‘OAB conservadora’ defende golpistas e alimenta desinformação nas redes

Publicado originalmente em Agência Lupa por Iara Diniz. Para acessar, clique aqui.

Utilizando o slogan “Deus, Pátria, Família e Liberdade”, a Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB) atua, segundo seu estatuto, para “representar o interesse dos conservadores”. Mas a associação, fundada em dezembro de 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), coleciona uma série de denúncias sobre sua atuação, além de disseminar desinformação nas redes sociais.

O caso mais recente envolve os atos de 8 de janeiro em Brasília. A OACB foi notificada pela Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF) por “práticas ilegais em assistências de custódia” de pessoas que foram presas nos ataques à capital federal. Segundo a notificação, assinada pelo presidente da OAB no Distrito Federal, Délio Lins e Silva Junior, no dia 12 de janeiro, foram registradas ocorrências envolvendo ao menos dois advogados da entidade conservadora. A pretexto de fazer um serviço pro bono – trabalho voluntário, sem custos – eles estariam se apresentando em audiências como representantes legais de detidos sem terem sido constituídos por eles ou familiares.

A atitude, de acordo com a OAB, pode ser enquadrada como angariação ou captação de causas com ou sem intervenção de terceiros, o que caracteriza infração ética-disciplinar segundo o artigo 34, inciso IV, do Estatuto da Advocacia. A prática está sendo apurada pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB no Distrito Federal. 

A OACB, contudo, nega que faz captação irregular de clientes, apesar de confirmar que advogados foram convocados a ir a Brasília atuar nos processos envolvendo os atos de 8 de janeiro.

“Na noite do dia 08 [de janeiro] recebi a ligação de um colega de Brasília relatando diversos problemas e irregularidades nas prisões. Os advogados foram convocados pela OACB para ajudar e eles foram por recursos próprios. Era um trabalho gratuito. Se o preso já tinha advogado, nossos associados se retiravam. Em nenhum momento tivemos advogados praticando advocacia predatória ou captando clientes”, justificou o presidente da entidade, Geraldo José Barral. De acordo com ele, após a notificação da OAB, os associados foram orientados a não usar o nome da entidade para atuar nos casos. 

“Mas, depois da notificação, orientei que os advogados atendessem individualmente pro bono e que a OACB não mais poderia atuar dessa forma”, acrescentou.

Essa, no entanto, não é primeira vez que a OACB é alvo de denúncias. A entidade responde a uma Ação Civil Pública movida pelo Conselho Federal da OAB por “promover captação de clientela para os advogados associados e ofertar serviços jurídicos por meio de pessoa jurídica não inscrita nos quadros da Ordem”.

Publicação compartilhada pela OACB

Na época, a OACB foi denunciada por fazer um post nas redes sociais pedindo que fossem reportadas à associação publicações com ofensas contra o presidente Jair Bolsonaro para que fossem ajuizadas ações. O uso de nome e logomarca semelhantes aos da OAB também são motivo de questionamento.

Pelo mesmo motivo, a Corregedoria da OAB determinou que membros da OACB tivessem suas condutas apuradas em procedimentos ético-disciplinares instaurados na Seccional da Paraíba, onde fica a sede da entidade conservadora. Segundo despacho do órgão, publicado em fevereiro de 2021, a associação estava sendo utilizada “com nítido intuito de captação de clientes/causas para os advogados a ela vinculados”. 

Desinformação

A disseminação de informações falsas também encontra eco na OACB. Recentemente, a entidade publicou um tuíte que afirmava que uma idosa tinha morrido após ser presa pela Polícia Federal nos atos antidemocráticos em Brasília. O conteúdo foi compartilhado por agentes políticos, entre eles a deputada federal Bia Kicis (PL-DF). Lupa checou a informação e mostrou que era falsa. 

Barral, presidente da OACB, justificou o caso dizendo que “havia muito conflito de informação” no 8 de janeiro e que a falsa notícia sobre morte de uma pessoa não foi produzida pela organização, apenas divulgada.
“Pessoas lá de dentro falaram comigo que aconteceu, mas a Polícia Federal negou. Tinha vídeos disso. Então, nós justificamos essa publicação depois”, disse ele, acrescentando, em seguida, que a OACB “não tem interesse de propagar mentiras”.

Mas outras narrativas desinformativas também foram compartilhadas pela entidade nas redes sociais. A principal delas diz respeito ao processo eleitoral. 

“Enquanto não for revelado o código-fonte, enquanto não for devidamente apurado quem ganhou as eleições para presidência da República em 2022, ele [Bolsonaro] não deixará o cargo. E isso será feito também utilizando as Forças Armadas e o apoio popular”, afirma o vice-presidente da OACB, João Alberto Cunha Filho, em vídeo divulgado pela associação no Instagram no dia 28 de dezembro de 2022.

