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oão Paulo Mallmann
Pesquisador do Objethos e Mestrando no Posjor/UFSC
Na última quarta-feira, dia 29, o conhecido empresário catarinense e bolsonarista Luciano Hang deu o seu depoimento na CPI da Covid, em Brasília. Como já era de se esperar, o que se viu foi um show de horrores protagonizado pelo depoente, também investigado em inquéritos de disparo de fake news em massa e que coleciona uma quantidade chamativa de processos trabalhistas, além das condenações por sonegação de impostos.
Para o campo progressista e de pessoas não ligadas ao bolsonarismo, realmente não houve surpresa. Hang reafirmou seu negacionismo e a falta de apreço pelo diálogo, pela democracia ou por qualquer traço de razoabilidade humana, e uma de suas principais defesas é o número de empregados que suas lojas têm, e o quanto isso supostamente ajuda o país a se desenvolver.
Nisto, parte da imprensa, o que também não gera surpresa, mostrou mais uma vez a sua face. O jornal Notícias do Dia (ND), único diário impresso de Florianópolis e que conta com um bom alcance, optou por estampar a capa e reportagem principal sobre o depoimento com aspas de Hang que reforçam sua suposta inocência. No editorial, porém, deixaram claro qual seria o foco do veículo na defesa do empresário.
Intitulado “CPI tenta transformar empresário em bandido”, o artigo faz com que quem lê acredite que Luciano Hang foi depor apenas por ser aliado do governo Bolsonaro, não por ter envolvido a própria mãe (morta por Covid-19) nos experimentos criminosos da Prevent Sênior. Tentam forçar uma narrativa de perseguição a uma “voz solitária e corajosa, um patriota que acredita que pode melhorar o Brasil”, dizendo que em um país sério ele seria alvo de elogios e agradecimentos por trabalhar pelo desenvolvimento do país, não de investigações.
Esse é o principal apoio dos empresários brasileiros quando sentem-se acuados por serem confrontados com seus próprios atos. Eles esbravejam o quanto geram empregos, uma narrativa capenga que tem a intenção de pintá-los como bondosos defensores do país. o problema é quando, por conveniência ideológica, um veículo de imprensa de alcance como é o Notícias do Dia, bolsonarista até na coluna social de duas páginas, compre a narrativa e espalhe isso também em programas de televisão e rádio, já que são parceiros íntimos da Jovem Pan em Florianópolis.
Para piorar, o colunista Moacir Pereira, o “decano do jornalismo catarinense”, 76 anos, parece ter abandonado de vez qualquer senso ético em seus textos. Desde o início, chama a CPI da Covid de “CPI do Circo”, constantemente esbravejando que ela seria uma vergonha para a história do Congresso Nacional e atacando ferozmente a imagem de integrantes da comissão que não seguem a sua cartilha política, como Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros.
Moacir costuma se referir a Hang como um “homem honrado”, e o coloca como vítima, dizendo que não cometeu crime algum e é perseguido por ter “gerado 2.000 empregos durante a pandemia”. Ficou martelando ainda, por dias, o depoimento do empresário, que teria sentido-se acuado frente a acusações “infundadas”.
Por mais que seja, de certa maneira, bom que os veículos de imprensa deixem bem claros quais os seus lados, a democracia ou o bolsonarismo, existe desonestidade até quando as intenções são claras. Não é citado com destaque no jornal, por exemplo, o motivo da convocação de Hang. Ficam repetindo, como propaganda gratuita, o sucesso de sua rede de lojas, que inclusive cresceu com vários financiamentos públicos, coisa que o empresário diz abominar.
É um caminho triste, pois o único jornal da capital catarinense abraça cada vez mais fielmente o bolsonarismo, não filtrando seus colunistas, que estão liberados a espalharem qualquer fake news a favor do governo, com no máximo um pedido de desculpas na edição seguinte se o caso for gritante. Já aconteceu nesse ano. Mesmo nos pedidos de desculpas, eles fazem questão de reafirmar suas posições. O ataque do jornal à Universidade Federal de Santa Catarina, essa sim que prepara profissionais brilhantes e cidadãos conscientes para o nosso estado há décadas, é outro tema que merece sempre a nossa atenção.
Nesse triste contexto, também, existe um fato que é sempre esquecido: o empresário não gera empregos porque é benevolente. Ele precisa de pessoas trabalhando para ele, ou vai perder seus negócios. Ele lucra sobre cada um dos seus empregados, explorando a mais valia. E, se algum dia eles pararem, não vai ter narrativa de bondade que segure a queda que qualquer empresário teria.