O jornalismo para audiências jovens: um debate que vai além do uso das mídias sociais

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Os jornais brasileiros já perceberam que seus leitores estão envelhecendo e que precisam pensar como alcançar as gerações mais jovens. Mais do que a manutenção de assinantes, essa aproximação com o público jovem é importante para que o jornalismo cumpra sua função de informar os cidadãos e de subsidiar as decisões da população, o que inclui o combate à desinformação. Ao investir no hábito de se informar através de conteúdos jornalísticos desde cedo, estamos investindo na consolidação do jornalismo como uma referência para a cidadania e para a democracia.

Iniciativas que procuram uma aproximação com um público adolescente ou no início da juventude podem ser observadas em jornais mais tradicionais ou em veículos nativos digitais, o que exige uma revisão de proposta estética, da linguagem e das plataformas trabalhadas. O Canal Reload se destaca por investir em uma abordagem que contextualiza e explica notícias e reportagens publicadas por dez veículos de jornalismo independente. O conteúdo produzido para a audiência jovem é publicado em mídias sociais e em uma newsletter, investindo no jornalismo multiplataforma como um caminho para a diversificação das formas de acesso. A Agência Mural é formada por jornalistas mais jovens e por correspondentes que moram nas periferias e investem em pautas de suas localidades. Além do site, que apresenta editorias com uma linguagem mais próxima dos jovens, a agência também investe em redes sociais, em quadrinhos e em imagens descontraídas que provoquem os jovens a pensar sobre a notícia. O Nexo Jornal trabalha com a iniciativa Nexo Edu, que seleciona conteúdos jornalísticos publicados no site e que podem ser usados nas escolas como material de pesquisa e debate, o que inclui temas cobrados no Enem e em vestibulares.

O perfil do The Guardian foi um dos primeiros a se destacar no TikTok pela proposta jornalística e pelo uso das ferramentas da plataforma. Os vídeos desse perfil apresentam enquadramentos e narrativas próprias da plataforma, uma proposta que já vinha sendo utilizada em vídeos de entretenimento produzidos pelos internautas. O diferencial da proposta do The Guardian foi entender as possibilidades do TikTok e como os jovens estavam se apropriando dessas possibilidades. No Brasil, o jornal Estadão, que começou a investir nessa abordagem mais jovem na sua conta do Instagram, atualmente está trabalhando mais com o perfil do TikTok para alcançar essa audiência. O jornalismo do Estadão, e de outros jornais com histórico semelhante a esse veículo, busca contextualizar notícias atuais usando vídeos na vertical, trechos de animações, efeitos sonoros e memes. Também é possível encontrar conteúdo patrocinado com a mesma estrutura, o que pode contribuir para uma confusão sobre o que é conteúdo noticioso e o que é publicidade.

O que tem em comum entre essas iniciativas? Elas amplificam para jovens e adolescentes conteúdos jornalísticos trabalhados nas diferentes editorias, não são assuntos escolhidos por editores com base em pesquisas de opinião, como acontecia nas revistas para adolescentes dos anos 80 e 90. São pautas debatidas amplamente, como: o desemprego, a violência urbana, a inflação, o acesso à educação, a Guerra na Ucrânia ou a Covid-19. O diferencial está no formato, nas pessoas que apresentam a notícia e no esforço em tentar contextualizar a informação. Dificilmente vamos encontrar um jornalismo meramente declaratório nesse tipo de conteúdo.

Se podemos observar mudanças estéticas e técnicas – no que se refere à distribuição -, também podemos observar cuidados que caracterizam o jornalismo, como a apuração, a transparência e a ética. Apesar de buscar inspiração no formato de influenciadores digitais que estão mais próximos de jovens e adolescentes, a essência da produção da informação é orientada pela práxis jornalística. Por outro lado, também podemos observar um grande investimento nas mídias sociais e na busca por engajamento, o que exige um melhor entendimento sobre as condições de acesso à internet da população adolescente e jovem.

Segundo o Comitê Gestor da Internet (CGI BR), em 2020 estimava-se que 98% da população entre 10 e 17 anos vivia em domicílios com telefone celular. Quando comparamos com outros dispositivos de acesso à Internet, podemos observar que essa mesma população reside em domicílios com computador (45%), notebook (74%) e tablet (45%).  Ou seja, o acesso a conteúdos digitais é predominantemente realizado através dos celulares, sendo que, em 2020, 92% dos domicílios com crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos tinham acesso à Internet, dos quais 69% tinham a banda larga fixa como tipo de conexão principal. De acordo com a pesquisa, no ano de 2020, 94% dos indivíduos entre 10 e 17 anos eram usuários de Internet. Se considerarmos a faixa etária entre 16 e 24 anos, também segundo o CGI BR na pesquisa TIC Domicílio, 96% dessa população tinha acesso à internet em 2020.

O cenário apresentado pelo CGI BR traz algumas balizas para pensarmos essa aproximação do jornalismo com as audiências mais jovens. Em primeiro lugar, como já era previsível, o dispositivo mais usado é o celular. Além disso, o acesso à banda larga não é tão difundido quanto idealizamos. Em muitos casos, essa população ainda depende da conexão por dados com 3G e 4G, que oferecem planos de telefonia móvel com aplicativos patrocinados que não consomem a franquia de dados do plano. Os usuários desses planos que não tem acesso à banda larga são ainda mais dependentes de big techs como Google e Meta.

A aproximação do jornalismo de audiências mais jovens perpassa pelo uso de plataformas como TikTok, Instagram, Twitter, YouTube, Whatsapp, dentre outros aplicativos. Entretanto, o jornalismo também precisa problematizar a dependência dessas plataformas e de seus algoritmos, considerando que essas empresas manipulam os acessos às informações de acordo com seus interesses comerciais. É necessário pensar em outros canais de interlocução com essa população.

Iniciativas como o Desenrola e Não Enrola e o Énois apontam alguns caminhos para pensarmos essa conversa do jornalismo com audiências mais jovens. O projeto Você Repórter da Periferia, realizado pelo Desenrola, desenvolve oficinas com jovens entre 16 e 25 anos para trabalhar o jornalismo na produção de conhecimento e incentivar um jornalismo geolocalizado. A Escola de Jornalismo, realizada pelo Énois em conjunto com veículos parceiros, forma jovens entre 17 e 21 anos sobre a prática do jornalismo. Essas iniciativas trazem o offline para o debate, o que pode parecer um contrassenso quando tratamos de uma geração tão conectada, e abrem espaço para construirmos outras vias de comunicação com uma audiência que não é homogênea para consolidarmos redes de interlocução com esse público.

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