Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta
Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 devem entrar para a história por importantes passos no extenso (e tortuoso) caminho que é a busca por equidade de gênero no esporte. Além de contarem com a maior participação feminina dos últimos 100 anos, com metade dos competidores formada por mulheres, o Serviço Olímpico de Transmissão tem orientado os operadores de câmera para que não registrem imagens sexistas das atletas.
Yiannis Exarchos, responsável pela transmissão dos jogos, declarou no último domingo (28) que houve uma atualização das diretrizes que devem ser seguidas por quem trabalha na filmagem das modalidades — homens, em sua maioria —, com o objetivo de evitar “estereótipos e sexismo” e (tentar) garantir uma “cobertura igualitária”. Segundo ele, há um “viés inconsciente” por parte desses profissionais, que tendem a capturar e selecionar mais imagens aproximadas das mulheres.
O “viés inconsciente” a que Exarchos se refere nada mais é do que a estrutura machista e misógina que sustenta as relações sociais, inclusive nos esportes e nas mídias que fazem a sua cobertura. O Comitê Olímpico Internacional (COI) já vinha tentando fazer esse movimento desde os Jogos de Tóquio, quando o próprio Exarchos afirmou que a transmissão deveria ter um “apelo esportivo” e não “sexual”.
Historicamente, as mulheres sempre foram sexualizadas nesse universo — basta observar a diferença entre os uniformes delas e deles em diversas modalidades. Nos últimos anos, o descontentamento das esportistas veio a público em dois momentos: em 2021, a equipe feminina norueguesa de handebol de praia se recusou a usar biquíni para jogar o campeonato europeu e, ao optar por shorts, foi multada em €1,5 mil (cerca de R$ 9.200). Já em Tóquio, as ginastas da Alemanha abandonaram os collants e utilizaram um traje que cobria praticamente todo o corpo, também em protesto contra a sexualização.
Além de misógino e machista, o olhar sobre os corpos das mulheres que competem profissionalmente também é reducionista, ao passo que desrespeita a diversidade e reforça um ideal físico único e a feminilidade compulsória. Em uma competição como as Olimpíadas, há mulheres das mais variadas origens, de raças, sexualidades e idades. É preciso afirmar o óbvio: não existe apenas um biotipo corporal feminino próprio para ser atleta, e bons exemplos disso são a amazona Jill Irving e a mesa tenista Ni Xialian, ambas de 61 anos, que representam respectivamente Canadá e Luxemburgo em Paris.
“As primeiras Olimpíadas com igualdade de gênero”, como os jogos deste ano estão sendo chamados, trazem enfim o entendimento de que a representatividade no número de atletas precisa ser acompanhada de uma reflexão sobre a maneira como olhamos para elas, maneira essa influenciada pelo que nos é transmitido midiaticamente. Como os feitos dessas mulheres estão sendo mostrados, informados, comentados e narrados? Que imagem temos de suas conquistas e superações?
Por isso, é fundamental que o jornalismo conte com mais mulheres profissionais em todas as funções, para que comentários como os feitos pelo jornalista Bob Ballart, da televisão europeia Eurosport, no último sábado (27), sejam enfim expurgados da cobertura esportiva. Durante a transmissão da conquista do ouro e do recorde olímpico pela equipe de natação feminina da Austrália no revezamento 4x100m, ele disse: “Bem, as mulheres estão terminando, você sabe como as mulheres são. Ficam por aí, sabe, se maquiando”.
Imagens e discursos jornalísticos estereotiparam as mulheres por décadas e isso, enfim, parece estar mudando, mesmo que aos poucos. Que os Jogos Olímpicos de Los Angeles em 2028 contem com ainda mais mulheres competindo, nas mais diferentes modalidades, e sendo fotografadas e filmadas como atletas profissionais inspiradoras que dedicam suas vidas ao esporte.