Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
*Daniela Machado é coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta
*Crédito da Imagem: Gilvan Rocha/Agência Brasil
Um jovem casal de turistas refresca-se em uma fonte próxima ao Panteão, em Roma, enquanto uma senhora compra sorvete diante do termômetro de rua que marca 43 graus Celsius. Uma mãe chora a morte da filha de 11 anos e do marido, que foram arrastados pela força da enchente no Rio Grande do Sul, depois de passar 24 horas agarrada a um poste até ser socorrida.
Essas cenas descrevem as consequências de um mesmo fenômeno: as severas mudanças climáticas que aterrorizam, de um jeito ou de outro, quase toda a população do planeta. Também compartilham o fato de terem sido veiculadas pela imprensa, em sites ou programas jornalísticos na TV em julho do ano passado e em maio deste ano, respectivamente.
Qual delas gera mais senso de urgência? A maneira como o jornalismo retrata a tragédia climática ajuda a moldar a visão que temos dela, inspirando mais ou menos ações individuais e coletivas. Essa discussão importa porque a qualidade e a credibilidade das informações disponíveis sobre o clima serão especialmente decisivas em 2024, ano em que cerca de metade da população mundial votará em eleições nacionais ou regionais.
Para Kyle Pope, cofundador da iniciativa Covering Climate Now, essa coincidência torna o momento decisivo não só para o clima, mas também para o jornalismo. Ele esteve no Brasil na semana passada para o Encontro Internacional de Educação Midiática, promovido pelo Instituto Palavra Aberta em parceria com a Fundação Roberto Marinho.
“O trabalho do jornalismo é trazer a consciência do que está acontecendo, mostrar o que está em jogo. (Mas) o jornalismo também está em crise e a desinformação está crescendo, está se tornando cada vez pior e não é algo que vai parar”, afirmou. “O jornalismo não tem respondido bem, na minha opinião, pelo menos nos Estados Unidos. Ainda somos um pouco tímidos na nossa reação (às tragédias climáticas).”
A Covering Climate Now surgiu em 2019 como uma tentativa de responder a esse cenário. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que reúne, apoia e treina jornalistas para uma cobertura mais assertiva da crise climática. Atualmente, a iniciativa conecta mais de 500 redações de 57 países (incluindo o Brasil), que já alcançaram uma audiência combinada de 2 bilhões de pessoas.
Pope relatou conversas que teve com diversos veículos de comunicação, alguns de grande porte, para entender por que muitas reportagens sobre a emergência do clima eram superficiais, em sua avaliação. Em primeiro lugar, ouviu que o ambiente de polarização fez com que algumas redações evitassem um tom mais contundente por receio de serem acusadas de servir este ou aquele político. Também pesou o entendimento de que o público estava cansado de assuntos negativos e/ou tristes e o temor era de que as pessoas simplesmente “desligassem a televisão ou parassem de ler as notícias”.
Além disso, tratar da emergência climática demanda conhecimento especializado e investimentos. Mas é um assunto do qual não temos como fugir.
“Frequentemente, no mundo todo, vemos cobertura climática (por jornalistas) quando temos um desastre, quando vemos enchentes, um furacão… Infelizmente, os efeitos das mudanças climáticas ocorrem sobre todos nós — existe, sim, um elemento de justiça social que faz com que alguns sintam antes, mas todos serão afetados e o papel do jornalista é ligar o clima à vida das pessoas”, acrescentou.
“O clima está afetando as alergias, o número de horas que as crianças podem estar na escola… Nos EUA, o baseball está sendo afetado porque o ar mais quente permite que a bola seja lançada mais longe. Existem diversas pautas que mostram como o clima afeta nossa vida e são essas pautas que vão conscientizar as pessoas.”
Para Pope, há uma lição da Covid-19 que precisa ser lembrada: no início da pandemia, o assunto era acompanhado apenas por jornalistas da área de saúde, mas logo ficou claro que as consequências recaíam sobre muitos setores, e todos no jornalismo tiveram que se envolver. “Precisamos pensar sobre o clima da mesma forma.”
Esta é, segundo ele, uma oportunidade para a imprensa reafirmar-se como fonte confiável de informações, com as quais a população pode contar em momentos desafiadores.
Em 2021, o índice de confiança na imprensa divulgado pelo Reuters Institute e a Universidade de Oxford (Digital News Report) subiu 6 pontos percentuais, para 44%, na esteira da Covid-19. O indicador mostrou que, quando se trata de tomar decisões que afetam diretamente nossas vidas, não podemos contar com conteúdos apócrifos que brotam em grupos de mensagem, mas sim com informações oriundas de fontes conhecidas e responsáveis. Que o jornalismo possa, novamente, exercer esse papel.