Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Rodrigo Vaz da Silva. Para acessar, clique aqui.
Artigo | Estudante de Relações Públicas, Rodrigo Vaz da Silva analisa as interfaces entre corpos, sexualidades e pessoas com deficiência no contexto da comunicação digital
*Foto: Captura de tela do feed da conta @janeladapatty no Instagram (Reprodução)
Acessibilidade e inclusão têm sido, nos últimos anos, pautas importantes a serem debatidas na sociedade. Quando se incluem a esses temas as perspectivas de corpo e sexualidade de pessoas com deficiência, a falta de informação prevalece. Pensando nisso, estruturou-se uma pesquisa que analisasse as relações e os atravessamentos entre as temáticas de sexualidade, corpo e deficiência, principalmente quando inseridas no contexto da comunicação digital, em específico nos sites de redes sociais como o Instagram.
O estudo foi pautado a partir do entendimento de que se trata de indivíduos de um grupo minorizado, marginalizado e invisibilizado socialmente, que ainda precisa lutar por direitos básicos, como acessibilidade e inclusão. Além disso, trata-se também da subjetividade dessas pessoas, como o amor, a afetividade, o desejo e a atração. Faz-se necessária, portanto, a compreensão da delicadeza e da complexidade do tema.
Tendo isso em vista, buscou-se compreender as possíveis interferências da geração de conteúdo sobre sexo e deficiência no Instagram na percepção de corpo e performatividade da sexualidade de pessoas com deficiência. Optou-se por analisar o perfil @janeladapatty, levando em consideração o posicionamento dos seguidores e da criadora do perfil sobre o tema. Foram mapeadas as principais publicações sobre o assunto veiculadas na página e foi realizada uma entrevista com a influenciadora.
Nessa entrevista, Patrícia Lorete, criadora do perfil, defendeu que a sexualidade não está só no ato sexual, e sim no afeto, na conversa, na imaginação, no contato, na sedução, e isso independe da deficiência.
O que se diferencia, no caso dos sujeitos dessa comunidade, são os seguintes pontos: o processo de autoconhecimento do corpo e da sexualidade, que pode ser tardio, devido à falta de incentivo embasada no capacitismo; o processo de empoderamento sobre o tema, para que a pessoa com deficiência sinta-se à vontade para conversar sobre seus desejos e fetiches e compartilhar com o outro as particularidades da sua performatividade e do seu corpo; e a necessidade de uma “normalização”, isto é, uma nova ótica da sociedade sobre o sujeito com deficiência, em que ficam escanteadas a infantilização, a superproteção e a invisibilização, reconhecendo este como um ser social, cultural e sexual.
Já a partir da análise dos conteúdos sobre sexualidade veiculados no perfil do Instagram, pode-se identificar o empoderamento e a humanização como características principais dos textos. Tecnicamente também é um material potente, pois se utiliza de diferentes tipos de formatos, interações e conexões entre os atores da rede, sendo, inclusive, potencialmente comercial.
Além dos diferentes formatos, também se apresenta uma variedade de assuntos, entre os quais, dentro da temática de sexualidade, foram mapeados cinco: empoderamento sexual, paternidade e/maternidade, devoteísmo, relacionamentos sexuais e/ou amorosos e sedução e desejo. Além destes, ainda foram encontradas as temáticas de conscientização sobre direitos, comunicação e cidadania, essenciais para a vida em sociedade.
Apesar desse conteúdo ser veiculado no perfil, ainda é necessária uma receptividade social sobre o tema, o que possibilita questionamentos como: por que a métrica de seguidores ainda é menor se comparada a de outros influenciadores com deficiência que não abordam a sexualidade? Existe alguma abertura do próprio Instagram no sentido de potencializar o conteúdo e os influenciadores dessa temática? Qual o limite entre a profundidade do conteúdo, o uso técnico da plataforma e a recepção cultural do tema?
Ainda sobre a análise, identificam-se muitos pontos de contato entre as falas da influenciadora e os posicionamentos dos seguidores, de forma a se considerar que um produz o outro, ao mesmo tempo que o público se informa, educa e produz-se sobre sua performatividade, a influenciadora produz e recebe informações e experiências, reconstruindo o seu self. Ou seja, há uma simbiose entre os atores, produzindo e interagindo coletivamente, a respeito de corpo e sexualidade de pessoas com deficiência.
No entanto, questiona-se o quanto essa simbiose ainda está incubada, pois, como informado pela influenciadora e identificado nos comentários das publicações, a maioria das trocas ainda são entre pessoas com deficiência.
Fica a incerteza se ainda é necessária essa incubação para que os indivíduos se produzam, se empoderem e então comuniquem e compartilhem fora da comunidade, ou se uma visibilidade maior sobre o perfil, uma explanação e divulgação do que ocorre nesta rede facilitariam o acesso à informação, o conhecimento, a quebra de paradigmas e preconceitos para que então não fosse mais necessário esse empoderamento, chegando à naturalização da temática.
Com isso, fica posta a consideração de que a geração de conteúdo sobre sexo e deficiência nas redes sociais interfere na percepção de corpo e na performatividade da sexualidade de pessoas com deficiência, a partir do momento que se considera uma “autoformação conjunta” de atores que, a partir do seus posicionamentos em uma rede e dos nós e interações criados, se produzem, se empoderam e se reconhecem como pessoas sociais, culturais e sexuais, com deficiência.
Rodrigo Vaz da Silva é estudante de Relações Públicas na UFRGS e, no trabalho de conclusão de curso, foi orientado por Ana Cristina Cypriano Pereira.