Publicado originalmente em Coronavírus em Xeque. Para acessar, clique aqui.
Paolo Demuru | Professor e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UNIP
Pequena análise das estratégias comunicativas de Bolsonaro diante da crise internacional do coronavírus.
Partimos de algumas premissas:
- No pronunciamento do dia 24 de março de 2020, Bolsonaro usou a TV como se fosse o twitter. Fez um discurso direto e raivoso, nos moldes estilísticos das redes, apontando uma multiplicidade de inimigos: governadores, imprensa, grande mídia, etc. Não deu certo. Os panelaços dispararam.
- No pronunciamento do dia 31 de março de 2020, optou por uma fala aparentemente mais “institucional” e “televisiva”, repleta, contudo, de contradições e distorções). Percebeu que falar à nação em rede nacional como se estivesse twittando é, em um momento como esse, no mínimo ineficaz. TV e redes sociais exigem falas e tons diversos, pois seus públicos não coincidem.
- No dia 01 de abril de 2020 voltou a atacar “alguns governadores” postando um vídeo sobre o suposto desabastecimento do Ceasa de BH em suas redes sociais. A notícia é falsa e já foi apagada de suas contas no Twitter e no Instagram, acompanhada de um pedido de desculpas. No dia 02 de abril de 2020 o ataque continuou por meio de outro vídeo de uma professora que defende a necessidade de voltarmos ao trabalho.
Dito isso, podemos concluir que:
a) O jogo de Bolsonaro é duplo: por um lado, procura parecer um líder responsável e ciente da gravidade da pandemia, disposto a colaborar com as instituições pelo bem dos brasileiros; pelo outro continua atiçando seus seguidores contra novos e velhos inimigos (Doria, a imprensa, Lula, o socialismo), isto é, polarizando o campo político e social.
b) A polarização que emerge do discurso de Bolsonaro possui também uma dupla face: por um lado, ele se posiciona contra inimigos “precisos”: Doria, Lula, a Globo, a Folha de São Paulo; pelo outro, contra inimigos “vagos”: a “esquerda”, o “socialismo”, o “comunismo”, o “sistema”, etiquetas vazias onde, conforme o momento e as exigências, todos podem ser reconduzidos (lembremos do vídeo do leão).
c) A “verdade” segundo Bolsonaro é muitas vezes fruto de uma verdade individual que se impõe como verdade coletiva. A verdade do “UM” que deve ser reconhecida como a verdade de “TODOS”. Não por acaso ele compartilha repetidamente falas em primeira pessoa de homens e mulheres cuja experiência particular – ainda que falsa – é elevada a verdade factual e absoluta (veja-se o vídeo do Ceasa de BH e o depoimento da professora de hoje, ilustrado acima). A eficácia dessas mensagens reside em seu caráter testemunhal-assertivo, no fato de dizer “eu sei”, “é assim”, bem como na relação direta que elas estabelecem com o seu destinatário: “estou te falando”, “olhem aqui”, etc. São mensagens que “pegam”, mesmo quando a realidade – a realmente verdadeira – está sob os olhos de todos.