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Autonomia universitária | Levantamento do JU mapeou como cada uma das 69 universidades federais do país fazem a consulta para a reitoria. Dados revelam que 75,36% delas adotam a paridade, porém a falta de uma legislação acaba tornando o processo de escolha em algumas universidades inseguro
* Nicole Trevisol e Mírian Barradas, com a colaboração de Rafaela Bobsin e infográficos de Carolina Konrath
Em 19 de julho de 2024, a paridade prevaleceu na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ao som de batuques e aplausos, estudantes, técnicos e docentes reunidos no pátio do Câmpus Centro vibraram com o resultado da sessão do Conselho Universitário (Consun) que confirmou o resultado – considerando a distribuição paritária dos votos – da consulta realizada junto à comunidade universitária quatro dias antes.
Assim como prevaleceu na UFRGS, a paridade, que dá o peso de 33% para cada uma das categorias – discentes, docentes e técnicos – na formação do voto na Consulta Informal para o cargo de reitor(a) e vice-reitor(a), já é aplicada em 75,36% das universidades federais. A falta de segurança jurídica, entretanto, ainda gera instabilidades durante a consulta. No recente pleito, por conta de uma ação judicial, o processo que previa a paridade entre os votos de docentes, técnicos administrativos em educação (TAEs) e estudantes caiu por terra, e a Comissão de Consulta Informal entregou, em 15 de julho, ao Consun, apenas os dados brutos da eleição, sem ranquear vencedores.
Da Consulta Informal à sessão do Consun, a angústia tomou conta dos corredores da Universidade. Algo que parecia estar definido pela Resolução n.° 291, de 24 de novembro de 2023 do Consun, que aprovou a paridade no Processo de Consulta à Comunidade Acadêmica nas Eleições à Reitoria da UFRGS, tornou-se sem efeito após despacho do reitor Carlos André Bulhões Mendes em 1.° de março de 2024, que considerou, entre outros pontos, o Ofício n.° 15/2024 enviado pela Secretaria de Educação Superior (Sesu) em 10 de janeiro, para suspender os efeitos da Resolução 291. Soma-se a isso a Ação Popular n.° 5026029-53.2024.4.04.7100/RS, que em 4 de julho determina a forma de apuração dos votos para a classificação das chapas, com o peso de 70% para a manifestação do pessoal docente.
Um movimento interno, principalmente envolvendo estudantes e servidores TAEs, fez com que a pressão da comunidade universitária garantisse, em parte, que a votação no Consun seguisse o mesmo resultado da Consulta Informal, caso pudessem ser contabilizados os votos paritários. Assim, o grito de ‘paridade’ ressoou pelos pátios da UFRGS tão logo a apuração dos votos no Conselho foram finalizados: Marcia Cristina Bernardes Barbosa e Pedro de Almeida Costa, os escolhidos pela paridade, também foram referendados como cabeças da Lista Tríplice a ser enviada ao MEC.
Todo esse caminho tortuoso para a escolha dos dirigentes da reitoria em universidades federais não é raridade. Para tentar driblar uma legislação de 1968, que não atende mais à realidade democrática vivenciada nos ambientes educacionais, as próprias instituições criam normativas para garantir a igualdade nos pesos de votos na escolha de reitor entre as três categorias que integram esse espaço.
Isso, entretanto, não garante um processo sem percalços. Em 2019, mesmo com a paridade estabelecida para a Consulta Eleitoral Informal, a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) teve o envio da Lista Tríplice ao MEC impedida por conta de uma ação judicial. Somente em abril de 2023 o reitor eleito foi nomeado, após anos de gestão pro tempore.
Em 2021, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) viveu algo semelhante ao ocorrido este ano na UFRGS: a decisão judicial da 3.ª Vara Federal de Santa Maria alterou a paridade de votos entre os três segmentos de classes participantes (docentes, técnicos e estudantes), prevista na Resolução UFSM n.° 46/2021, para o peso 70/15/15 na apuração do resultado da Pesquisa de Opinião.
A jovem Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), criada em 2010, é a única das 69 federais que adota um sistema híbrido para se chegar aos nomes que serão enviados ao MEC: ela divulga os dois resultados. Tanto a paridade (33/33/33) como os dados sem paridade (70/15/15). Há ainda outras 16 universidades federais que não adotam a equidade de peso, sendo que a única nesse modelo no Rio Grande do Sul é a Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Em busca de ajustes na legislação
Essa disparidade destoa do espaço democrático e transparente esperado nas universidades federais, uma realidade que já nasce diferente com a Lei de Criação dos Institutos Federais e que serve de argumento para a apresentação do Projeto de Lei n.° 2699, que tramita desde 2011 no Câmara dos Deputados. Para tratar do processo de escolha dos dirigentes universitários, a proposta visa alterar o parágrafo único do artigo 56 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e os incisos II e III do artigo 16 da Lei n.º 5.540, de 28 de novembro de 1968, que fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média. Ou seja, a nova legislação instituiria o que hoje se pratica por regulamentação interna nas universidades federais: representação igualmente distribuída entre docentes, discentes e técnicos administrativos na escolha de dirigentes. Ainda, no caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevaleceriam votação uninominal e pesos iguais para a manifestação dos professores, técnicos e estudantes.
Em novembro de 2023, algumas universidades chegaram a comemorar a aprovação do PL que extingue a lista tríplice para nomeação de reitores e reitoras pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O texto, que substituiria a lista tríplice pelo encaminhamento ao Ministério da Educação apenas dos nomes do(a) reitor(a) e do(a) vice-reitor(a) eleitos(as) pela comunidade acadêmica, está parado após apresentação de um recurso e aguarda deliberação da Mesa Diretora da Câmara.
Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) na gestão 2022/2023, acompanha a tramitação do PL e explica que a Andifes conta com uma assessoria parlamentar, além de diversas diretorias, que têm feito todos os contatos possíveis para desatar o processo. “Essa demora é lastimável, mas faz parte do próprio processo legislativo.”
Entretanto, mais de 10 anos para regularizar uma situação que já ocorre na maioria das universidades federais é vista com estranheza por Alessandra Alfaro Bastos, servidora técnica em assuntos educacionais na UFSM e coordenadora geral da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Santa Maria (ASSUFSM), que rememora que em sua instituição a paridade existe há pelo menos 20 anos e de maneira informal.
“São as universidades fazendo as suas normativas paralelamente à legislação vigente. Acredito que essa mudança é muito difícil pelas constituições de poder. A gente sabe que, quando se movimentam estruturas de poder, sempre há uma ação de brecar essa modificação. Assim aconteceu quando houve a implementação das ações afirmativas tanto para ingresso nas universidades como também para o ingresso no serviço público. Mudar a lei vem muito em virtude disso, dessas correlações de poder que impedem a verdadeira gestão democrática das instituições”
Alessandra Alfaro Bastos
O debate promovido pela Andifes em defesa da aprovação do PL não tem a paridade como um ponto cardeal; o foco está no respeito à autonomia universitária, no fim da lista tríplice e na necessidade de se oficializar o processo de escolha da reitoria. “Do modo como é praticado hoje no Brasil é frágil e gerou uma série de inseguranças nas últimas décadas. Esse PL, quando respeita a autonomia universitária, permite que a universidade decida por um voto universal. Mas que fique claro: ao ver da Andifes, quando deliberou sobre o assunto, a autonomia universitária é mais importante do que a própria ideia de paridade”, pontua Fonseca.
Bastos bate na tecla de que há uma autoproteção, na verdade, de docentes das universidades. “Como nós, técnicos e alunos, temos menos poder, menos força, é muito difícil conseguirmos modificar a política. Apesar de haver todo esse discurso de gestão democrática, de diversidade, de inclusão, a gente vê que, na verdade, eles ficam só no discurso, e faltam ações para isso”, lamenta.
Por outro lado, diante de tudo o que foi vivenciado pelas universidades federais nos últimos anos, é consenso que a legislação como está torna a autonomia universitária mais insegura ainda. “De todo modo, temos que levar o PL adiante para evitar, como vimos num passado recente, que as universidades fiquem efetivamente à mercê de um governo que faça uma gestão muito ideológica ou agressiva contra as universidades – e, particularmente na escolha dos dirigentes, isso é trágico. Uma universidade, quando tem um dirigente sem legitimidade interna, sofre muito, e foi o que vimos no Brasil ao longo dos últimos anos”, reforça o reitor da UFPR.
“Esse PL institucionaliza, reforça e valoriza as universidades em sua vontade própria e desata um impasse que temos vivido há décadas”
Ricardo Marcelo Fonseca
A autonomia universitária parece ser o discurso que prevalece entre docentes. Já a igualdade no peso de votos e o sonho de concorrerem ao cargo máximo da universidade parece ser o dos servidores técnicos. No meio, entram os estudantes em busca de espaço e voz também na escolha daqueles que vão comandar o espaço educacional por quatro anos. O que se busca de todos os lados é que as culturas, as tradições e as características de cada universidade não sejam usadas de cortina de fumaça para que a paridade não seja uma realidade com amparo legal.
O grande problema desde 1995 é a dubiedade entre um processo que consulta efetivamente a comunidade de modo paritário e outro, previsto em lei, que se tornou meramente formal, pontos que o PL pretende resolver. Apesar de o Projeto de Lei tramitar há mais de 10 anos no Congresso, Fonseca desabafa ser provável que ele “não esteja nas prioridades da Mesa [Diretora]”.
Trata-se de uma mudança cultural que, necessariamente, precisa de um de giro epistemológico. “Uma mudança do entendimento de como se constrói uma Universidade, de como ela não é feita apenas para aqueles poucos que têm acesso aos locais de poder, mas, sim, para a comunidade, para o país, na promoção de uma cidadania e uma reflexão crítica de como nós queremos o Brasil”, finaliza Bastos.
É o que mostra a modalidade de paridade da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que adota pesos igualitários para docentes, técnicos administrativos, estudantes e comunidade externa: paridade 25/25/25/25.
Paridade em números nas Universidades Federais do Brasil
Acompanhe no quadro abaixo como é feita a consulta em cada uma das 69 universidades federais. Os dados foram solicitados diretamente às instituições. Quando não houve resposta, procedeu-se a solicitações via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Dados detalhados por Universidade Federal e Região
Região Sul (11 universidades)
Clique no Estado para acessar as Universidades e os respectivos modelos de consulta:Rio Grande do Sul (6 universidades)Santa Catarina (2 universidades)Paraná (3 universidades)
Região Sudeste (19 universidades)
Clique no Estado para acessar as Universidades e os respectivos modelos de consulta:São Paulo (3 universidades)Rio de Janeiro (4 universidades)Espírito Santo (1 universidade)Minas Gerais (11 universidades)
Região Centro-Oeste (8 universidades)
Clique no Estado para acessar as Universidades e os respectivos modelos de consulta:Mato Grosso do Sul (2 universidades)Mato Grosso (2 universidades)Goiás (3 universidades)Distrito Federal (1 universidade)
Região Nordeste (20 universidades)
Clique no Estado para acessar as Universidades e os respectivos modelos de consulta:Bahia (5 universidades)Pernambuco (4 universidades)Piauí (2 universidades)Ceará (2 universidades)Sergipe (1 universidade)Paraíba (2 universidades)Rio Grande do Norte (2 universidades)Maranhão (1 universidade)
Região Norte (11 universidades)
Clique no Estado para acessar as Universidades e os respectivos modelos de consulta:Tocantins (2 universidades)Pará (4 universidades)Amapá (1 universidade)Rondônia (1 universidade)Roraima (1 universidade)Amazonas (1 universidade)Acre (1 universidade)