Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Highlights
- Sistemas alimentares baseados em monoculturas e distribuição concentrada em poucas empresas podem ser ainda mais nocivos no contexto da pandemia
- Recordes de produção do agronegócio não garantem aumento da segurança alimentar no Brasil
- Feiras livres, pequenos comércios e agricultura familiar são soluções com potencial para criar sistemas saudáveis e sustentáveis
Os sistemas alimentares atualmente dominantes já demonstravam serem nocivos no cenário pré-pandêmico — mas seus impactos negativos ficaram ainda mais evidentes durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Esse panorama é discutido em um estudo de pesquisadores das universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e São Paulo (Unifesp) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), publicado na segunda (30) na revista “Demetra”.
A análise recupera o histórico recente dos sistemas alimentares. No século 20, a tendência era a de uma economia de escala, o que levou à mecanização do campo, aumento do êxodo rural, intensificação da industrialização, centralização e, pouco tempo depois, à dominância das cadeias logísticas globais por corporações multinacionais. Hoje, sabe-se que esta lógica tem uma série de consequências preocupantes, com impactos negativos na economia, no meio ambiente, na saúde humana e nas relações sociais.
Durante a pandemia, a tendência é de agravamento destes efeitos. Neste sentido, o Brasil experimenta um aumento relevante do número de pessoas que vivenciam algum nível de insegurança alimentar. Além disso, o país também registrou uma tendência de aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, itens amplamente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão.
Iniciativas de incentivo a sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis ganham o apoio da sociedade civil, que, por meio de projetos sociais, arrecadam recursos financeiros para beneficiar produtores rurais e famílias em situação de vulnerabilidade social. Segundo destaca o estudo, esse esforço, no entanto, é insuficiente: as monoculturas ainda dominam a agricultura brasileira, e as grandes redes de supermercados detêm 93% do faturamento do varejo alimentar, indicando um sistema altamente centralizado.
“A descentralização passa pelo fortalecimento de cadeias locais e dos circuitos curtos de produção, das feiras livres e dos pequenos comércios, como açougues, mercados de frutas, legumes e verduras, padarias, dentre outros, que geram mais empregos e promovem circulação de renda nas comunidades, ao invés de concentrar renda nos grandes centros”, destacam os pesquisadores. A proteção aos biomas e a exploração racional dos recursos naturais em um país como o Brasil, que detém uma das maiores biodiversidades do planeta, é central para a oferta segura e regular de alimentos para todos.
Este tipo de comércio, sugerem os autores, poderia ter uma tributação diferenciada, que reconheça seus benefícios para a economia local e para a sociedade. Ainda segundo eles, é também importante o fortalecimento de políticas públicas de garantia de mercado e de compra direta para produtos locais, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e os Restaurantes Populares.
Sistema mais justo e inclusivo
A conclusão do artigo é que não basta fomentar sistemas alimentares saudáveis: é necessário reduzir investimentos em sistemas degenerativos, focados em beneficiar a arrecadação ou a balança comercial. Essa mudança exige um redirecionamento de políticas e recursos para criar formas mais justas e inclusivas de produção e distribuição de alimentos.
“O sistema que temos visto é contraproducente em relação aos aspectos ecológicos, sociais, econômicos e de saúde pública. E isso ficou mais evidente na pandemia. Os sistemas alimentares não podem ser pensados de forma reducionista, apenas focados em produzir qualquer tipo de alimento ou em maximizar exportações. Devem ser pensados como sistemas que produzam alimentos saudáveis e de qualidade, de forma socialmente justa e coerente com os ecossistemas e com os contextos culturais nos quais estão inseridos”, analisam os pesquisadores.