Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.
Por Isabelly Risuenho| Ilustração: acervo da pesquisa
Baixinha, gorducha e dentuça. Xingamentos comuns à Mônica e a milhares de outras meninas que cresceram identificando-se com a personagem feminina de quadrinhos mais popular do Brasil. Há seis décadas, a criação de Mauricio de Sousa representa uma grande parcela de um público nacional que, muitas vezes, não possui protagonismo, seja ele social ou literário: o das mulheres gordas.
Muito além do sentimento de representatividade, Mauricio de Sousa também despertou, em muitas meninas, o interesse pela produção de quadrinhos. Atualmente, há um número significativo de mulheres quadrinistas que utilizam a sua arte para retratar e abordar questões pessoais e temáticas ligadas ao nacional e/ou regional, por exemplo. A partir dessa realidade, a pesquisadora Fabiana Oliveira Gillet buscou compreender como acontece a representação de mulheres gordas em webcomics – quadrinhos digitais na internet – e ilustrações compartilhadas no Instagram, desenvolvidas por mulheres amazônidas.
Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM/ILC) da Universidade Federal do Pará, a dissertação Representações de mulheres gordas em quadrinhos de autoria feminina da/na Amazônia analisou o perfil do Instagram de nove quadrinistas/ ilustradoras amazônidas, as imagens das ilustrações e webcomics desenvolvidas por elas, e dialogou, por meio de entrevistas, com essas personagens, a fim de discutir as representações do corpo gordo feminino e quais os sentidos produzidos e apreendidos por essas representações.
“A ideia surgiu de inquietações que ganharam forma ao longo de vários anos: a Mônica crescida e magra – e eu, que era/sou muita fã da Turma da Mônica, não; o movimento body positive; ilustrações, tiras e quadrinhos compartilhados no Instagram de artistas nortistas questionando estereótipos sobre o feminino e a Amazônia; o aumento da preocupação com o sobrepeso durante a pandemia de covid-19. Juntando tudo isso, surgiu a pesquisa que contribui, principalmente, para o debate sobre a gordofobia na Amazônia e a comunicação enquanto vetor de manutenção e transformação de estereótipos e estigmas sociais”, detalha a pesquisadora.
A representação de mulheres gordas, mas nem tanto
Desenvolvida durante a pandemia de covid-19, em que o isolamento social intensificou as atividades em meio virtual, a pesquisa iniciou com um levantamento de mulheres quadrinistas da Amazônia brasileira e com o mapeamento de quais redes sociais/plataformas estas artistas utilizavam na internet. Em seguida, já com os perfis identificados, Fabiana Gillet iniciou a busca por representações de mulheres gordas em webcomics e ilustrações na rede social Instagram.
Foram selecionadas as quadrinistas paraenses Mandy Barros, Mandie Gil, Karipola, Tai, Helô Rodrigues, Gyselle Kolwalsk e Maria Liddell; a amazonense Laura Athayde; e a amapaense Natália Muniz, por abordarem questões relacionadas à representatividade ou temáticas sobre o corpo e/ ou por se identificarem como mulheres gordas. E, por fim, houve a análise de imagem sobre as representações encontradas na pesquisa.
O estudo constatou uma pequena produção de webcomics de autoria das quadrinistas da região, tanto no Instagram como em outras redes sociais ou plataformas próprias para este tipo de publicação, como Tapas ou Social Comics. Boa parte da produção compartilhada consiste em webtiras e ilustrações com representações, majoritariamente, femininas. Infelizmente, as poucas mulheres gordas retratadas aparecem em um discurso do movimento body positive/corpo livre, com a ideia de amor-próprio e/ou ao estilo de vida plus size.
Marcador – Para Fabiana, um resultado importante foi a presença do marcador “peso” nos textos das webtiras ou nas legendas dos posts, usando a palavra “gorda”, por exemplo, apesar das ilustrações serem, majoritariamente, de mulheres gordas menores ou com sobrepeso. “Não quer dizer que não são mulheres afetadas pela gordofobia. Mas, quando se traz o termo ‘gorda’, por que não retratar mulheres maiores, que são as mais afetadas por esse estigma? Percebemos que não é por falta de intenção e vontade das artistas, mas, sim, pela ausência de referências, sobretudo positivas, de corporalidades gordas no imaginário social, de um modo geral”, explica a autora.
A pesquisa reforça a necessidade de estudos voltados para a produção feminina de quadrinhos na Amazônia e a interação entre quadrinistas leitoras propriamente dita, tendo em vista o caráter independente do trabalho e as invisibilizações que as artistas enfrentam no cenário nacional. Outros temas como raça, classe e sexualidade também devem ser explorados para que outras mulheres possam conquistar esse mercado, tornando as representações femininas cada vez mais presentes na sociedade.
Sobre a pesquisa: A dissertação Representações de mulheres gordas em quadrinhos de autoria feminina da/na Amazônia foi defendida por Fabiana Oliveira Gillet, em 2023, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM/ILC) da Universidade Federal do Pará. CVLattes: http://lattes.cnpq.br/6048649514131187 Orientação: prof. Luiz Cezar Silva dos Santos.
Beira do Rio edição 170