Publicado originalmente em Educamídia por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
Viralização desses conteúdos mostra que nos falta bom senso na hora de engajar certas postagens
Foi praticamente impossível ignorar: entre o fim de 2021 e o início deste ano, independentemente de qual timeline você rolasse, surgia o rosto de Alice, uma garotinha branca de olhos claros que participou da campanha publicitária de boas festas de um grande banco. Em uma espécie de diálogo com Fernanda Montenegro, 92 anos, atriz também contratada para o comercial, a criança de dois anos dizia palavras-desejo para 2022, como respeito, humanidade e esperança.
Não demorou muito para virar meme de todos os tipos — políticos, futebolísticos, religiosos etc. —, incluindo alguns com palavrões e outros que relacionavam a imagem da bebê a bebidas e drogas ilícitas, sem controle algum.
Assustada com a proporção da repercussão, a mãe de Alice, Morgana Secco, pediu bom senso aos internautas e declarou que a família não havia autorizado o uso da imagem da filha para esse tipo de prática, assim como não permitiu que sua foto fosse utilizada por outras empresas e instituições — como aconteceu com a prefeitura de Diadema (SP), que postou a foto de Alice para incentivar a população da cidade a tomar a terceira dose da vacina contra a Covid-19.
A viralização da imagem de Alice pode ser discutida sob diferentes prismas, mas duas palavras presentes nos parágrafos anteriores são fundamentais para qualquer reflexão sobre o tema: controle e bom senso.
No caso da primeira, quem está nas redes sociais há algum tempo sabe que elas são regidas por regras invisíveis, que não estão escritas em nenhum código ou coisa do tipo, tais como “o print é eterno” e outros mandamentos reveladores de como não é possível ter controle algum sobre qualquer conteúdo, seja ele texto, áudio, foto ou vídeo, a partir do momento em que foi publicado. Vale para uma tese de doutorado e para um nude.
No caso dos memes com a bebê Alice, é certo que a publicidade, exibida em rede nacional no chamado horário nobre, tinha alto poder de viralização por motivos diversos — entre eles, a forma com que foi montada, usando uma série de palavras–chave. E também pelo fato de usar a imagem de uma criança já conhecida nas redes sociais, uma vez que Morgana tem 4 milhões de seguidores no TikTok e mais de 3 milhões no Instagram. Nesses perfis, são compartilhados minivídeos da rotina da família e pílulas em que Alice pronuncia diversas palavras consideradas complicadas para a sua pouca idade.
Justamente pelo fato da bebê ser uma sensação em algumas bolhas da internet, a declaração de Morgana foi bastante criticada por usuários de redes sociais, que a acusavam de incoerência por exibir a filha em suas páginas e autorizar uma campanha publicitária e, agora, reclamar dos memes.
É por esse tipo de questionamento que a ideia de bom senso precisa ser acionada. Por postar fotos da filha e permitir que a criança participe de comerciais, ela também deve aceitar que o rosto de Alice apareça ao lado de palavras como cocaína e verbetes de baixo calão? Mais: é aceitável fazer isso com qualquer criança, seja ela “famosa” ou não?
É válido lembrar que a preservação da imagem do público infantojuvenil está na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — neste, um dos artigos afirma que é “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Em tempos em que o óbvio precisa ser dito e reafirmado, é necessário destacar também que não é porque todo mundo está fazendo uma coisa que ela seja aceitável ou mesmo correta. Mesmo que a responsabilidade da retirada de certos conteúdos virais impróprios seja das plataformas, é importante pensarmos no nosso papel no não compartilhamento deles. Pode parecer pouco, mas é uma imagem ilegal e controversa a menos sendo curtida, comentada e espalhada nas timelines alheias.
Criar e compartilhar memes é bastante divertido, mas virar meme pode não ser. Na falta de qualquer tipo de controle na disseminação de imagens que possam ferir direitos e, consequentemente, pessoas, incluindo crianças, ser responsável e usar o bom senso é o que nos resta.