Publicações como essa são facilmente encontradas no Instagram da OACB, onde a entidade reúne quase 41 mil seguidores. A maior parte delas sugere que houve fraude no pleito e aponta relatórios produzidos pelo Ministério da Defesa e pelo PL, partido de Bolsonaro, como supostas provas de irregularidades. Como mostrou a Lupa, nenhum desses relatórios comprovou fraude nas eleições. 

A respeito desse tipo de conteúdo, que coloca em xeque o resultado das eleições, o presidente da OACB afirma que “foi colocado um ponto final”. Por mais que ele considere a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “desconfortável” para o país, pondera que “não adianta mais questionar”. 

“Vamos trabalhar em uma nova era, começar um novo projeto, se tornou impossível discutir isso. Não vamos questionar, não há mais recurso para isso, não há o que fazer”, afirmou. 

Além do perfil da OACB, membros da associação também usam suas contas privadas para espalhar desinformação nas redes sociais. O vice-presidente Cunha Filho, por exemplo, mantém uma postagem em seu Instagram associando o boné com a sigla CPX, usado pelo presidente Lula durante a campanha eleitoral, ao tráfico de drogas. Conforme mostrou a Lupa, o termo CPX se refere a complexo de favelas do Rio de Janeiro. 

Em outra postagem, o advogado, que é pastor, acusou o petista de ser satanista. Em vídeo publicado em 3 de outubro de 2022, um dia após o resultado do primeiro turno das eleições, Cunha Filho afirmou que as pessoas tinham duas opções, sendo que uma delas seria “Lula, que é um candidato satanista, que vai conduzir a nação nos próximos quatro anos com base nos princípios satanistas”. Narrativas como esta foram derrubadas das redes sociais por determinação do TSE. Segundo a Corte, elas transmitiam “informações evidentemente inverídicas”. 

A reportagem tentou falar com o vice-presidente da OAB, mas ele não respondeu às solicitações de entrevista. 

O que é a OACB

Fundada em 20 de dezembro de 2019, a Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil tem estatuto, regimento interno e conta com diretores de seccionais em cada um dos estados.

Para integrar a entidade, que hoje conta com mais de 200 membros, é necessário pagar uma mensalidade de 2% do salário mínimo, além de “professar os valores e princípios conservadores como a preservação dos valores da família tradicional, a cristandade, o patriotismo, o estado mínimo, o direito ao porte de armas para defesa pessoal”, entre outros. 

Segundo a ficha de inscrição disponível no site da associação, os membros devem manifestar oposição “ao socialismo marxista, ao marxismo cultural, ao gramscismo e ao comunismo”.

Para além de defender valores conservadores, a OACB mostra interesses político-partidários. Na última semana, membros da associação estiveram em Brasília se reunindo com parlamentares de direita, entre eles o senador Plínio Valério (PSDB-AM), o deputado federal Sanderson (PL-RS) e Sergio Camargo, ex-presidente da F​​undação Palmares durante o governo Bolsonaro. 

Em vídeo divulgado pela OACB no Instagram, o vice-presidente da entidade afirmou que a associação está à frente de um movimento conservador nacional visando as eleições de 2024. “Não podemos perder as prefeituras para governos de esquerda”, ressalta Cunha Filho, que foi candidato a deputado federal na Paraíba em 2022 pelo PRTB.  

De acordo com Barral, presidente da OACB, a associação funciona como um braço jurídico desse movimento, para agir em situações de ilegalidades ou eventuais crimes. E que, apesar de a entidade não ter nascido com objetivo político, há interesse em ter colegas nas eleições, “ocupando esse espaço”. 

“A gente, enquanto associação, pode ter essa tendência política. O que combatemos é que a OAB, nossa entidade, aja dessa forma. Nem para esquerda, que entendemos que hoje é a posição dela, nem para a direita. Tem que ter uma política em prol da advocacia”, criticou. 

O que diz a OAB

Por meio de nota, o Conselho Federal da OAB informou que adotou medidas contra a OACB “em razão da utilização da logo e nome semelhantes ao da OAB, bem como por promover a captação de clientela para os advogados associados e ofertar serviços jurídicos por meio de pessoa jurídica não inscrita nos quadros da OAB”. Foi ajuizada uma Ação Civil Pública que tramita na 17ª Vara Federal de Brasília. 

A OAB ainda disse que as denúncias de captação irregular de clientes presos pelos atos de 8 de janeiro terão “seu regular processamento no âmbito da entidade, sendo sigilosos os procedimentos éticos-disciplinares”. 

Nota: esta reportagem faz parte do projeto Lupa nos Golpistas, produzido pela Lupa com apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.

Editado por

Leandro Becker e Maurício Moraes

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