Publicado originalmente em Brasil de Fato por Ticiana Amaral. Para acessar, clique aqui.
Atendendo às expectativas geradas com a tão esperada visita de Estado do presidente Lula à China na última semana, uma das pautas mais contempladas nos acordos e declarações conjuntas resultantes do encontro foi a do clima e meio ambiente.
De um lado, o Brasil transita para o retorno de sua atuação externa após um período inédito na história da República no qual o país foi informalmente relegado à condição de pária internacional, em partes devido à retração de seu engajamento em debates multilaterais fundamentais, como o das mudanças climáticas. De outro, a China tem assumido cada vez mais uma postura assertiva na agenda internacional sobre o clima, sobretudo após o interlúdio no qual o ex-presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris.
A reunião entre Lula e Xi Jinping resultou em duas declarações conjuntas: uma de caráter amplo, a ‘Declaração Conjunta entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Global’ e uma específica sobre o clima, a ‘Declaração Conjunta Brasil-China sobre o combate à mudança do clima’.
Lula fechou 15 acordos comerciais com a China / Ricardo Stuckert/Presidência da República
O documento de 14 pontos divulgado logo após a visita pode ser lido como uma síntese e reafirmação dos principais pontos de convergência no histórico de atuação multilateral dos países na institucionalização de normas e princípios orientadores das ações de mitigação das mudanças climáticas.
Brasil e China atuaram como proponentes da formalização do princípio de ‘responsabilidades comuns mas diferenciadas’ (CBDR) na Rio 92, que ao reconhecer que os países têm responsabilidades históricas diferentes pelas emissões e degradação ambiental, assim como capacidades distintas de endereçá-lo no presente, estabelece que países desenvolvidos (os que mais contribuíram para o problema) devem arcar com a maior parte dos custos financeiros das ações de adaptação e mitigação para avançar a justiça climática.
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Assim, em uma demonstração de compromisso e articulação conjunta entre países que se autoidentificam enquanto pertencentes ao Sul Global e compartilham seus interesses, a declaração conjunta reafirma o engajamento com as metas estabelecidas no Acordo de Paris em limitar a elevação da temperatura média global em até 1.5ºC e atingir a neutralidade climática até 2050 em conformidade com o CBDR ao mesmo tempo em que critica o não cumprimento da promessa de financiamento climático dos países desenvolvidos firmada em 2009, em ocasião da Conferência de Copenhague (COP-15).
Para além de revisitar a atuação conjunta na proposição de pautas pró-clima e pró-desenvolvimento, a declaração divulgou os avanços previstos na cooperação entre Brasil e China em matéria de clima e meio ambiente. Destaca-se a criação da subcomissão sobre o clima e meio ambiente na Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) e o desenvolvimento conjunto do CBERS-6, satélite de monitoramento que pode contribuir para reduzir o desmatamento e a degradação do meio ambiente, também contemplado em um dos 15 acordos comerciais firmados durante o encontro.
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O satélite, cujo custo estimado é de US$100 bilhões, conta com capital e tecnologia chineses que são de extrema importância para o Brasil e é demonstrativo da transversalidade da cooperação em temas climáticos com outras áreas. Assim como a cooperação no desenvolvimento do CBERS-6 favorece o diálogo entre as indústrias especiais dos países, o engajamento em parcerias pró-clima pode gerar uma série de oportunidades em tecnologia, energia, infraestrutura e outras.
A China é a atual segunda maior economia mundial e, ao mesmo tempo em que o país é o maior emissor mundial de gases de efeito estufa em termos absolutos, é também o que mais investe em energias renováveis e transição energética do mundo, segundo dados do World Economic Forum. A complementaridade entre Brasil e China pode corroborar para a formação de parcerias estratégicas, como a negociação de créditos de carbono e a ampliação dos investimentos em energias renováveis, nos quais a China já conta com uma presença significativa no mercado brasileiro.
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É possível ponderar que a mais recente visita de Lula a Beijing materializou o estreitamento do diálogo bilateral em uma nova agenda. Contemplando não somente pautas tradicionais de intensificação do comércio e investimentos, mas inserindo no cerne da discussão sobre desenvolvimento a sustentabilidade e as possibilidades transversais de cooperação pró-clima.
* Ticiana Amaral é asssistente de pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutoranda em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
*Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo