O Brasil de setembro de 2022: fome, desinformação e mortes

Artigo de Ana Regina Rêgo. Também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse Piauí.

Durante pesquisa que realizo semanalmente para escolher a temática da minha coluna das quintas-feiras e que nos últimos meses tem como foco o fenômeno multidimensional da desinformação, me vejo entre inúmeras notícias que conjuntamente trazem uma “foto” do momento que vivenciamos. Todas são fruto das escolhas que o povo brasileiro fez nos últimos anos. De um lado, a fome volta a fazer parte da vida de 33,1 milhões de brasileiros, de outro a desinformação se potencializa e trabalha fortemente para desestabilizar a frágil democracia brasileira neste momento de pleito eleitoral e por último, as mortes por Covid-19 que ao chegar ao impensável número de 685 mil mortos não mais impactam na vida cotidiana da nossa sociedade que segue o dia a dia e deixa os que se foram se tornarem números de um painel de incontáveis. 

O Brasil de setembro de 2022 não é o mesmo Brasil cujo estereotipo era o da beleza e da felicidade. O Brasil de 2022 retornou a um passado que deveria ter sido enterrado para sempre e  voltou a ter pessoas famintas nos sinais de trânsito das grandes cidades, ter um grande número de cidadãos em situação de rua,  ter pedintes nas portas das Igrejas, ter açougue vendendo sobras de aves, ter pobres comendo sobras do lixo, ter crianças na escola comendo bolacha com suco porque a verba da merenda escolar está sem reajuste há cinco anos, para ler mais sobre este tema acesse: https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/09/11/bolacha-e-suco-sem-reajuste-ha-5-anos-merenda-se-torna-lanche-em-escolas.htm . O Brasil de setembro de 2022 teve o dinheiro da cultura e da ciência sendo desviado para emendas do tal orçamento secreto faltando menos de um mês para a eleição, para ler mais sobre este tema acesse: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/09/08/orcamento-secreto-governo-muda-regras-e-quer-liberar-r-56-bi-em-emendas-antes-das-eleicoes.ghtml . Na verdade, um orçamento nada secreto tendo em vista que a destinação dos recursos é facilmente percebida nesse momento eleitoral. 

O Brasil de setembro de 2022 é, portanto, um país faminto, imoral, ilegal e de mentirosos. 

Mas como um país assim permite um governo cujo projeto é de implosão do Estado de direito a partir de dentro das próprias instituições?

A resposta que não é simples e nem única, carrega em si uma complexidade de visões de mundo, que não seriam tão complicadas se não tivessem como pretensão a eliminação do outro, o ódio e a violência. O fato é que um dos caminhos para compreensão do atual setembro de 2022 com todas as mazelas que o povo brasileiro vive e que mesmo assim, grande parte da população permanece fiel em seu apoio a um governo cujas decisões não fazem parte do escopo democrático, é o caminho que nos leva ao desvelar do fenômeno da desinformação. Desinformação que para além das intencionalidades de um mercado lucrativo economicamente e politicamente, guarda em si a estratégia do encontro com o outro que a acolhe como algo que deseja. 

Nesse acolher da desinformação existem muitas possibilidades intermediadas por contextos sociais que podem levar a uma ignorância no sentido de não querer saber e de se afastar dos fatos, até mediações e afetividades que se encontram em lugares de acolhimento como Igrejas e famílias. 

De um lado, a necessidade do acolhimento por uma população esquecida e sem direitos muito bem explorada por muitas instituições que se dizem de fé, de outro, uma camada social abastada e com um pensamento colonialista, machista, racista, misógino que não tem como ideal a igualdade/equidade de direitos. 

Obviamente que nenhum nicho religioso ou econômico é composto de pessoas com pensamento predominantemente similar, como também é evidente e bem-vindo que nos dois segmentos que cito acima, haja resistência e combate à desinformação e ao fascismo. Contudo, temos que, infelizmente, reconhecer que a exploração da fé pela desinformação ideológica e política é fato em nosso país desigual e essa prática desinformativa vem carregada de discurso de ódio, que por sua vez, tem provocado violência física, inclusive, com mortes. Do mesmo modo, é também evidente que parte da burguesia brasileira se sinta superior ao todo da Nação e trabalhe para consolidar seus privilégios investindo em um governo que trabalhe para aumentar as desigualdades sociais. 

Aliado ao quadro da desinformação que carrega ódio e violência, fenômeno que congrega mercado e aparatos de receptividade por parte da sociedade, há o retorno impensável da fome para muitos brasileiros, como citei acima. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) no Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar divulgado em 2022, 33,1 milhões de brasileiros estão na situação mais grave de insegurança alimentar em nosso país.  Segundo o Relatório “ esse retrocesso histórico é causado por um desmonte das políticas de combate à insegurança alimentar no Brasil. De 2004 a 2013, essas políticas reduziram a fome de 9,5% para 4,2% dos lares brasileiros. No final de 2020, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostrou que 19,1 milhões de brasileiros, o equivalente a 9% da população, estavam em situação de fome.  Hoje, 15,5% dos lares estão em situação de insegurança alimentar grave e 125,2 milhões de pessoas vivem com algum grau de insegurança alimentar”. Para ler mais sobre este tema, acesse: https://idec.org.br/noticia/em-2022-33-milhoes-de-brasileiros-passam-fome-no-brasil

Na terceira “foto” que trazemos para retratar setembro de 2022 temos a marca triste e enlutada para 685 mil famílias de brasileiros que perderam entes queridos para a Covid-19 desde 2020, sobretudo, considerando os grandes erros cometidos na gestão da pandemia e no incentivo a tratamentos sem comprovação científica, além da  contraposição governamental federal à medidas preventivas de isolamento, distanciamento e uso de máscaras sempre através de muita desinformação, levando nosso povo a se expor ao vírus e por último, combatendo a vacina, inclusive, para crianças.

Que esta “fotografia” que hoje descrevo para nosso momento de vivência presente, seja ultrapassada por visões que possam ser benéficas ao nosso país. O dia da eleição se aproxima. Que país você deseja? Pense bem e vá além dos seus preconceitos, dos seus desejos e veja também as necessidades do outro, que no final das contas é um tão somente um igual.

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