Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica por Catarina Chagas. Para acessar, clique aqui.
Mesmo as pessoas que já tiveram a doença podem não estar protegidas e se reinfectar, portanto, deixar o vírus circular livremente não é uma boa estratégia de saúde pública.
Desde o começo da pandemia, há quem defenda que a melhor forma de enfrentar a COVID-19 é deixar a doença infectar a maior parte da população, de modo que, depois de ficarem doentes, as pessoas estejam protegidas contra a infecção. Esta estratégia já foi contestada por especialistas no passado, e continua sendo considerada pelos cientistas uma má ideia, embora continue circulando nas redes sociais. Além de antiético – pois deixa vulneráveis pessoas com comorbidades e outros fatores de risco para formas graves da COVID-19 – e perigoso – pelo risco de morte e porque muitas das pessoas que adoecem têm sequelas e complicações de longa duração –, o plano de atingir a imunidade de rebanho por meio da infecção em massa é ineficaz, pois tem-se observado que muitas pessoas, mesmo após contraírem o vírus e se curarem da doença, podem adoecer novamente.
Além disso, estudos mostram que, mesmo em casos em que a COVID-19 não evolui para formas graves e após as pessoas se recuperarem da infecção, uma parte dos pacientes pode apresentar sintomas da COVID-19 prolongada, incluindo fadiga, dor de cabeça, problemas neurológicos, dificuldade de atenção, perda de cabelos e dificuldade para respirar, entre outros. Essas sequelas podem durar meses, o que reforça a ideia de que não é vantajoso deixar que a população se contamine livremente.
Fazer com que a maioria da população esteja imunizada contra o SARS-CoV-2, causador da COVID-19, é, de fato, o caminho mais certeiro para reduzir a circulação do vírus e frear a pandemia. Porém, a única estratégia para que isso aconteça é a vacinação. “Para atingir a imunidade coletiva, precisamos de, no mínimo, 60% a 70% da população vacinada com o esquema vacinal completo [isto é, no caso de vacinas que requerem duas doses, todos precisam receber as duas doses]”, avalia o imunologista João Viola, presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e pesquisador do Instituto Nacional de Câncer. Ele ressalta que, com a grande maioria da população imunizada pela vacina, conseguiremos reduzir a circulação do vírus. Mesmo que algumas pessoas ainda sejam infectadas, se estiverem vacinadas, estarão protegidas da evolução para casos graves da COVID-19, que podem levar a óbito.
Resposta imune gerada pela infecção e resposta imune gerada pela vacina
É verdade que algumas pessoas, depois de infectadas pela COVID-19, desenvolvem uma proteção imune duradoura contra a doença. Porém, isso não acontece em todos os casos. Algumas pessoas são infectadas repetidas vezes, o que indica que seu sistema imunológico não é capaz de barrar o coronavírus. A geração de proteção duradoura contra a COVID-19 depende de vários fatores, incluindo a carga viral – isto é, a quantidade de vírus presente no organismo – durante a infecção primária.
Já as vacinas, explica Viola, promovem uma resposta imune controlada. “O antígeno viral está presente na vacina na quantidade certa, que foi estudada para desenvolver boa imunidade. É um efeito controlado, enquanto o efeito da infecção pode variar, e varia muito”, alerta.
Por isso, mesmo a quem já foi diagnosticado com COVID-19, recomenda-se que tome a vacina. A Organização Mundial da Saúde aconselha que indivíduos infectados aguardem 14 dias antes de receber o imunizante.
Não é necessário fazer exame sorológico para decidir tomar ou não a vacina
Outro equívoco que anda circulando pelas redes sociais é que a realização de exames sorológicos – isto é, exames de sangue que identificam a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2 – seria útil para decidir quem precisa ou não tomar vacina. Viola esclarece que esta prática não é recomendada: “Ter anticorpos não necessariamente significa ter imunidade”.
A imunidade contra vírus como o SARS-CoV-2 tem duas vertentes: a humoral (baseada nos anticorpos) e a celular, que depende de células de defesa conhecidas como linfócitos T e não é medida nos exames sorológicos. “Por um lado, não desenvolver anticorpos após a infecção não quer dizer que não induzimos imunidade celular, que é importante contra os vírus. Por outro, ter anticorpos também não necessariamente significa ter proteção contra a COVID-19”, esclarece o especialista.
Pelos mesmos motivos, não é necessário fazer exame sorológico para saber se a vacina funcionou – esse teste simplesmente não é adequado para verificar se um indivíduo desenvolveu proteção duradoura contra a COVID-19.