ONU e OMS não disseram que crianças devem ter parceiros sexuais

Publicado originalmente em Agência Lupa por Maiquel Rosauro. Para acessar, clique aqui.

Publicação nas redes sociais alega que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) disseram que crianças devem ter parceiros sexuais e instruem escolas primárias a ensinarem às crianças “masturbação, uso de pornografia, aprendizado de sexo oral e a terem relações homossexuais.”.  

A postagem traz como prova um endereço de um site que promete evidências sobre o assunto. A página diz que a ONU emitiu o relatório International Technical Guidance on Sexual Education – Orientação Técnica Internacional sobre Educação Sexual, em tradução livre – onde constariam as instruções para que crianças tenham parceiros sexuais. É falso.

O documento, que tem 139 páginas, não possui a citação anunciada no post. Por meio do ?projeto de verificação de notícias?, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa?:

“As crianças devem ter parceiros sexuais”, diz a ONU”
Evidências chocantes mostram como as Nações Unidas e a Organização Mundial de Saúde estão instruindo as escolas primárias de todo o mundo a ensinar as crianças a se masturbarem, usarem pornografia, aprenderem a fazer sexo oral e a terem relações homossexuais. A ONU instrui os professores a se certificarem de que as crianças tenham parceiros sexuais e comecem a fazer sexo o mais cedo possível. Convidamos você a dar uma olhada nesse relatório e a se posicionar para proteger as crianças.

– Texto em imagem que circula nas redes sociais

Falso

O relatório Orientações Técnicas Internacionais de Educação e Sexualidade (na versão em português), citado no post desinformativo, foi publicado em 2018 e discute a comprehensive sexuality education (CSE) – “Educação Integral em Sexualidade (EIS, em português)”. Esse documento é dirigido a profissionais da Educação e da Saúde para ajudá-los a desenvolver e implementar programas educativos para que adolescentes tenham uma preparação segura, informada e responsável em relação à sexualidade.

Em nenhuma página do guia consta a frase Children must have sexual partners (crianças devem ter parceiros sexuais) ou algo semelhante, como diz o post enganoso.

Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), o estudo é baseado em rigorosas evidências científicas provenientes de diversas partes do mundo. Em nota enviada à Lupa, a entidade aponta que pesquisas indicam que a educação sexual integral capacita as pessoas a tomar decisões informadas sobre sexualidade e relacionamentos, aumenta a autoestima e proporciona resultados positivos para a saúde. 

“É mais provável que pessoas jovens adiem o início da atividade sexual e pratiquem sexo seguro quando estão mais bem informadas sobre sexualidade, relações sexuais e seus direitos. A educação sexual integral as ajuda a se prepararem e a administrarem as mudanças físicas e emocionais que ocorrem à medida que crescem, ao mesmo tempo que as ensina sobre valores fundamentais, como respeito e consentimento, e onde ir se precisarem de ajuda. Isso, de forma crucial, reduz os riscos de exploração e abuso”, diz a OMS.

O documento foi desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),  Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) e ONU Mulheres, sendo que a última edição foi lançada em 2018. 

A masturbação também não é promovida na educação sexual integral, como afirma o post enganoso. “A OMS não promove a masturbação – nem qualquer outro ato – em seus documentos”, diz a OMS em nota enviada à Lupa.

Site com informações distorcidas

O site com as informações falsas tira de contexto trechos do relatório, dizendo, por exemplo, que na página 16 consta a frase “Seu objetivo é equipar as crianças… para desenvolver relações sexuais”. A afirmação está distorcida. Na verdade, o texto diz que a Educação Integral em Sexualidade (EIS) é um processo que busca ensinar aspectos cognitivos, emocionais, físicos e sociais da sexualidade.

A frase completa diz: “A EIS é um processo de ensino e aprendizagem com base em um currículo sobre os aspectos cognitivos, emocionais, físicos e sociais da sexualidade. Tem por objetivo transmitir conhecimentos, habilidades, atitudes e valores a crianças, adolescentes e jovens de forma a fornecer-lhes autonomia para: garantir a própria saúde, bem-estar e dignidade; desenvolver relacionamentos sociais e sexuais de respeito; considerar como suas escolhas afetam o bem-estar próprio e o de outras pessoas; entender e garantir a proteção de seus direitos ao longo de toda a vida”.

Desinformação teve como origem relatório de juristas

A publicação foi disseminada em outros países, com diferentes traduções. À Reuters, o chefe do Departamento de Saúde Sexual e Reprodutiva do UNFPA, Will Zeck, disse que o post é falso, já que os benefícios da educação sexual integral para a saúde estão bem documentados.

Conforme a Associated Press, a postagem viralizou nas redes sociais em meio à divulgação de um relatório que ficou conhecido como Princípios de 8 de Março. O documento, produzido pela Comissão Internacional de Juristas (ICJ), recomenda a atores do judiciário uma abordagem baseada em direitos humanos para leis criminais que normalmente penalizam condutas associadas a sexo, reprodução, uso de drogas, HIV, falta de moradia e pobreza.

Conteúdo similar foi verificado por AFP e  Estadão Verifica.

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