questões seguem abertas sobre natureza da matéria escura, o comportamento do universo, a possibilidade de novas interações, a distinção entre matéria e antimatéria. Ainda há questões a responder sobre o próprio Higgs: o que gera sua própria massa, como se produz sua autointeração, se há outros tipos de Higgses, se ele se relaciona com matéria e energia escura, entre outras.

Na mesma direção, Gustavo enfatiza que muito ainda necessita ser conhecido sobre o bóson de Higgs, visto que existem propriedades intrínsecas e interação com outras partículas que precisam ser confirmadas. “Uma pergunta básica é: seria o bóson de Higgs uma partícula elementar ou composta, como os prótons e nêutrons?”, questiona. Segundo o cientista, o interesse nessa questão é grande, tanto que a China propôs a construção de um acelerador de alta energia para estudar em detalhe o bóson de Higgs, “porque essa parte recém-descoberta pode trazer novidades desconhecidas do Modelo Padrão, o que chamamos de Física Nova”, pontua.

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